30 setembro, 2006

o bebé

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© 2004 ( dois dias de vida)


" A cria do ser humano: deve haver de facto qualquer coisa a pro-
curar, a comprender a esse respeito.
É uma experiência repetitiva e descosida, e quando o bebé dorme a

vida retoma o seu curso, mas quando está acordado é a vida dele que
domina.

Estranhos dias do início, dos quais eu pouco ouvira falar; talvez por-

que durante eles se estabelece uma intimidade exclusiva, o vínculo,
a asfixia, a vertigem - dias divididos aproximadamente em seis par-
tes, nem dia nem noite, uma ou duas horas para a mamada, a mudan-
ça de fraldas, o adormecer de novo, uma ou duas horas de sono, e
recomeça-se.
[(...)]

Não é que antes eu não gostasse de bebés; é que não existiam. Não
havia qualquer ligação, qualquer relação entre eles e eu própria.
Sim, queria ter um filho, um dia. A palavra «bebé», piegas e redun-

dante, feria de invalidade tudo o que referia; tratava-se aos meus
olhos de uma questão menor. (...)

Antes, os bebés eram sobretudo corpos, ruidosos, sujos, que se
babavam, raramente bonitos. Eu preferia os bebés dos animais:
gatinhos, leõezinhos, bicharoquinhos.
Quando o bebé nasceu, comuniquei esta minha preferência àquele

que, insolitamente, se transformara no pai do bebé. Ele discordou de
mim tão friamente que mudei imediatamente de opinião: agora, pre-
firo os bebés. (...)

O bebé tornou-me sentimental; entregou-me à sentimentalidade. Per-

gunto-me o que se poderá fazer com esse vocabulário envelhecido.

Dizer o não-dito: tal é o projecto da escrita. A meia distância entre

dizer e não dizer há o cliché, que enuncia, apesar da usura, uma par-
te de realidade. O bebé entrega-me a uma forma de amizade com os
lugares-comuns; torna-me curiosa a seu respeito, faz com que eu os
levante como se fossem pedras para ver, por baixo deles, o correr
das verdades. (...)

Os bebés dos outros não existiam, compreendo-o agora, porque o be-

bé só existe na comunidade íntima, na sua ligação connosco, os seus
pais.
Damos-lhes nomes em ponto pequeno, nomes privados, que nos en-

chem de júbilo quando os pronunciamos; cheios de consoantes duplas,
de rimas e de soluços, de sons molhados de leite.

Quando está acordado, alimentado, limpo, quando não lhe dói nada e

olha para nós, é já, ao fim de poucas semanas, uma criança. Mas
depois da mamada, tem o seu rosto de recém-nascido: esmagado e
avermelhado pelo seio, besuntado de baba e leite, com os cantos dos
lábios enrugados, olhos fechados como punhos. (...) "

MARIE DARRIEUSSECQ, "O Bebé", Edições Asa, 2003

Comecei este livro este verão e não o acabei ainda; na verdade, é
como se não me apetecesse terminá-lo, pois estou sempre a re-
gressar às suas páginas inaugurais, a tão justa literatura em tão
difícil assunto...
Voltarei aqui a ele.

29 setembro, 2006

então, let's party!

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© 2006


E assim vos apresento DJ CHIKE e a sua Rádio Mistério:

Aqui não haverá discos pedidos nem discos perdidos.
Aqui, rádio popular por princípio e excelência, tanto tocarão
músicas para sopeiras e taxistas como se tentará satisfazer
gostos mais eruditos ou esquisitos.
Aqui se cultivará a surpresa, o gosto pelo raro, sem fronteiras
de géneros ou estilos, sem renegar qualquer época ou cultura,
aqui se gozará a liberdade de não ter que seguir-se uma qual-
quer lista ou cartilha...
A Rádio Mistério não obedecerá a nenhum formato mas, fazen-
do jus ao nome, e por vontade explícita de querer aferir os co-
nhecimentos dos seus potenciais ouvintes e, ao mesmo tempo,
tentando provocar a sua curiosidade, não assinalará, à partida,
nem os títulos das músicas nem os seus autores ou intérpretes;
só alguns dias mais tarde o poderá fazer, conforme as solicitações
manifestadas pelos seus fiéis visitantes...


