31 agosto, 2005

zoom-in

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30 agosto, 2005

o escritório do presidente

- Agora só lês livros brasileiros, papá?!
- ...
- Papá, isto são dvd's ou cd's?
- Naõ mexas nisso, por favor, ainda misturas tudo o que está aí.
- Mas nada disto está arrumado...
- Ou portas-te bem ou ponho-te lá fora, filhinha!
- Lá fora onde, pai, na rua?
- Não. Fora daqui, do escritório.
- Isto aqui não parece nada um escritório...Nem é como
o escritório do presidente...aquele de Portugal...
- Achas mesmo que não é parecido...
- Não!...o escritório do presidente não tem quadros com
meninas a lavarem os dentes, nem estas montanhas
de discos; nem tem tantos jornais espalhados, mulheres com
as maminhas à mostra e bananas na cabeça, nem a rádio a
tocar música assim tão romântica...
- Não digas a ninguém, amorzinho, que eu adoro o Joe Dassin...
- Nem sei quem é! Só conheço o Jô que dá no GNT...Mas ó
pai, os presidentes também não põem assim os computadores
portáteis em cima de bancos de casa-de-banho, ainda por cima
cor-de-rosa choque.
-Mas aqui o presidente desta chafarica, que sou eu, diz-te que
tudo pode...
- Deste chafariz?? Mas que lugar tão infeliz...
- Mas que é que eu fiz...
- ...Para merecer isto!! Já conheço essa, paizinho...

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29 agosto, 2005

lost days

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Saudades de Last Tapes.
Belos dias estarão por vir.

28 agosto, 2005

poema que não foi à missa

da janela o mar, uma mesa, uma pizza
na tv uma bola bem no ângulo da baliza
ao fundo do bar o chão que ela pisa
sonhar o mundo numa casa do Siza
sob a flanela os lisos seios de Elisa
na pressa do amor nem ponho a camisa
rima mais oblíqua que a torre de Pisa

27 agosto, 2005

lusco-fusco

fim de tarde, a urbe regressa ao lar.
a enorme família citadina, provinciana.
a bola debaixo do sovaco. a maria.

um gato coalhado no tempo
entre amores-perfeitos.

não minto. não preciso mentir.
o homem da tabacaria leva os jornais
para dentro.
sobram ainda alguns títulos.
"posições para amar".

o gato está também a olhar.
deus não existe sequer para ele.

26 agosto, 2005

Bom Barqueiro

Espinho ou Rosa?

Esquilo ou Raposa?

Ésquilo ou Espinosa?

Bom barqueiro, bom barqueiro
deixai-me lá inventar...

Enguiço ou Lorpa?

Esguio ou Sopa?

Estio ou Tropa?

Tenho versos pequeninos
para acabar de criar...

Efebo ou Soba?

Enlevo ou Troça?

Espesso ou Mossa?

Passarás, passarás
mas algum há-de ficar...

Estilo? Prosa?

Esquiço? Prova?

Esquivo? ou Moça?

Se não for o da frente
há-de ser o detrás...

E Frevo? ou Bossa?

Escravo? Esposo?

Escrevo? ou Gozo?

Bom barqueiro, bom barqueiro
não me deixeis morrer no mar...

25 agosto, 2005

e são bartolomeu lá ardeu!

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© Paredes da Beira, Agosto 2003

24 agosto, 2005

colours

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23 agosto, 2005

casinha-de-surpresas

Para Guevara, Knuque e Moloi.

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© Porto, Junho 2005

Uma Casa do Povo?

Um OVNI sobre a cidade ontológicamente sustentável?

Um Objecto Vanguardista Não Inteligível?

Uma Obra Verdadeira Nada Intrusiva?

