" Os Homens-Fêmeos "
meus livros de férias, parte onze.
© 2005
" (...) Tom Zé: Eu sinto que, hoje em dia, até quando escrevo uma
certa finura também vem dessas coisas. É claro: tudo vem. E tem
o lado humorado, tem uma coisa na Bahia que é muito diferente,
que a gente nunca pode explicar. É que o homem é mais feminino
do que o homem do Sul. Isso é que é muito difícil de explicar.
A mulher tem mais participação. O mundo é mais matriarcal;
quer dizer, não é matriarcado, mas a mulher tem mais participa-
ção nas decisões e o homem é mais feminino. Essas duas coisas
mudam tudo na maneira de você ver o mundo.
Uma vez veio um rapaz aqui que entendia de astronomia. Ora, eu
quero saber aquele negócio e tal, como é, como não é, como foi
que Copérnico, que não sei quem, que Ptolomeu, que o outro e
tal, ele começou a rir de mim: ele foi o contrário, me esnobou, me
tratou como analfabeto. Esse modo de ver cultura é muito dife-
rente na Bahia, com essa feminilidade. As coisas que são experiên-
cias da mulher o homem aprende e usa. O homem no interior da
Bahia fala mais fino. Lembra dos personagens da Máfia? - que é
também uma espécie de interior da Bahia, a Sicília. O autor botou
todos falando fino. Lembra do primeiro Corleone, do segundo, só
o mais novo é que falava normal. Os dois falavam fino que era
uma vergonha para um homão, não é?
No Nordeste tem isso: o homem era mais feminino, mais gracioso.
Eu cresci vendo o homem mais gracioso. Por exemplo: Caymmi,
1949, Alto da Graça e Glória da Bahia, num espetáculo de rua.
Aquela escola de samba, quem fundou a escola de samba foi Rui,
como é o nome dele? Era o meu professor de inglês, essa criatura,
que inventou a tal de Alto da Graça na Bahia, que era um desfile
no meio da rua, com toda a história da Bahia. Carnaval dito e feito,
em 1949, que ainda não existia.
Muito bem. Quando isso foi para o teatro...Ah, passei seis horas
naquela escola normal, numa cadeira dura, com uma roupa de
couro. Dormia e acordava e aquilo não acabava; mas uma hora
entrou Caymmi para cantar. Ora, lá em casa os comunistas já
ouviam Caymmi. Tinha coleções de discos, aquilo tudo eu já ou-
via. Então, entrou Caymmi, fiquei admirado com o tamanho
daquele homem. Que homem enorme!
Quando ele começou a cantar, que vozeirão! Aí de repente ele fez
assim - isso que Caetano gosta de fazer com os olhos [mexer de
um lado para outro]. Eu falei: "Que negócio mais feminino." Aí
achei a minha Bahia, achei a minha cidade, as coisas do homem
do interior. Ele sentado na cadeira fez esse negócio -eu não sei
fazer, Caetano sabe. Aí vi que ele tinha coisas bem femininas,
o Caymmi. Depois, o pintor argentino me levou e... - espera aí
que eu lembro o nome dele...
Arthur Nestrovsky: Caribé?
Tom Zé: Caribé me apresentou a ele, nós caminhamos, eu era
muito envergonhado.O Caetano não, quando o Caymmi veio
aqui, que nós estávamos ensaiando Arena Canta Bahia
[em 1965]..."Caymmi está lá embaixo!" - Caetano, Gil, todo
mundo desceu. "Olá Caymmi" e tal, foram falar com ele. E eu ali
num canto, morrendo de vergonha. Como é que se fala assim com
uma pessoa que não se conhece? Você vê como é engraçado,
sempre foi assim o pessoal do Tropicalismo; eu, muito acanhado.
O Caribé também era muito baiano, e eles brincando com
aquelas coisas femininas, aquelas gracinhas. O homem baiano é
muito feminino e isso de alguma maneira aumenta o leque do
olho. Fica mais observador. (...)"