28 setembro, 2006

olhar mural

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© Porto, 2006

27 setembro, 2006

gaba-te cesto!

tenho a impressão que se eu tornar este espaço numa
espécie de rádio, vocês não vão querer sair daqui.

quem sabe se um dia não liberto meu coração muito pop...

meu súbito cansaço

leva-me, uma outra vez, às palavras de Régis Bonvicino,
meu bom vizinho nas horas aflitas. deixo aqui seu poema:

"ONDE"


Onde eu escrevo
há o ruído
do lixo da cidade depois
de recolhido
sendo triturado

há um abajur
uma cômoda
com espelho
e uma cama
desarrumada

o outono está próximo
a janela fechada

um cansaço súbito
toma conta das palavras.

26 setembro, 2006

vida de cão

Por cansaço, falta de tempo, e alguma raiva, não consigo resistir
a deixar aqui lavrado este relato nada literário, esta crónica
desinspirada deste vosso operário.
Perdoai. Ou passem à frente sem o ler, e esperai dias melhores.

Sexta-feira. À hora a que a cidade começava a engasgar-se em
hora de ponta, entrava eu ao serviço. Eran las cinco en punto
de la tarde, estava eu numa espécie de contramão à febril
atmosfera comunitária, em vésperas de um fim-de-semana.
Por volta das 21h30, sair para jantar, e de regresso à labuta um
quarto antes das 23. As mãos na massa até às duas e trinta da
matina. Lá vai o carro pela noite húmida e deserta, a pedir aos
céus para que todos os semáforos se abram miraculosamente no
verde, querer chegar o mais rápido possível, comer qualquer
coisa, depois ainda a higiene, o tempo às vezes corre veloz na
madrugada, ler qualquer coisa apesar do cansaço, a ver se o sono
vem, só apago a luz às quatro. Amanhã também é dia de trabalho.
Sábado. Acordo antes das onze. As crianças estão já acordadas.
Chove. Saio de novo para trabalhar. Pico o ponto (isto é figurati-
vo) ao meio-dia. Volto a sair, para almoçar, pouco depois das
duas. A mãe e a mais velha saem para curtir o sábado.
Levo a pequenita a casa do avô. Estou de regresso ao emprego
antes das cinco. Nova jornada até depois das nove.
Chego a casa tarde, a familia já jantada, a comida fria. Ainda não
foi hoje que ensinei a miúda a andar de bicicleta.
Volto à luta antes das onze. De lá sairei bem perto das três e meia
da noite. Em casa, ainda leio duas páginas d'uma rapariga no in-
verno. Esgotado rendo-me à evidência. Apago a luz.
Domingo. Volto a despertar antes das onze. As crianças alegram
a casa nas suas gritarias, apesar da manhã outra vez chuvosa.
Sinto o corpo pesado, o rosto cinzento, os olhos terrivelmente en-
covados, uma dor de cabeça a precisar rápido de um benuron.
Novamente a laborar do meio-dia até às duas e meia. Saio para
o almoço. Depois nova jornada de luta das quatro às nove e meia
da noite. O jantar fatalmente desacompanhado. Sem sabor. As
miúdas para a cama, sem tempo para a habitual história para
adormecer. Regresso, qual cão obediente, ao local de trabalho.
Duras horas me esperam. Inesperada jornada até às cinco e meio
da manhã. Já não tenho vida para isto. Trabalhar, comer, traba-
lhar, comer de novo, mal dormir, pouco mais me resta.
Contabilizo as horas. Foram num só dia cerca de 15 horas de tra-
balho. Cumprimentei três senhoras da segurança, em três turnos
diferentes, à porta da empresa.
Já em casa, o estômago a dilacerar de fome, desenrasco umas bo-
lachas e fruta para comer. Escrevo um recado, as palavras sarra-
biscadas a custo. Mas nem era preciso. Deito-me a passar das seis.
Não consigo adormecer. Pouco depois, às seis e meia, está a minha
mulher a levantar-se. A aurora anuncia-se quebrando em mil
barulhos o véu de silêncio que cobre a cidade e os seus corpos.
Durmo, assim, menos de duas horas. Ela liga a acordar-me, a vizi-
nha não pôde salvar a situação. Tenho mesmo de ser eu a levar as
meninas à escola.
É portanto, Segunda, folga já estragada. Depois de diversas tarefas
cumpridas, volto a deitar-me um pouco, perto das onze, até à hora
do almoço. O resto do dia como um alienado.
Vazio. Como que esvaído. Fodido.
À noite, fraco consolo de uma alma simples, dou um pulinho até à
fnac. Ouço algumas das novidades discográficas. Espero pelo últi-
mo aviso para ir pagar. Um disco, um livro, um filme.
"Good Bread Alley" de Carl Hancock Rux. "A Queda de Roma e o
Fim da Civilização" de Bryan Ward-Perkins. "Profissão: Repórter"
de Michelangelo Antonioni.
Que isso possa dizer algo melhor sobre mim.