22 agosto, 2005

juliette

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21 agosto, 2005

bailes

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© Paredes da Beira 2003



corpos colados a ritos,
luzes que arrastam sonhos.
sopros sabáticos.
corpos erráticos,
corpos suados nos ritmos
da música chã.
vestidos rutilantes e sapatos rombos.
passos trôpegos, laços em ruína.
fantasmas de solidão
no verão pagão.
dança hierática e libertária,
festa feérica e necessária.
baile entre veredas,
e bêbados guardados nas sombras.
nocturna folia entre as montanhas,
vinhedos e fragas como paredes,
o calor louco das noites,
violentadas por foguetes.
rostos, gestos, rastos,
coreografias da rotina.
mãos, bocas, aqui e ali,
promessas em surdina.
risadas e folguedos,
cantadas e segredos,
moçoilas refreadas por raspanetes,
catraios açaimados por açoites,
novos e velhos
como num palácio de espelhos,
os mesmos desejos gastos.
dedos, línguas, deus aqui
como em toda a parte.
(esse que mora para além da lua).
dados jogados na rua,
lento movimento complexo
para o sexo,
como um slow-motion perpétuo.
hoje não é pecado,
só amanhã.
estas palavras, esta dança.

20 agosto, 2005

Vermelho ( agora que a bola começa...)

Março 2004. Início da noite. Interior de apartamento. Cidade
do Porto. Na sala de estar reinava um televisor. Imagens em
directo da Noruega. Não eram sobre novas tecnologias, nem
sobre o eterno bacalhau, nem sequer sobre as virtudes de um
dos mais prósperos e exemplares países do mundo. Apenas
futebol. Como em outros milhões de lares - e ao contrário do
que era costume naquela família - via-se a TVI, canal outrora
católico, hoje em tudo hiperbólico...
Frente à televisão, o pai, roído de nervos. O Benfica estava já
a perder por dois-zero, ainda nos primeiros minutos de jogo.
A filha, cinco anitos, debicando uma maçã, ensaiava imaginá-
rios passos baléticos pelo meio da sala, mal deixando ver os
voos do Moreira ou adivinhar os mergulhos do Nuno Gomes.
De súbito, o pai irrompe aos saltos, algo tresloucado, feste-
jando o golo benfiquista. A pequenota quase se assustou.
- Ó pai, o Benfica não presta! O Porto é que ganha sempre!
- O Benfica é o melhor clube de todos. Mesmo a perder é
sempre o maior... - respinga sem grande empenho, o pai.
- Não é nada! O Porto é que é! O estádio do Dragão é que é o
mais bonito! Eu sou dragona!!
- Ai que coisa horrível, filha! Seres do Benfica é que te ficava
bem. Já viste: BEN-FI-CA, que bem que me fica! Dragona não
é coisa que se diga.
- Mas tu não és de Lisboa! És do Porto e eu também sou.
- Pois é filhota, tens razão. Eu até tenho muito orgulho em ter
nascido mesmo no coraçaõ do Porto, nas Fontainhas, mas o
Benfica não é nenhum clube de bairro, apesar do nome, nem de
cidade, mas sim o clube de Portugal.
- O Figo é que é o melhor de Portugal! Não é nada o Benfica!
- E os dragões até assustam as criancinhas...e as princesas...- diz
o papá armado em idiota.
- Não é nada! A Rapunzel até tem um dragão que é muito amigo
dela! Ai, como é que se chama...é a Pen...
- P-É-N-A-L-T-I!!! - interrompe bruscamente o pai, num
júbilo quase demencial.
- Não é nada pénalti, é Penélope. É uma dragona muito linda...
- Olha! Afinal, aquele gajo atirou-se pró chão em vez de atirar
prá baliza! Sai-me da frente, não me estás a deixar ver o jogo.
Entretanto, a mãe, gravidíssima (outra "andrade" a caminho?),
entra na sala. E logo se intromete.
- O quê, o Benfica está a perder?! Eu tinha vergonha...
- Ó mãe, e o pai está sempre a dizer que o Benfica é o melhor,
pois não é, mãe?
- Queixinhas... - balbucia o pai, qual pura criança.
Volta o tom desdenhoso da mãe.
- Não sei porque ainda perdes tempo a ver esses desgraçados.
Não ganham um jogo.
- Estão a perder, mas na Luz ganharam um-a-zero.
- E depois? Ao menos, o Porto ganha sempre, até aos vaidosos
do Manchester...
- Este jogo é a duas mãos, portanto se o resultado ficar assim
como está agora, o Benfica passa.
- Mentiroso! Não é nada assim, pai! O futebol joga-se com os
pés, não é nada com as mãos...
Com essa tirada estava ganha a noite. Até a sufocante segunda
parte do jogo, custou menos a passar.
Qualquer dia tenho de lhe dar um dragãozinho.
Vermelho.

