30 abril, 2008

a cantar contra o mau olhado

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© 2008

29 abril, 2008

o levantamento das flores

«A classe operária é a vanguarda dum amor tão antigo
que já nem lembra - a liberdade total. Não trair, não
trair o esquecimento do prazer oficinalmente minucioso,
o doce levantamento das flores, justiça da inacção
embevecida.»

(em "Da rosa Fixa" de Maria Velho da Costa)

28 abril, 2008

a luz dos meus anjos

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© Abril, 2008

27 abril, 2008

e as flores ficaram sem sentido

Domingo bonito de sol. Dia sempre custoso de trabalho. Dia
também do aniversário da minha mãe. Após o almoço, resolvo
passar pelo cemitério. Há muito que estou sem lá ir. Como as
lojas das floristas estão fechadas, a única solução é comprar um
ramo simples no Pingo Doce, ali não muito distante. Trago um
arranjo muito simples, de flores várias, por mim desconhecidas,
em tons violáceos. Saio do supermercado e dirijo-me a pé para
o cemitério. Apesar da brisa fresca, está um dia de calor. Podia
ser Verão. Não vejo muitas pessoas, o lugar, aliás, está relativa-
mente deserto. Penso que toda a gente deve estar a gozar o
domingo junto do mar. E penso que as minhas miúdas não têm
muita sorte com o pai que lhes caiu em rifa.
Nisto, segundos depois, já a chegar perto do portão do cemitério,
logo reparo que está fechado. Custa-me a acreditar que possa
ser verdade. Eu que imaginava que muitas viúvas e tantos so-
litários, por esse país fora, tinham por hábito domingueiro ficar
a velar e mesmo a falar com os seus mortos. Ligo ao meu pai
(ele também no seu passeio dos tristes ao pé do mar, ou prova-
velmente sentado dentro carro, a olhar pastosamente para
ontem, esperando ansioso a hora do jogo do seu Porto) que me
confirma que, aos domingos e dias feriados, os cemitérios não
abrem as portas pela tarde. Conformado, rio-me da situação.
Eu, o menino ateu e laico, que aos dez anos de idade, depois
de quatro anos infindáveis de catequese e comunhões inti-
midantes, passou do lado esquerdo da rua para o lado direito
da mesma rua, que trocou para sempre o silêncio assustador
da igreja e as orações de frases tão irreais, pelo ruído dos pitões
de borracha sobre a terra saibrosa, as alegres perseguições
atrás de uma bola de mau couro, a chutar alegremente todos
os sonhos da infância, assim o mundo parecia avançar mais
feliz e eu com ele...
Eu, ranhosa ovelha do católico rebanho, acabei então a dar
com o nariz na porta de um cemitério, por ignorância. E vim-
-me embora a cogitar que, curiosamente, nem os cemitérios
podem combater os grandes templos de consumo...

26 abril, 2008

wanted man

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© Coliseu do Porto, Abril 2008

Ainda o Nick Cave. Talvez o músico estrangeiro de renome
que por cá mais vezes tenha tocado. Parece que os jornais,
ou melhor, os críticos de jornais por eles, não gostaram das
recentes prestações em terra lusa. Ao contrário, curiosa-
mente, tanto o público de Lisboa como o do Porto, parece
ter gostado. Se calhar, uns como outros, estarão cheios de
razão...
No "Público", pela pena de João Bonifácio, escreve-se:
«Aceitemos a verdade: o relativamente respeitável senhor
Cave de hoje já não é o anti-cidadão Nick Cave de há uns
anos - e está no seu direito. Tem uma careca, um belo bigode,
a camisa já não é branca e sim preta, não corre pelo
palco, muito menos canta em tronco nu, antes abre quatro,
cinco botões da camisa» e remata a desencantada crónica
com «Para a miudagem (e havia muita) pareceu ter sido
admirável, para os velhotes (e havia muitos) idem: e o
atulhado Coliseu desdobrou-se em apoteoses que musical-
mente não tiveram qualquer justificação. O circo foi caricato,
no entanto.»
No "Jornal de Notícias" o repórter Cristiano Pereira teve
visão muito semelhante: «O homem está mudado. Agora, usa
bigodinho. Raramente se senta ao piano. E até faz questão de
ser ele próprio a tocar guitarra eléctrica. Nick Cave fez 50 anos
em Setembro passado - e a idade modifica as pessoas.» E
termina o seu relato assim: «A ideia que fica é que Cave
deslumbrou os fãs mais recentes, mas que criou divisão nas
opiniões dos admiradores de longa data. Mas a devoção, essa,
permanece inalterável - daqui para a eternidade.»