( mas não me pergunteis o que faço, pois sempre direi que sou um
homem do lixo.)

25 setembro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #3

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© 2006 (brinquedo sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims)

24 setembro, 2006

sonegada solidão

sonhar nas tardes de sono
o sexo como um astro
abando
nado

as fissuras da pele
velha
de segredos

na falácia
de sonhos calorosos
desfalecer sob as mãos
e a voz lacónica de um anjo
cantante

23 setembro, 2006

verão em ruínas

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© Porto, Setembro, 2006

22 setembro, 2006

monumento mínimo

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Teatro Municipal de São Paulo, Brasil, 2005 (foto de Andrea CostaKazawa)


* Néle Azevedo, é uma artista plástica brasileira, que vive e
trabalha em São Paulo. Há quatro anos que realiza e desenvolve
este projeto de intervenção em espaços urbanos, a que deu o
nome de Monumento Mínimo. São inúmeras esculturas em
gelo colocadas a derreter em espaços públicos, onde atraem a
atenção de quem passa, provocando uma suspensão do seu tra-
jecto quotidiano. Numa acção de breves minutos, ela subverte os
cânones oficiais do registo da memória em monumentos públicos,
reduzindo o tamanho do monumento a pouco mais de vinte centí-
metros de altura, tornando-o móvel e fugaz e assim homenagean-
do homens comuns em vez de heróis ou dirigentes.

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Ópera de Paris, Junho 2005 (fotos de divulgação)

Nas intervenções realizadas até ao final de 2004, as esculturas
em gelo eram instaladas uma a uma, e a experiência era repetida
em diversos pontos de cada cidade visitada, além dos diversos
estados do Brasil, também em Cuba e no Japão.
Desde Abril de 2005, que a autora opta pela concentração de
um grande número de esculturas num só local. Uma espécie de
monumento colectivo que desaparece.
Essas intervenções aconteceram em São Paulo, na Praça da Sé,
com 290 esculturas; em Paris, nas escadarias do L' Opera e na
Mairie du 9émè, com 450 esculturas; novamente em São Paulo,
nas escadarias do Teatro Municipal, com 600 esculturas, e em
Junho deste ano, na praça central da cidade de Braunschweig,
na Alemanha.
A artista pretende, deste modo, apresentar uma leitura crítica
do monumento nas cidades contemporâneas, acompanhada de
acções que invertem os cânones oficiais do registo da memória
em monumentos públicos do mundo ocidental.
Como alternativa à solidez da pedra, oferece a fluidez do gelo,
numa clara troca de estabilidade por movimento, de peso por
leveza. Em vez de aprisionar a obra em locais fixos, empreende
uma deambulação por espaços públicos de diversas cidades e
países. No lugar da homenagem ao herói, ou à autoridade, antes
promove a celebração do homem comum.
Além de uma nova visão do monumento, propõe uma celebração
da memória que seja integrada a cada ambiente e efectivamente
compartilhada com o público. É por isso que documenta, em fotos
ou vídeo, os processo de derretimento e a interacção das pessoas
com a intervenção.
Na cidade do Porto, na instalação a realizar na Praça D. João, hoje
às cinco da tarde, esta artista diversas vezes premiada internacio-
nalmente, pretende ultrapassar o número habitual de esculturas,
contando para isso com a ajuda do público.
(* texto de divulgação do Festival Internacional de Marionetas do
Porto, mais ou menos por mim adaptado.)