19 agosto, 2005

pimba ou o sabor autêntico

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© Paredes da Beira, 2003


Rumba e pimba,
catrapumba!
catrapinga!!

18 agosto, 2005

XIX vs XXI

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© Porto, Abril 2005

17 agosto, 2005

é luz ou pedra

é luz ou pedra a dor
no meu coração?


adormeço com o sorriso
envenenado.


é luz ou perda o amor
no corpo abandonado?


os lábios serão fragas
onde lágrimas correrão.

16 agosto, 2005

livros adiados

meus livros de férias, última parte.

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ou melhor, os livros que ficaram por ler.
os livros que regressaram com areia ou com a
caruma dos pinheiros, entre as páginas.
os livros que voltaram sem a memória dos meu olhar.

Tertúlia dos Mentirosos, de Jean-Claude Carrière. Pelo
segundo ano consecutivo vou ter que arrumá-lo, e esperar
dias mais frutuosos.
Austerlitz, de W.G. Sebald. O que eu mais queria ler. Fica
agora adiado até quando?
Expiação, de Ian McEwan. Nunca mais retomo as quarenta
páginas lidas no ano passado. E há já um livro novo.
Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum. Um Brasil
diferente que eu queria conhecer.
Uma sombra laranja-tigre, de Afonso de Melo. Sugestão e
empréstimo de uma amiga minha. Quanto tempo mais
posso ficar com ele, Edu?

Desespera-me a falta de tempo. Desespera-me o permanente
stress por causa disso. Desesperam-me tantos interesses.
Como conseguem os outros?
Como conseguem vocês?

15 agosto, 2005

Segunda Guerra

Meu pai nasceu no início dessa guerra.
Minha mãe nasceu poucos dias antes do fim da guerra.
Eu, agora, dei por mim a pensar, que o dia do meu
nascimento está bem mais próximo desses tempos de
morte, do que deste mesmo dia em que formulo tal
pensamento.
Como se agora, esse sombrio século vinte, fosse bem mais
longínquo...e eu lá longe, na memória dele...

Estarei assim tão velho? O tempo é assim tão veloz?
Sei também que nunca somos bem os mesmos a cada dia
que passa. Somos sempre outros; porventura melhores,
mas outros...
Mas estarei velho?
Logo eu que me sinto um catraio!
O eterno catraio.

leoa-toupeira

Metro a metro, dia a dia, se aprofundam e alicerçam as amizades.
Mergulhando na memória destes anos conjuntos de labor, dá para
ver que já foram muitas as andanças e boas as lembranças.
Mas o futuro há-de ser uma ponte para tempos ainda melhores.

Para a Mizé, que faz hoje anos.

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© Porto, 2003

14 agosto, 2005

Ao Correr do Tempo

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Berlim e cartaz em Paris, Agosto 1990