Entretanto um amigo escreveu-me a dizer que já não tem
muita paciência para as suas canções de suor e lágrimas,
mas que, enquanto estava a trabalhar, se pôs a ouvir os
esquecidos Swans e questionou se não estaremos velhos de
nostalgia, nós os da brava música dos anos oitenta, e isto já sou
eu que digo...

Há vinte anos éramos todos muito mais novos. (Na verdade,
éramos outros). Tudo parecia novo, puro, intenso. Embora,
para muitos de gerações mais velhas, seria, porventura, apenas
uma espécie de música cuspida no mundo por uns tresloucados
barulhentos...
Há vinte anos ainda não havia máquinas digitais, só os
fotógrafos oficiais. Muito menos telefones minúsculos e por-
táteis, miraculosamente capazes de gravar sons e imagens.
Não havia gente tão quieta (e quiçá, por culpa também de
toda essa tecnologia), tanto na plateia como até no palco.
Há vinte anos havia tardios punks e tribos afins aos pulos e
aos empurrões. Há vinte anos as plateias seriam mais homo-
géneas e não tão pavlovianamente exultantes. Há vinte anos
podia-se fumar livremente. Agora o ar é bem mais limpo,
apenas perfumado aqui e ali, por um ou outro charro mais
atrevido.
E há vinte anos havia o Blixa. Hoje, o bigode do Nick Cave
parece ser coisa tão pouco cool...
Mas enfim, apesar de não crer (nem querer) que os Bad Seeds
alguma vez se armarão nuns Rolling Stones, enquanto rodarem
por aí com vontade e gozo, por mim serão sempre uma festa a
celebrar.

25 abril, 2008

que portugal se espera em portugal?


L'ÉTÉ AU PORTUGAL,
um poema de Jorge de Sena

Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?

Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.

Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.

Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
- mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?

Chatins engravatados, peleguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas - e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.

Velhos e novos, moribundos mortos
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.

Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.

(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).


Lisboa, Agosto 1971

24 abril, 2008

nem cravos nem a grândola canção, apenas o rei dos românticos, graça para uma amiga a casar de véu e grinalda, no sagrado dia da olvidada revolução



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© 2008

23 abril, 2008

no reino dos céus

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© Porto, Abril 2008

21 abril, 2008

músico do coração




Dezembro de 1988. Já lá vão vinte... curtos anos.
Nick Cave estava pela primeira em Portugal. Lembro-me da
excitação geral, do frenesim algo adolescente, um verdadeiro
acontecimento à época. Os Bad Seeds iam incendiar o Rivoli.
Andavam a rodar o álbum "Tender Prey", curiosamente de-
dicado à memória de Pixote, morto pela polícia em São Paulo
um ano antes.
Lembro-me de pouco mais. Creio que chovia (hoje também
chove), estaria muito frio. Era também o meu aniversário, mas
uma dor de cabeça fortíssima estava a estragar-me o dia.
Pouco mais recordo. Sei que foi um grande concerto mas não
guardo qualquer imagem deles em palco. Creio tê-los visto
mais tarde em plena praça da Ribeira (ou terei sonhado?), a
saírem de um táxi, muito animados, Thomas Wydler (ou seria
outro?) ia mesmo de garrafa na mão (cerveja corona? uma
bebida mais quente?) e parece que se dirigiam para o
Anikibobó ou para o Meia Cave (nome, aliás, deveras apro-
priado); então lugares de culto, hoje extintos...

Hoje, no Rivoli, pode apenas passear-se a megalomania do
La Féria (regressão cultural ou triste sinal da decadência da
cidade?).
Ainda bem que se salvou o Coliseu, templo maior para receber
os músicos do nosso coração. O gigante australiano é um desses.
Estarei lá (se deus, ou o diabo por ele, quiser).

