(...) "O corso de carros abertos acabou na década de 40. Os
bondes, em cujos estribos os foliões se penduravam aos cachos,
foram desactivados nos anos 60. As marchinhas também foram
sumindo, sumindo e sumiram - há décadas que ninguém as com-
põe (se compõem, ninguém toma conhecimento e só se tocam as
marchinhas antigas). Os bailes dos clubes e hotéis continuam, mas
perderam em criatividade o que ganharam em espetacular grossu-
ra. Batalha de confete? Nem pensar - confete e serpentina ficaram
para as crianças e, mesmo assim, porque as mães as obrigam. O
próprio Rei Momo, recentemente, teve de emagrecer por ordem
do prefeito. E as fantasias tradicionais sumiram de cena - hoje, se
um pierrô e uma colombina forem vistos aos beijos numa rua do
Rio durante o Carnaval, pode apostar: são dois pierrôs. Mas o que
feriu mesmo o Carnaval, e há muito tempo, foi a revolução sexual.
Com toda a sua euforia transgressora, ele dependia de uma certa
inocência, o que haveria para transgredir? E inocência foi o que o
mundo mais perdeu a partir da década de 60. O Carnaval viu-se
subitamente dispensável como pretexto para a esbórnia [farra,
orgia*]. Suas grandes atracções, como os beijos roubados na mul-
tidão, a sensualidade suada nos salões e nas ruas, a comunhão de
mãos e carnes acima e abaixo do umbigo, as fantasias de árabe
sem cueca por baixo, os bailes que se prolongavam a dois ou a
quatro nos apartamentos - tudo isso era pinto [não oferecia gran-
de dificuldade*] comparado ao que a classe média passou a fazer,
sem problemas e sem culpas, durante todo o ano. A própria nudez
esvaziou-se. Quem queria saber de uma perna saindo de um sa-
rongue ou de um par de seios entrevisto de relance se tinha à vista
um milhão de biquínis nas praias num domingo de Verão? E o que
era a ousadia das garotas no baile do High Life diante da liberação
de uma geração inteira de moças? O Carnaval perdera o sentido.
Parecia o fim de uma longa e linda tradição do Rio.
E, então, enquanto os saudosistas olhavam para ontem e suspira-
vam, as escolas de samba tomaram conta do pedaço - e, a partir
de 1970, salvaram o Carnaval." (...)
(em "Rio de Janeiro - Carnaval no fogo" de RUY CASTRO)
(*conforme notas do editor)