Naquele Verão 90, tinha as asas do desejo na cabeça.
Ficara fascinado pela cidade que agora ávidamente percorria e
descobria. A cidade, ainda com o Muro por derrubar em
muita da sua extensão, como uma longa e dolorosa cicatriz do
passado, que é difícil esconder.
Persegui alguns dos locais do filme. A biblioteca, a loja do
antiquário, a filmhaus Esplanade, onde creio se filmara, dois ou
três anos antes, o concerto de Nick Cave and The Bad Seeds.
Wim Wenders era um dos meus realizadores preferidos.
Parecia esperá-lo, como se ele me pudesse aparecer ao dobrar
de uma qualquer esquina da cidade que tão bem filmara;
como se ele pudesse ser agora um anjo do filme que eu próprio
parecia estar a viver.
Alguns anos antes, nos meus tempos de cinéfilo aplicado, numa
tarde que não mais esqueci, comprei bilhete para uma sessão
dupla no saudoso Lumière. Em cartaz estavam Ao correr do
Tempo e O Estado das Coisas. Dois dos filmes da minha vida.
Depois houve ainda o filme perfeito de que todo o mundo
gostou, Paris, Texas. Escrito pelo meu querido Shepard.
Depois de Até Ao Fim do Mundo, os seus filmes foram-me
cada vez despertando menor interesse, com excepção do
globalizado Buena Vista Social Club.
Mas estou sempre esperando Wenders.
Hoje um amigo telefonou-me a dizer que ele fazia 60 anos.
Como o tempo passa...
Não o imagino com sessenta anos. Lembro-me sempre do
seu olhar vivaz por detrás dos óculos e do seu gosto por
rock' n' roll.
Nem o imaginava, ou já esquecera, que era do signo Leão.

Lembrei-me, então, desta homenagem.
E ficarei à espera. Sempre de uma nova obra-prima.

não era Proust, mas Shepard

meus livros de férias, parte doze.

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© Praia das Maçãs, Julho 2005


"(...)
- Posso contar-te uma história?
- Claro, porque não? Que espécie de história vai ser essa?
- A história de como é que teve início esta minha atitude de
troça em relação aos Franceses.
- Oh, céus!

( O mergulhão salta para fora de água, mas eles já perde-
ram os dois a conta aos segundos.)

- Eu estava em Paris. Isto foi há muito tempo, nos anos
sessenta, vagueando ao acaso com uma rapariga.
- E que rapariga era essa?
- Não interessa.
- Era aquela rapariga que tinhas conhecido, que consumia
efedrina cristalizada, numa tenda índia em Woodstock?
- Não. Era uma rapariga que tinha encontrado por acaso. Não
me lembro.
- Lembras-te. Tu lembras-te de todas as tuas raparigas.
- Posso contar isto ou não?
- Claro. Sou toda ouvidos.
- Uma noite eu tinha saído já tarde, para dar uma volta.
- Sem a rapariga?
- Exactamente. Ela ficou. Queria ler, ou não sei o quê.
- Proust, aposto.
- O quê?
- Em Busca do Tempo Perdido?
- Ora, esquece. Pensei que talvez gostasses de ouvir isto.
- Eu quero ouvir isso. Só estou a tentar reconstituir o quadro.
Tu foste passear pelas ruas de Paris no meio da noite, e dei-
xaste ficar a tua namorada a ler Proust. E depois que mais?
- Está bem. Ora isto foi ainda nos tempos em que eu bebia.
E andava simplesmente à deriva pelas ruas. Fartava-me
de andar à deriva, naquele tempo.
- O que andavas à procura?
- Nada. Vagueava, simplesmente. Gostava de vaguear.
- Andavas à procura de mulheres.
- Eu tinha uma mulher.
- Andavas à procura de mais mulheres. Não estavas satis-
feito só com uma. Querias mais.
- Por favor, dás licença que eu continue, sem estar sempre
a ser desviado por todos os pequenos...
- Claro. Continua. Só estou a tentar manter o controlo da
história. (...)"


" O Grande Sonho do Paraíso ", Sam Shepard

13 agosto, 2005

fantasia

A minha filhita, aos cinco anos, a ver um clássico de Walt Disney,
inspirado numa música de Moussorgsky:

- Ó pai, aqui não há bruxas nem maus, pois não?!
- Aqui, aonde?
- Aqui no Porto!...Não há bruxas, nem fantasmas...só ladrões!
- Não há bruxas, filha, em lado nenhum. Só nas histórias.
- Nas histórias e também nos desenhos animados. São tudo
histórias.
- Pois são, minha linda princesa, tudo são histórias...
- Pois...cheias de danças entre o bem e o mal.

