"Não tenhamos pontos de vista professorais sobre arte. Porque
é que Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, personagens muito
pouco recomendáveis do seu tempo, representam não obstante
tantas coisas para nós e são de alguma maneira benfeitores?
Não seguramente pela sua moral, mas por terem conferido um
novo impulso vital, uma nova consciência.
Por isso, em vez de os comparar a pregadores espalhando a
boa ou a má nova, há que compará-los ao primeiro homem que
inventou o fogo. Foi um bem, foi um mal? Não sei. Foi um novo
começo para a humanidade. Uma sucessão de novos começos
faz uma civilização. É isso também o que o poeta mais deseja,
um novo começo, uma vitória sobre a inércia, sobre a sua, so-
bre a da época, sobre o entorpecimento sem fim dos reaccio-
nários.
Vemos assim que a poesia, mais do que um ensinamento, mais
até do que um encantamento, uma sedução, é uma das formas
exorcizantes do pensamento. Pelo seu mecanismo de compen-
sação, liberta o homem da atmosfera viciada, deixa respirar
aquele que asfixiava. Transforma um estado de alma intolerável
noutro satisfatório. É, pois, social, mas de uma forma mais com-
plexa e indirecta do que se diz.
Sem o parecer, respondo desta maneira à pergunta: «Qual a
finalidade da poesia?» - A de nos tornar habitável o inabitável,
respirável o irrespirável."
Henri Michaux, excerto de um discurso pronunciado no
14º Congresso Internacional dos PEN Clubes, que teve lugar
em Buenos Aires em Setembro de 1936, intitulado "A Verda-
deira Poesia Faz-se Contra a Poesia" e incluído em "Nós Dois
Ainda", edição da "& etc" (Março 1988) com tradução de Rui
Caeiro. Fez ontem precisamente 108 anos que o autor nasceu
em Namur, na Bélgica.