Não faltar, portanto.
Todos a celebrar esse acontecimento público, esse efémero
monumento mínimo. E íntimo momento.
(A guardar no coração da memória.)

gritos da carne

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(foto de divulgação)


SANTIAGO YDÁÑEZ, Obra Recente

A partir deste fim-de-semana, estarão em exposição, na Galeria
Fernando Santos, tanto no Porto como em Lisboa, até finais de
Outubro, as obras mais recentes deste artista espanhol.
Não tenho a certeza se já alguma vez tive contacto com a sua
pintura, mas impressionou-me muito a força desta imagem.
Estes esgares encapsulados no tempo, estes gritos carnalmente
plasmados na tela, ao mesmo tempo vívidos e petrificados.
E seduzem-me locais de trabalho assim a descoberto. A lúcida luz,
reveladora, íntima, a imortalizar a oficina de trabalho.
Era mesmo ali que eu preferia ver estas obras.

cidades efémeras

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Cidades Efémeras, Fotografia e vídeo, de Sergio Belinchón

Para quem gosta de reflectir sobre as cidades, sobre os desme-
surados e solitários espaços das grandes metrópoles do nosso
tempo.
Também na Galeria Fernando Santos do Porto, passe a publici-
dade, a partir do próximo sábado e até 31 de outubro, esta expo-
sição do valenciano Sergio Belinchón.

21 setembro, 2006

a única que não viu o sol

- Minha senhora, ainda tem o sol?
- O sol já está esgotado, lamento menina. Desde bem manhã-
zinha que se acabou. E do expresso nem me fale!...
Pareceu-lhe que a velhota de olhos míopes e desgrenhados
cabelos, anunciava isso como se tal fosse o fim do mundo, como
se uma imensa e espessa noite tivesse caído desgraçadamente
sobre o mundo.
- Não faz mal nenhum... olhe, ainda bem, porque agora até já
são mais os jornais do que propriamente as notícias...
Não comprou nenhum jornal. Comprou cigarros. Saiu para uma
esplanada sobre o mar. Pediu um expresso. Pôs-se ao sol a curtir
os últimos calores do verão. Sobre a mesa, a caixa dos cigarros
gritava em tom ameaçador que fumar mata. Sentiu que, sub-
-repticiamente, todas as palavras carregam uma espécie de lou-
cura insana. Que bom seria desaprender a ler. Não podia ser,
desfrutar assim da vida não podia matar.
Jurou a si mesma que a partir dali não iria correr atrás de jornais,
não mais prestaria tanta atenção indevida às falsas notícias.
Nem por isso os dias lhe têm corrido menos luminosos.
Até o tal do furacão virou cão mansinho.

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #2

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© 2006 (brinquedos sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims")

20 setembro, 2006

linhas de cabotagem

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© 2006 (poema de Helena F. Monteiro)


dedicado ao Linha de Cabotagem, mar sereno onde se navega ao
sabor da poesia mais cristalina, entre textos do mais puro quilate,
onde a arte das palavras se cumpre no mais sublime dos voos, on-
de a linguagem da beleza se ergue sempre, alicerçada, porém, em
raízes bem fundas, bem cultivadas, sãs, sábias.