The end.

12 agosto, 2005

" Os Homens-Fêmeos "

meus livros de férias, parte onze.

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" (...) Tom Zé: Eu sinto que, hoje em dia, até quando escrevo uma
certa finura também vem dessas coisas. É claro: tudo vem. E tem
o lado humorado, tem uma coisa na Bahia que é muito diferente,
que a gente nunca pode explicar. É que o homem é mais feminino
do que o homem do Sul. Isso é que é muito difícil de explicar.
A mulher tem mais participação. O mundo é mais matriarcal;
quer dizer, não é matriarcado, mas a mulher tem mais participa-
ção nas decisões e o homem é mais feminino. Essas duas coisas
mudam tudo na maneira de você ver o mundo.
Uma vez veio um rapaz aqui que entendia de astronomia. Ora, eu
quero saber aquele negócio e tal, como é, como não é, como foi
que Copérnico, que não sei quem, que Ptolomeu, que o outro e
tal, ele começou a rir de mim: ele foi o contrário, me esnobou, me
tratou como analfabeto. Esse modo de ver cultura é muito dife-
rente na Bahia, com essa feminilidade. As coisas que são experiên-
cias da mulher o homem aprende e usa. O homem no interior da
Bahia fala mais fino. Lembra dos personagens da Máfia? - que é
também uma espécie de interior da Bahia, a Sicília. O autor botou
todos falando fino. Lembra do primeiro Corleone, do segundo, só
o mais novo é que falava normal. Os dois falavam fino que era
uma vergonha para um homão, não é?
No Nordeste tem isso: o homem era mais feminino, mais gracioso.
Eu cresci vendo o homem mais gracioso. Por exemplo: Caymmi,
1949, Alto da Graça e Glória da Bahia, num espetáculo de rua.
Aquela escola de samba, quem fundou a escola de samba foi Rui,
como é o nome dele? Era o meu professor de inglês, essa criatura,
que inventou a tal de Alto da Graça na Bahia, que era um desfile
no meio da rua, com toda a história da Bahia. Carnaval dito e feito,
em 1949, que ainda não existia.
Muito bem. Quando isso foi para o teatro...Ah, passei seis horas
naquela escola normal, numa cadeira dura, com uma roupa de
couro. Dormia e acordava e aquilo não acabava; mas uma hora
entrou Caymmi para cantar. Ora, lá em casa os comunistas já
ouviam Caymmi. Tinha coleções de discos, aquilo tudo eu já ou-
via. Então, entrou Caymmi, fiquei admirado com o tamanho
daquele homem. Que homem enorme!
Quando ele começou a cantar, que vozeirão! Aí de repente ele fez
assim - isso que Caetano gosta de fazer com os olhos [mexer de
um lado para outro]. Eu falei: "Que negócio mais feminino." Aí
achei a minha Bahia, achei a minha cidade, as coisas do homem
do interior. Ele sentado na cadeira fez esse negócio -eu não sei
fazer, Caetano sabe. Aí vi que ele tinha coisas bem femininas,
o Caymmi. Depois, o pintor argentino me levou e... - espera aí
que eu lembro o nome dele...
Arthur Nestrovsky: Caribé?
Tom Zé: Caribé me apresentou a ele, nós caminhamos, eu era
muito envergonhado.O Caetano não, quando o Caymmi veio
aqui, que nós estávamos ensaiando Arena Canta Bahia
[em 1965]..."Caymmi está lá embaixo!" - Caetano, Gil, todo
mundo desceu. "Olá Caymmi" e tal, foram falar com ele. E eu ali
num canto, morrendo de vergonha. Como é que se fala assim com
uma pessoa que não se conhece? Você vê como é engraçado,
sempre foi assim o pessoal do Tropicalismo; eu, muito acanhado.
O Caribé também era muito baiano, e eles brincando com
aquelas coisas femininas, aquelas gracinhas. O homem baiano é
muito feminino e isso de alguma maneira aumenta o leque do
olho. Fica mais observador. (...)"