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a minha pequena rimadora

- Pai, o que rima com ice tea?
- Isso não é português, filha. Rima com palavras do inglês que
tu não conheces.
- Pai, mas diz lá: o que é que rima com ice tea?!!
- Rima... rima, por exemplo, sea que em inglês quer dizer o
mesmo que o nosso mar... e é parecido com si em português...
- Isso não é nada igual.
- Pronto, então podemos rimar ice tea talvez com sai a ti...
- Tu não sabes nada, pai. A minha professora é que sabe.
- Quem? A tua Isabel?
- Sim. E tu também não sabes quem nasceu no Porto!
- Nasci eu...
- Não, não...
- E tu também nasceste.
- Quem nasceu no Porto foi o Jesus!
- Isso é uma coisa gira...
-E o pai e a mãe dele também.
- Isso. O Porto é a melhor cidade do mundo para se nascer.

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© Abril, 2008

20 abril, 2008

pela metáfora fora dentro de noites assim

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© Coliseu do Porto, Abril 2008


"Metáfora", uma canção de Gilberto Gil

Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

19 abril, 2008

expectativa

uma tarde (desesperemos) de águas mil.
uma noite (esperemos) de um luminoso Gil.

17 abril, 2008

a ler uma ou duas cartas por noite, este romance epistolar vai levar-me meses, mas é muito belo

"Uma vez sonhei que, se esfregássemos os olhos, as lágrimas
seriam provavelmente completamente diferentes das que
conhecemos. Seriam mais doces do que o mel e escorreriam
de uma reserva secreta cuja existência ignorávamos. O único
órgão criado com o conhecimento de que nunca serviria.
Uma brincadeira triste de Deus, que sabia de antemão com
quem se estava a meter, porque é possível superar a força de
atracção mas não a da repulsa e de rejeição do ser que, ao ver
junto de si outro ser próximo e escancarado, pisca logo como
a polícia das fronteiras."

(de "Em Carne Viva", David Grossman)

16 abril, 2008

vida de cão

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© Porto, 2008

15 abril, 2008

césar sempre imperando neste espaço

Anônimo
de Ana Cristina César

Sou linda; gostosa; quando no cinema você roça o ombro em
mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo, que me assa
viva, comendo coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é escuro
e a tela não importa, só o lado, o quente lateral, o mínimo
pavio. A portadora deste sabe onde me encontro até de olhos
fechados; falo pouco; encontre; esquina de Concentração com
Difusão, lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.

13 abril, 2008

venus in furs

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© The Kills, Casa da Música, Porto, 12 Abril 08

12 abril, 2008

reciclagem

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© Porto, 2008

"Entendo-me com os meus materiais. Eles sabem e eu sei que
vamos fazer uma tentativa. Às vezes funciona, outras vezes não,
mas para mim qualquer coisa é preferível às ideias preconce-
bidas ou à intencionalidade. Se esse momento não pode ser
tão fresco, estranho e imprevisível como o que se passa à
nossa volta, então é falso. A natureza de alguns dos meus
materiais trouxe-me um problema adicional porquanto tive de
encontrar uma maneira de os apoiar fisicamente numa parede
quando evidentemente não fazia sentido estarem perto de uma
parede."


Robert Rauschenberg

10 abril, 2008

mover-me sentado



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© Fevereiro, 2008

09 abril, 2008

será estranho este gosto por epitáfios

será tola morbidez?
mas quem não imaginou já, ou mesmo escreveu, um
poético e assertivo epitáfio?
aqui deixo um de que gosto particularmente, da autoria
de Luisa Neto Jorge.

Epitáfio

Querida vida,
pobre pó.
Tão pó a pó.
Após, a pó.

08 abril, 2008

tropeçar no acaso da luz que se derrama

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© Porto, 2007

07 abril, 2008

Antinaturezas

um poema de Marcelo Rizzi
(com tradução de José Mário Silva)


Há uma ardilosa beleza criada na penumbra,
entre o espelho e a parede.
Palavras fosforescentes dispostas
na obscuridade. Por elas, esquecemos
o que para nós é invisível
e nos salva do desmoronamento: vernizes com pó de ouro,
nácar no torso repleto de luz de uma mulher,
a pedra completa do nosso mais antigo
lavor.