" Tropicalista Lenta Luta ", Tom Zé
© 2005
" (...) Tom Zé: Eu sinto que, hoje em dia, até quando escrevo uma
certa finura também vem dessas coisas. É claro: tudo vem. E tem
o lado humorado, tem uma coisa na Bahia que é muito diferente,
que a gente nunca pode explicar. É que o homem é mais feminino
do que o homem do Sul. Isso é que é muito difícil de explicar.
A mulher tem mais participação. O mundo é mais matriarcal;
quer dizer, não é matriarcado, mas a mulher tem mais participa-
ção nas decisões e o homem é mais feminino. Essas duas coisas
mudam tudo na maneira de você ver o mundo.
Uma vez veio um rapaz aqui que entendia de astronomia. Ora, eu
quero saber aquele negócio e tal, como é, como não é, como foi
que Copérnico, que não sei quem, que Ptolomeu, que o outro e
tal, ele começou a rir de mim: ele foi o contrário, me esnobou, me
tratou como analfabeto. Esse modo de ver cultura é muito dife-
rente na Bahia, com essa feminilidade. As coisas que são experiên-
cias da mulher o homem aprende e usa. O homem no interior da
Bahia fala mais fino. Lembra dos personagens da Máfia? - que é
também uma espécie de interior da Bahia, a Sicília. O autor botou
todos falando fino. Lembra do primeiro Corleone, do segundo, só
o mais novo é que falava normal. Os dois falavam fino que era
uma vergonha para um homão, não é?
No Nordeste tem isso: o homem era mais feminino, mais gracioso.
Eu cresci vendo o homem mais gracioso. Por exemplo: Caymmi,
1949, Alto da Graça e Glória da Bahia, num espetáculo de rua.
Aquela escola de samba, quem fundou a escola de samba foi Rui,
como é o nome dele? Era o meu professor de inglês, essa criatura,
que inventou a tal de Alto da Graça na Bahia, que era um desfile
no meio da rua, com toda a história da Bahia. Carnaval dito e feito,
em 1949, que ainda não existia.
Muito bem. Quando isso foi para o teatro...Ah, passei seis horas
naquela escola normal, numa cadeira dura, com uma roupa de
couro. Dormia e acordava e aquilo não acabava; mas uma hora
entrou Caymmi para cantar. Ora, lá em casa os comunistas já
ouviam Caymmi. Tinha coleções de discos, aquilo tudo eu já ou-
via. Então, entrou Caymmi, fiquei admirado com o tamanho
daquele homem. Que homem enorme!
Quando ele começou a cantar, que vozeirão! Aí de repente ele fez
assim - isso que Caetano gosta de fazer com os olhos [mexer de
um lado para outro]. Eu falei: "Que negócio mais feminino." Aí
achei a minha Bahia, achei a minha cidade, as coisas do homem
do interior. Ele sentado na cadeira fez esse negócio -eu não sei
fazer, Caetano sabe. Aí vi que ele tinha coisas bem femininas,
o Caymmi. Depois, o pintor argentino me levou e... - espera aí
que eu lembro o nome dele...
Arthur Nestrovsky: Caribé?
Tom Zé: Caribé me apresentou a ele, nós caminhamos, eu era
muito envergonhado.O Caetano não, quando o Caymmi veio
aqui, que nós estávamos ensaiando Arena Canta Bahia
[em 1965]..."Caymmi está lá embaixo!" - Caetano, Gil, todo
mundo desceu. "Olá Caymmi" e tal, foram falar com ele. E eu ali
num canto, morrendo de vergonha. Como é que se fala assim com
uma pessoa que não se conhece? Você vê como é engraçado,
sempre foi assim o pessoal do Tropicalismo; eu, muito acanhado.
O Caribé também era muito baiano, e eles brincando com
aquelas coisas femininas, aquelas gracinhas. O homem baiano é
muito feminino e isso de alguma maneira aumenta o leque do
olho. Fica mais observador. (...)"
" Tropicalista Lenta Luta ", Tom Zé
1 Comentários:
pedce-se urgentemente um grafologista para a análise da assinatura do TOM ZÉ.
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