" Tropicalista Lenta Luta ", Tom Zé

11 agosto, 2005

Muro de Berlim

meus livros de férias, parte dez *

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Berlim, Agosto 1990 (photo de h.)


"(...) Depois, além disso, ela sabe toda a espécie de coisas políticas,
como por exemplo que a Rússia já não é a Rússia e a queda do
Muro de Berlim, e eu pergunto-lhe como é que ela sabe dessas
coisas e ela diz que é porque estava lá. "Sim, está bem", digo eu, e
ela diz "Sim, posso provar", e sobe as escadas a correr até ao
quarto e volta com um pedaço de cimento pintado mais ou menos
do tamanho de um cheeseburguer e coloca-o sobre a bancada da
cozinha mesmo diante de mim e do meu pai. "O que é isso?", per-
gunto eu, e ela diz: "Isso é um pedaço do Muro de Berlim."
"Pois é!", diz o meu pai, e fica muito excitado com aquilo."
"É precisamente o que isso é! Não é incrível?" Pega nele e dá-lhe
voltas, sentindo-lhe o peso como se ele tivesse vindo de outro
planeta ou coisa de género. "Quando é que foste ao Muro de
Berlim, querida?" A minha irmã olha para ele, estupefacta.
" Não te lembras?", diz a minha irmã. "Fui com a mãe e a
tia Amy."
"Não me lembro disso", diz o meu pai. "Que idade tinhas?"
Não se lembra de nada. Como se estivesse a perder a memória.
Como é possível que não se lembre de uma coisa destas? Que a
sua própria filha tenha ido ao Muro de Berlim. Ele não é assim
tão velho para estar a perder a memória, mas está.
"Onde estava eu?", diz o meu pai.
"Deves ter ficado em casa", diz a minha irmã.
"Pois devo", diz ele.
Pergunto à minha irmã como é que ela arranjou um peda-
ço do Muro de Berlim e ela diz que atravessavam Berlim na al-
tura em que eles estavam a deitar o muro abaixo e que os tra-
balhadores ofereciam pedaços, tendo-os passado através das
janelas do carro. Diz que parecia uma festa. Ela tinha três anos
e aquelas mãos grandes de homens cabeludos entravam pelas
janelas dando-lhes pedaços de pedra e cimento como se fosse
bolo, e ela não fazia ideia do que estava a acontecer. Olho fixa-
mente para o pedaço de cimento que está sobre a bancada da
cozinha. Um dos lados é liso e plano e está pintado em cor de
turquesa e púrpura, com uma ténue risca amarela que o atra-
vessa ao meio - parece tinta de spray, talvez um grafito. O
outro lado está partido e é áspero, e podem ver-se os frag-
mentos das coisas com que o cimento foi feito: pequenas
pedras lisas que têm o aspecto de ter vindo de algures nas
profundezas de um bosque e cascalho afiado, misturados com
este cimento calcário que não se parece nada com o america-
no, e depois estas pequeninas partículas brilhantes. Quando
se passa o dedo ao longo do rebordo, produz-se um som que é
mais de vidro do que de pedra. A minha irmã oferece-se para
me deixar levar o pedaço do Muro de Berlim para a escola e
mostrá-lo a todos na minha turma, o que vindo dela é uma
oferta muito generosa, acho eu. Depois o meu pai pega no pe-
sado pedaço do Muro de Berlim e mete-o numa bolsa de plás-
tico hermética de congelador, e quando lhe pergunto porque é
que está a fazer aquilo ele diz que assim não se perde. Diz que
é muito importante que ele não se perca nem seja roubado,
porque é um verdadeiro pedaço vivo da história moderna. O
que é que isso lhe importa? Ele nem sequer tem a certeza se
era vivo nessa altura e agora diz que este pedaço de cimento
está vivo. Não faz sentido nenhum. Tira de uma gaveta um
grande rolo de fita de canalizador e corta um pedaço com os
dentes. Cola a tira de fita na bolsa de plástico, e depois pega
num marcador preto Magic Marquer e escreve "PEDAÇO
DO MURO DE BERLIM", como se fosse uma espécie de ró-
tulo de museu ou coisa do género. "Aí está", diz ele, "isso de-
ve bastar." É completamente doido. (...)"