19 setembro, 2006

hoje acordei com ela assim, # 2

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Gabriela Schaaf (arquivo EMI-Valentim de Carvalho)

" Põe os teus braços à volta de mim
Leva-me a um cinema de sessões contínuas
Onde não haja princípio nem fim
Mas apenas nós

Põe os teus braços à volta de mim
Vamos provar a noite dessas avenidas
Onde não haja princípio nem fim
Mas apenas nós

Esta noite não é noite
Não é noite de dormir
Nem esta nem a que vem
Nem aquela que está pra vir
As nossas noites nunca serão noites
de dormir

Põe os teus braços à volta de mim
Não nos importa que falem os outros
Que somos loucos
Sem princípio nem fim
Já sabemos nós "

(António Pinho/Nuno Rodrigues)

18 setembro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #1

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© 2006 (livro "More Trouble" da fotógrafa Bettina Rheims sobre cama)

17 setembro, 2006

a cidade no aroma de um café

«Pai, a Torre dos Clérigos é mesmo a mais alta do país? Era
tão giro que se pudesse dançar lá...»

Ensinar-lhe a saborear a Baixa.
Entrar nos sítios com história.
As janelas enormes coavam a luz dourada do fim de tarde.
Alguns turistas consultando mapas, pequenas tertúlias de velhos,
os empregados de uniforme. Lá fora, o sossego de uma cidade
sem bulício, abúlica, como que esquecida do mundo, como que
renegando o seu próprio passado...
Chocolate quente e um bolo sublime.
Sobre a mesa, um poema impresso no toalhete de papel, cujo
autor não consegui descortinar, exaltando a beleza e a atmosfera
do Café Guarany.

"Tuas janelas são oculares
para uma cidade que não dorme,
uma linha que permite que eu e o Porto
coexistamos, numa cumplicidade eterna..."


Nos dentes do garfo, ínfimos vestígios do bolo, a prova que era
mesmo sublime.
Apesar de tudo, ensinar-lhe a gostar da cidade.

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© Porto, Setembro 2006

16 setembro, 2006

corrente de (olh)ar

"Locus Solus III", do português Pedro Morais, visível ainda nos
jardins de Serralves até 26 de Setembro, obra que é uma "pintu-
ra tridimensional" nas palavras do próprio autor. Um lugar soli-
tário,"um espaço de uma certa calma e silêncio, silêncio mesmo
da nossa mente, deste burburinho que nos percorre diariamente
e que nós nem nos damos conta dele. A primeira vez que me sen-
tei cinco minutos foi uma loucura - a nossa mente passa de um sí-
tio para o outro, uma coisa absolutamente louca e da qual nem
nos damos conta; estamos conscientes mas não temos essa cons-
ciência meditativa", explicou o artista a Óscar Faria (num artigo
publicado no Mil Folhas de ontem).

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© Porto, Junho 2006

15 setembro, 2006

a little spring in my happiness

Há dias assim. Rostos, gestos, palavras amáveis que nos enchem
a alma. Que me deixam semeado de silêncios. Que me deixam
frágil, inebriado de pequenas felicidades.
Há dias assim. Que embarcamos no sorriso dos amigos, e fugi-
mos para bem longe das quotidianas preocupações deste mundo
chão...

"Eis um bom dia para uma partida.
Dizer que amo sem amar, casamento sugerir sem me casar,
Sempre me pôs divertida.
A vítima já foi escolhida.
Com poucas palavras,
Pode-se mudar uma vida."

( do libreto de Paulo Tunhas para a ópera A little Madness in the Spring
de António Pinho Vargas)

Ontem a Casa foi mãe de todas as músicas. Da extremamente
erudita à intensamente popular.
Na sala Suggia, foi pompa, foi pompa! Na sala 2, foi festa, foi festa!
Mas em qualquer dos lados, quanto a mim, raramente se andou
perto da excelência. Fosse o Porto, porém, todas as noites assim.
A cidade estava salva.