06 abril, 2008

i'm not a barbie girl

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© Porto, 2008

05 abril, 2008

eco mural

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© Porto, Fevereiro 2008

04 abril, 2008

o segundo café da manhã

um poema de João Luís Barreto Guimarães


Pela metade da manhã o departamento pára
para chegar ao biscoito. É
pelas dez e
dezoito. O
segundo café da manhã sabe
melhor que o primeiro onde
este é dever é
o segundo sem pressa (o
primeiro é acordar onde
o outro desconversa). O
saldo das calorias desculpa à mesma mesa
o doutor e a empregada e
a caixa de bolinhos de onde se amove metade
do dobro
da unidade. Só
a mais forte declina numa angústia dilecta
"começou hoje a dieta".

03 abril, 2008

elas com eles no sítio*

Os meus oitentas. A música boa dos anos oitenta, às vezes
tão vilipendiada. Au Pairs. Duas mulheres e dois homens.
Um dos meus grupos rock preferidos. Banda sonora ideal
para um mundo perfeito (*sim, este 'post' é também uma
homenagem à Isabela).

Escrevia assim Miguel Esteves Cardoso, no defunto O Jornal,
em 1981: «O mais impressionante, contudo, embora seja
chocante dizê-lo, é ver homens e mulheres a tocar em igualda-
de, sem serem machões ou maricas, mulas ou virgenzitas, e
sem abdicar duma só onça de sexualidade. Quantas vezes já
isto aconteceu no Rock? Nas outras artes populares? Nas
outras? Na vida real?
Ah, Sheena [Easton], chega-te para lá; Chrissie[Hynde] vai-
-me já levar esse blusão à tinturaria; que dentro em breve
haverá Au Pairs em todos os lares do Rock e é preciso que os
homens se vão habituando a ser homens e às mulheres
serem mulheres...»

02 abril, 2008

minhas boas descobertas

Que prazer me dão estas coisas. Comprar discos sem referência
absolutamente alguma. Não ter visto ou lido nada sobre eles
nem no ípsilon nem no Actual; também não na Inrockuptibles,
na Uncut ou na Mojo, nem na Paste Magazine ou no Blitz, na
Wire ou até mesmo na Uovo, tudo publicações que mais ou
menos irregular e alternadamente vou comprando aqui e ali.
Não ter sequer procurado na net, no google nem nos blogues
dedicados à música.

Que prazer encontrar por acaso numa qualquer prateleira,
um disco que nunca vimos na vida. Gostar da capa. Tentar ou-
vir. Gostar das letras, do humor das letras. Da voz versátil de
imensas reminiscências. Da miríade de referências musicais.
O arrojo feminino. Pop nada fácil, alternativa e provocatória.
O fabuloso artwork do livrinho que integra o cd. Dizer para
mim mesmo, esta é das minhas. Levá-la para casa. Senhoras
e senhores apresento-vos, Claire Diterzi.



"Mes Bonnes Soeurs"

JE N'AI JAMAIS EU DE PÈRE
JE N'AI JAMAIS EU DE FILS
J'AI OUBLIÉ TOUTES MES PRIÈRES
ET LE NOM DU SAINT ESPRIT

PARDONNEZ NOUS NOS OFFENSES
LAISSEZ NOUS DISCUTER DU SEXE DES ANGES
GLOIRE À MES SOEURS
BÉNIES SOIENT NOS CONFIDENCES

RATATOUILLE ET SACRILÈGE
POIL AUX COUILLES ET SORTILÈGES
JE ME SOUVIENS DE LA NEIGE
BOUFFE TES NOUILLES ET TON SOLFÈGE

AU PLUS HAUT DES CIEUX ÇA BRILLE
ET JE VOUS SALUE MES GRÂCES
QUE NOS PÉCHÉS SOINTE SANCTIFIÉS
PAIX À NOS ENFANTILLAGES


JE N'AI JAMAIS EU DE PÈRE
JE N'AI JAMAIS EU DE FILS
AINSI SOIT-IL
BÉNIES SOIENT MES SOEURS
AMEN

01 abril, 2008

sábado à tarde, no bulício da vanidade, ler-me na mansidão de um gato sob um céu imenso e particular

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© Porto, Março 2008