Do livro de histórias de Sam Shepard, " O Grande Sonho do Paraíso "



* Alguns meses após a queda do Muro de Berlim, o livre
comércio aí estava em força na cidade antes cindida.
Desde os famosos Trabants até aos uniformes e demais
bugigangas militares do antigo paraíso comunista, tudo se
mercandeava. Uma festa em que todos pareciam ganhar.
O tipo da esquerda, na foto, em tronco nu por causa do calor
inclemente de Agosto, alugava aos turistas um cinzel e um
martelo, não me recordo já por quantos marcos, para quem
quisesse levar o seu pedacito de muro de recordação, ainda
por cima obtido pelas próprias mãos, pelo próprio suado
esforço.
E quem logo compraria isso?
Claro que os americanos.
E com foto e tudo. Para servir de prova.




10 agosto, 2005

meu amor, meu avião

Para a Paula, que tem a sorte de poder festejar duas vezes
por ano o seu aniversário...

Meu amor. Minha mulher. Minha sorte.
Companheira dos meus tempos mais belos.
O desejo puro. A carne jubilada. Nossas filhas.
Companheira também nos tempos mais duros.
Nos silêncios magoados. Nas secretas dores.
Que o amor é muitas vezes um sítio difícil,
um lugar estranho.
Que o amor é um esforço muito grande.
Que só assim se cimenta, assim sedimenta.
Que assim floresce. Frutifica.

Meu amor, aqui te beijo.
Anjo que me ajudaste a fintar a morte.
Meu porto seguro.

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© Brasil, 1995

09 agosto, 2005

velvet & iron-mould

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© Porto 2005

08 agosto, 2005

Fixe, papá!

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- Filhinha, dás-me esse peixe que desenhaste?
- Pra quê pai?
- É para a minha colecção de peixinhos exóticos...
- PEIXINHOS PERIGOSOS??!!
- Não, não! Peixinhos bonitos, muito coloridos.
- Estava a ver que também querias tubarões...era melhor ires
buscar as fotos do oceanário.
- Não, tubarões não, mas por exemplo, peixes-balões!
- Isso só no Nemo...mas afinal onde está a tua colecção de
peixes-disparates?
- No meu aquário imaginário...
- AQUÁRIO IMAGINÁRIO??!! Tens cada uma, papá, eu só
conheço amigos imaginários.
- E é o meu amigo imaginário...é o meu computador...
- E os peixes nadam aonde?
- No azul-piscina do écran...
- E quantos já tens lá?
- Pouquinhos...por isso queria o teu para lhes fazer companhia.
- Tá bem tá, papá! Se calhar tens lá mas é o Nemo e o Bolhas!
- Nada disso. Um chama-se peixe-sintra, nasceu num museu mas
não havia lá ninguém para cuidar dele e eu trouxe-o comigo. É
um peixe mágico, mas muito sossegadinho porque já é um pouco
velhote...O outro é um peixe-canga...as ondas da maré vazante
esqueceram-se dele, e ficou a morrer aos pouquinhos na areia...
mas depois eu salvei-o das patas malandras de um caranguejo
com o teu baldinho de praia...Mas é um peixe muito envergonha-
dinho, coitado, nunca quer que lhe vejam a cara, acho que por
causa das cicatrizes da luta com o caranguejolas...
- Ó pai, acho mas é que estás a inventar! O que é que lhes dás de
comer, por exemplo?
- Palavras, cores, ideias malucas...
- Isso não é comida não é nada, papá.
- É comida dadá.
- Tu é que és "dah!" papá!
- Eles não precisam de comer, porque nadam entre as compotas...
- Entre as comportas?
- Sim, quando o computador abre a imaginação, eles nadam muito
deliciados entre as compotas. Quase como fazias tu, quando esta-
vas na barriguita da tua mãe.
- Na barriga da minha mamã não havia compotas nenhumas...
- Havia sim...era um mar muito rico em alimentos...uma espécie
de oceano imaginário...maravilhoso...
- Pra ti tudo é imaginário!
- Tu ainda não sabes como é bom saber imaginar coisas e escre-
vê-las depois na nossa língua...
- És um mentiroso, paizinho! Tens a língua de castigo às cambalhotas!
- Não tenho nada.
- Quem nada é peixe, papá!!