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© Quinteto Violado ao vivo na Casa da Música, Porto, 2006

14 setembro, 2006

hoje acordei com ela assim, # 1*

"Love and Kisses"

pictures steal our memories
turn our minds to salt
history is written to say it wasn't our fault, wasn't our fault
send us all your love and kisses
come and join the dream that never ends
god will grant us all our wishes
martinis and bikinis for our friends

(canção do álbum "Martinis and Bikinis" de Sam Phillips, 1994)

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Sam Phillips, fotografada por Geof Kern

* Inicio assim esta série como que parafraseando e brincando
um pouco com os blogues que acordam todos os dias com
mulheres muito belas e universalmente adoradas. Aqui tentarei
mostrar outras mais desconhecidas, sobretudo as mulheres dos
meus discos. As mulheres que, de algum modo, vão verdadei-
ramente preenchendo os meus dias, povoando os meus sonhos.

13 setembro, 2006

short story

No princípio era apenas um verbo. Abundante.
Depois chegou a verbe. Torrencial.
Romance falhado.

12 setembro, 2006

a língua dos zés

zé-da-véstia - um gajo sem importância, que não tem sequer
peso social, um gajo que não conta para nenhum campeonato.
zé-de-quinca - literalmente, o olho-do-cu; ou, mais suave-
mente, o ânus.
zé-dos-anzóis - um qualquer fulano de quem não se conhece
o nome, ou a quem, intencionalmente, não se deseja nomear.
zé-dos-anzóis-carapuça - o autêntico joão-ninguém (quem
quiser que enfie a dita cuja).
zé-godes - um tipo pouco considerado, desprezível, por ser
tolo, inoportuno ou canalha, ou até simplesmente por ter mau
aspecto.
zé-goelas - o típico gajo que fala pelos cotovelos, ou grita como
o caraças.
zé-maria - o tuga estrela da televisão, de celebridade efémera;
sub-espécie em crescimento acelerado.
zé-ninguém - homenzinho sem importância, sem relevo.
zé-pereira - um zabumbeiro, enérgico tocador de tambores;
pode ser visto em quase todas as festas, feiras e inaugurações na
lusa pátria.
zé-piegas - indivíduo pateta, parvinho de todo.
zé-povinho - homem comum, o mais simples e rasteiro dos
mortais.
zé-povo- o mesmo que o gajo do povo, como se o povo fosse a
ralé.
zé-pregos - o macho da tartaruga-da-amazónia; mas quiçá,
também, qualquer pobre carpinteiro que ande por aí ao sabor
de biscates.
zé-prequeté - indivíduo sem valor, destituído de qualquer
poder económico, enfim, um miserável.
zé-quitolas - um inútil, um reles, a quem ninguém dá cavaco.

Nota: devo acrescentar que não inventei nenhum zé, cingi-me, uni-
camente, a recolher todos os que estão assinalados no grande
Houaiss, provavelmente o melhor dicionário da língua portuguesa.
Quanto às definições, aí sim, tomei todas as liberdades...

11 setembro, 2006

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Um número. O signo de uma tragédia. Essa espécie de holocausto
que não queríamos ter sentido em vida, que não queríamos que
tivesse acontecido nas nossas vidas. Esse buraco negro da história
contemporânea.
Essas imagens e sons dramáticos, para sempre inapagáveis, que
não posso saber ainda como se farão memória no corpo da minha
filha, ao tempo apenas com três anos...

Um número. Um símbolo. A imagem que sobrou. Um onze na
vertigem do vazio. Um onze infinitamente menos que zero.
A porta para um destino que não sabemos como será, que
desconhecemos por completo. O futuro... Esse tapete frágil,
espalhado à nossa frente, que muito vagamente iremos vislum-
brando e que percorreremos cheios de sangue, de nojo, de nó-
doas, de ódios... O futuro sem perfume, sem sabor, sem aromas
agradáveis, sem tão-pouco a aragem fresca de um dia simples.
Um número que parece encerrar um segredo maligno que
corromperá todas as humanas utopias. Que arruinará todas as
esperanças dos homens; toda a Esperança no Homem.

Um número que gravou na alma do mundo o medo.
Esse medo que é a luz sombria que iluminará, receio bem, o
século que temos em mãos.