07 agosto, 2005

Nada dadá

Nada
um peixe entre as compotas
um feixe de mil e uma rotas
deixa-me a língua errada
às cambalhotas

06 agosto, 2005

tempo para brincar

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05 agosto, 2005

homeless, loneliness or happiness?

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© Lisboa, Julho 2005

04 agosto, 2005

estado d'alma

guardo minha vida em mil gavetas que se perdem.
afogo minhas penas em desertos que só me fogem.
afago o texto vadio em versos que me não pedem.
apago as palavras vãs nascidas desta vil vertigem.
ganho a minha vida não ganhando para a viagem.
gozo os dias atado nestes medos que me prendem.

03 agosto, 2005

(a)round shapes

meus livros de férias, parte nove.
(está quase a acabar a série, prometo.)

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"(...) A verdade é que me excitava olhar-te enquanto julgavas
que eu escrevia e que a comoção de te ter ali quieta me impe-
lia a espalhar sentimentos pelas folhas de papel. Uma vez,
lembro-me bem, escrevi que

Belo não é o seio que se exibe, nua e gratuitamente, ao olhar
voraz, mas o que se insinua, altivo e erecto, no recato de um
decote, à minha mirada furtiva de um voyeur apaixonado

Mais ou menos assim. Reescrevi várias vezes isto, que
não chega a ser um poema, nem um naco de prosa, mas fui
perdendo as folhas, uma atrás da outra, até ficar só com a
lembrança da canção que podia ter chegado a ser. Nunca to
disse, claro, por não querer que o facto de te saberes obser-
vada te acanhasse ou subtraísse naturalidade aos teus gestos,
à postura do teu corpo, ao sábio cruzar das pernas, à doce e
subtil inclinação do teu pescoço. Queria poder ver-te sem que
me visses, olhar-te sem que desconfiasses, pesar os volumes
do teu corpo sem ter de macular-te a pele com o toque das
minhas mãos. Saber, enfim, de ti como os estudiosos de cer-
tas espécies que vão para as savanas mirar de longe os ani-
mais selvagens, sem serem vistos, ou escutados ou pressen-
tidos, por só assim ser possível conhecer realmente, sem in-
fluir na vida quotidiana do ser que se quer compreender. (...)"


"O amor é para os parvos", Manuel Jorge Marmelo

02 agosto, 2005

Poema-Expresso

a eterna heresia:

nenhum futuro para ti.
(nem pecado nem culpa)


cavalgada louca
sobre jardins de cristal.
viagem entre viagens,
comboio fantasma
a bordo de todos
os meus medos.
poética circular.
minha partida alegria.
minha dor sem frio.
circular no poema.
circo no ar como lema.
música que arde
depois do fim.
sonho arqueo
lógico do futuro.
banda sonora de mim.

01 agosto, 2005

sombra suicida

meus livros de férias, parte oito.


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" ela quis
queria me matar
quererá ainda, querida? "


do livro " A Teus Pés " de Ana Cristina César