Mas serei sempre americano. (E não apenas hoje, tão nefasta
data). É como se tivesse o dever, e o direito, de afirmar que foi
desse lado que também nasci, que também a esse lado eu per-
tenço. Que é desse lado que tenho que estar, de me colocar.
Que é nesse lado que eu vivo, que é também dessa matriz que
em parte me fiz ser pensante e me alimento (ah! os incontáveis
cineastas, poetas, pensadores, artistas plásticos, fotógrafos,
romancistas, actores, atletas, músicos, activistas...), eu que
nunca sequer pisei o solo desse vasto, diverso, mítico e admirável
Novo Mundo...

Não posso fugir a isso. A dizer isto. Mesmo sabendo que eles, os
homens ignaros que têm mandado na América, nunca poderão
ter o perdão do mundo, por terem sido os primeiros a usar o
poder maléfico da bomba atómica, a terem-se valido dela em tão
dantesca escala. (E tantos outros crimes, tantos outros!! Muitos
outros, eu sei, e faço por não esquecer.)

Foram os primeiros mas não serão porventura os últimos.
E o último que nos leve deste mundo p'ra melhor.
Hoje vou deitar-me assim. E acordarei assim.
(Desesperançado.)
(Americano.)

dogvida

Assombrosas semelhanças.

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10 setembro, 2006

movimento espiritual

"Quando uma criança se põe a desenhar, não tem a intenção
do grotesco, mas procura simplesmente transcrever aquilo que
vê. E como o seu olhar é directo, vê linhas que criam movimen-
to... A mim interessam-me as linhas que criam movimento
espiritual."

palavras da escritora americana Flannnery O'Connor


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© 2006 (desenho da minha filha de sete anos)

09 setembro, 2006

um rapaz no verão com uma rapariga no inverno

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© 2006

08 setembro, 2006

zéfiro

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(desenho de Carlos Zéfiro)


Aqui faço, assim, a minha homenagem a esse ilustrador auto-
didacta brasileiro, que durante décadas publicou sob anonimato,
depois da minha foto de há três dias atrás com o cd "Barulhinho
Bom" da Marisa Monte ter sido banida pelo Photobucket...

"Tempo, o Vento e a Ninfeta"
um texto de Key Imaguire Junior (arquitecto, escritor e estu-
dioso das histórias em quadradinhos)

"Conheci Carlos Zéfiro em 1992, na mostra curitibana da Bienal
Internacional de Quadrinhos. Nada a ver com a figura do
"velhinho safado" à Bukovski, nem com aqueles personagens do
Crumb - olhos arregalados, suando, lingua de fora, pant, droll,
com a passagem de uma guria de short e botas. Parecia mais um
burocrata de interior, daqueles que passou a vida sentado numa
escrivaninha, diante de uma Remington Rand preta, dactylogra-
phando infindáveis processos administrativos. Magrelo, óculos
fundo-de-garrafa, terno surrado - contava como produzia e dis-
tribuía seus disputados "catecismos" com um ar de garoto que
assaltou a despensa em busca de biscoitos - não o do Joãozinho
que espia as amigas da irmã no banheiro pelo buraco da fechadu-
ra. Apesar de sua produção se estender ao longo das décadas de
cinquenta e sessenta, a descoberta do Clark Kent do Carlos Zéfiro
era, então, coisa recente. As antologias do Otacílio d'Assunção e
Joaquim Marinho, ambas de 1983, ainda desconheciam o alter
ego Alcides Caminha. Causou preocupação, essa primeira expo-
sição zefiriana: antes de mais nada, a gente conhece os rela-
tivismos da democracia brasileira. Depois, muito próxima do
Pinocchio. E se, por exemplo, todas aquelas cenas explícitas, pro-
vocassem ereções em todas as versões do boneco de pau expos-
tas? Bem na hora em que estivesse passando uma turma de
criancinhas? Que fariam as professoras para conter o súbito
acesso de priapismo coletivo? Complicado. Felizmente, no labi-
rinto espacial que é o Centro de Criatividade da Fundação Cul-
tural de Curitiba, havia um tipo de "bunker" que pôde ser re-
servado para o autor. O próprio Ota montou a exposição, volta e
meia interrompendo o trabalho para uma corrida ao banheiro. O
valor dos quadrinhos de Zéfiro é relativo - está mais para os
lados do objeto de estudo. Tanto como autor como quanto dese-
nhista, não tem qualidades excepcionais - foi um naïf do erotismo
quadrinizado. Tinha uma certa habilidade manual - sem troca-
dilho - uma certa facilidade para o desenho, e usou isso para
ganhar dinheiro. Os eight pages americanos tãopouco eram obras
primas - sabe-se lá se ele viu algum e daí tirou a idéia. A produ-
ção americana era mais forçada no sentido caricatural - havia
deboche, talvez de cunho moralista, onde Zéfiro punha mesmo
era o seu tesão. O sexo explícito quadrinizado só irá adquirir fo-
ros de arte nos anos setenta, com a produção de Guido Crepax.
Não me encham o saco - é claro que não estou fazendo compa-
rações, apenas mencionando referenciais. Depois de algumas ho-
ras acompanhando os eventos inaugurais daquela Bienal, a maio-
ria dos quais acompanhando a "lenda viva", eu estava convencido
de que aquele respeitável senhor não era o Zéfiro coisa nenhuma
- mas alguém que, de olho em quinze minutos de celebridade, se
fazia passar por ele. Como uma velhinha assanhada que de re-
pente surgisse dizendo: - Olha, eu sou Betty Page, a modelo de-
saparecida na década de cinquenta... Mas foi aí que "ela" apare-
ceu. Franguinha proto-adolescente, lindona, num jeans stone
washed ao qual se poderiam aplicar algumas dezenas de adjeti-
vos sinônimos de espetacular, sensacional, extasiante - botinhas
de saltos altíssimos e uma blusa de alcinhas à qual, para ser sin-
cero, só consigo aplicar um adjetivo: inútil. Absolutamente inútil.
Ela passou por nós dois toda sorridente, irradiando charme, e
entrou no bunker onde estavam os vinte anos de sacanagem do
Zéfiro, como quem veio especialmente para essa finalidade. Ele
acompanhou-a com o olhar, sem perder nada do complexo ges-
tual de ondulações, meneios e trejeitos, por cima dos óculos. E
naquele olhar deu prá ver que quem estava ali era realmente o
Grande Patriarca da Pornografia Brasileira..."

07 setembro, 2006

sombras

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© Portugal dos Pequeninos, Coimbra, Julho 2005

06 setembro, 2006

a canção do vento

Nu,
no deslumbramento do sono
invento o nome do meu coração.
Invólucro outro, não
doce lar.

Este som da escrita,
veneno do desalento,
tremendo,
inelutável.

Como o turvo rumor
do mar.
Como o mar na canção
que traz o vento.

05 setembro, 2006

nu (infinito)


© 2006

04 setembro, 2006

quem vê caras também vê corações

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© Agosto 2006 (desenho da minha filha de 7 anos)

03 setembro, 2006

concludente som

"Conclusom: quando um gajo chega a belho é fodido."

(Palavras ouvidas uma destas abençoadas noites de verão, num
passeio junto ao mar, a um homem que aparentava estar na casa
dos cinquenta, e que o afirmava assim, com todos os sons à moda
do Porto, perante um amigo que devia andar pela mesma idade.
As respectivas mulheres também conversavam - que cumplicida-
des trocariam? -, uns cinco metros atrás deles. Uns bons cinco
metros.)

02 setembro, 2006

ser rápido e rapace

Rapaz, um poema de António Cícero

Hesitante entre o mar ou a mulher
a natureza o fez rapaz bonito,
rapaz:
pronto para amar e zarpar.

Também ao poeta apraz
o ser rápido e rapace.

01 setembro, 2006

o verão é um instante

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© 2006