Devo dizer-lhe que (dois pontos) gostei de ouvi-la por aqui. uma surpresa que povoa um pedacinho da minha memória, lá longe (ou talvez não tão longe, como se riu uma avó emprestada quando lhe disse que JÁ tinha a idade que tenho).
(a senhora minha mãe por causa deste post leu o seu blog. medooo (?) risos)
Tenho uma amiga de líquidos olhos azuis. Frágil. Delicada como uma rosa. Ela escreve poemas. Nesta última quarta-feira, fui ao lançamento de sua última obra, “O livro dos mistérios”. Ao contrário da dona, aparentemente uma avozinha tão tênue e doce, o livrinho tem força. Bem composto, fala grosso. Voz de trovão, vento, chuva inclinada, lágrima, voz de poeta. Ou seja, os poemas belos, tristes, profundamente vividos e sentidos, que seguem a ordem do rosário, revelam uma Dirce de Assis Cavalcanti bem mais forte do que a mera aparência.
Já na infância, Dirce tinha uma longa história. E não sabia. Foi saber no colégio, de forma cruel. Um dia falaram para ela: “Essa menina não presta. É como o pai, que matou Euclides da Cunha.” Sim, minha amiga é filha do jovem pelo qual se apaixonou Anna, a mulher de Euclides, dando início a uma tragédia brasileira que já virou livro e minissérie de TV. Em outras palavras, Dirce é filha do segundo casamento de Dilermando de Assis. E por isso tem uma sensibilidade à flor da pele, de poeta ou de quem sobrevive ao vendaval das tragédias. Ela entende de mistérios gozosos, mistérios dolorosos e mistérios gloriosos. Sabe das coisas, até mesmo que não sabemos de nada e que do mundo nada levamos. Talvez só algum gozo e muita dor.
Eis alguns versos de Dirce, retirados arbitrariamente de seus “Mistérios gozosos”, que merecem ser lidos por inteiro:
Folha Encarnada
Se vertical, erguida, É pluma, fenda, chaga, incrustada na borbulha do regato
Se flutua, à deriva, ou se repousa, no crespo escrínio de esmeralda, sanguínea jóia, Ofélia submersa, a folha, ali deitada, sorri, carnuda boca encarnada, em face verde-musgo-e-água.
Flor
Claridade úmida e sombra escura fava sem baga bainha aberta babado e prega pistilo vivo vulva oleoungida e ainda pétala mar ou deserto serpente e teia a gigantesca flor de O´Keefe sexiforme serpenteia
Está pronta a terra salgada e amarga de muito pranto o húmus grosso de suspiros no sopro de muitos ventos agora é só plantar a alegria.
Tristeza
Só a poesia pode mesmo plantar alegria num mundo onde se torturam, arrastam, presas na lataria de carros, e matam crianças, gratuitamente. Está difícil ler jornal, no Brasil e no Rio. Dá vontade de não ver, não ouvir, não falar. Gritar!
Um sincero obrigado, Moloi, por este teu comentário. Acredita que tenho pensado muito sobre o facto de estar a dedicar estes "post's" ao Carnaval carioca, com todas estas tragédias a infernizar ainda mais a vida no Rio. Só mesmo a leviandade da distância permitirá a um branquela europeu como eu, estar a exaltar as delícias e as virtudes do carnaval brasileiro...mas se há lição que retirei do livro do Ruy Castro (Carnaval em fogo já nem parece agora um título metafórico...) é que a cidade maravilhosa redobrou sempre a alegria com que festejou o Carnaval, sempre que no passado se abateu sobre ela qualquer desgraça ou cataclismo, e parece que foram alguns... Ainda bem que és tu a fazer este contraponto. Abraços
Acontece-me sempre que aqui venho... Não sou indiferente e tocam-me as cores, os sons, as palavras. Mas sinto-me incapaz de estabelecer um raciocínio claro para fazer um comentário específico. Mas hei-de cá voltar para o fazer, seguramente.
Entretanto, digo só que me tocam as cores, os sons, as palavras.
12 Comentários:
tocante.
É verdade, Helena. E é por isso mesmo que eu adoro esta música.
aviso que todos os calangos serão exterminados no dia em que Aliece publicar o décimo segundo capítulo de seu romance.
Devo dizer-lhe que (dois pontos) gostei de ouvi-la por aqui. uma surpresa que povoa um pedacinho da minha memória, lá longe (ou talvez não tão longe, como se riu uma avó emprestada quando lhe disse que JÁ tinha a idade que tenho).
(a senhora minha mãe por causa deste post leu o seu blog. medooo (?) risos)
beijos.
O pai — e os mistérios — de Dirce
Tenho uma amiga de líquidos olhos azuis. Frágil. Delicada como uma rosa. Ela escreve poemas. Nesta última quarta-feira, fui ao lançamento de sua última obra, “O livro dos mistérios”. Ao contrário da dona, aparentemente uma avozinha tão tênue e doce, o livrinho tem força. Bem composto, fala grosso. Voz de trovão, vento, chuva inclinada, lágrima, voz de poeta. Ou seja, os poemas belos, tristes, profundamente vividos e sentidos, que seguem a ordem do rosário, revelam uma Dirce de Assis Cavalcanti bem mais forte do que a mera aparência.
Já na infância, Dirce tinha uma longa história. E não sabia. Foi saber no colégio, de forma cruel. Um dia falaram para ela: “Essa menina não presta. É como o pai, que matou Euclides da Cunha.” Sim, minha amiga é filha do jovem pelo qual se apaixonou Anna, a mulher de Euclides, dando início a uma tragédia brasileira que já virou livro e minissérie de TV. Em outras palavras, Dirce é filha do segundo casamento de Dilermando de Assis. E por isso tem uma sensibilidade à flor da pele, de poeta ou de quem sobrevive ao vendaval das tragédias. Ela entende de mistérios gozosos, mistérios dolorosos e mistérios gloriosos. Sabe das coisas, até mesmo que não sabemos de nada e que do mundo nada levamos. Talvez só algum gozo e muita dor.
Eis alguns versos de Dirce, retirados arbitrariamente de seus “Mistérios gozosos”, que merecem ser lidos por inteiro:
Folha Encarnada
Se vertical, erguida,
É pluma, fenda, chaga,
incrustada na borbulha do regato
Se flutua, à deriva,
ou se repousa,
no crespo escrínio de esmeralda,
sanguínea jóia,
Ofélia submersa,
a folha, ali deitada,
sorri, carnuda boca encarnada,
em face verde-musgo-e-água.
Flor
Claridade úmida
e sombra escura
fava sem baga
bainha aberta
babado e prega
pistilo vivo
vulva oleoungida
e ainda pétala
mar ou deserto
serpente e teia
a gigantesca flor
de O´Keefe
sexiforme
serpenteia
Está pronta a terra
salgada e amarga
de muito pranto
o húmus grosso de suspiros
no sopro de muitos ventos
agora é só plantar a alegria.
Tristeza
Só a poesia pode mesmo plantar alegria num mundo onde se torturam, arrastam, presas na lataria de carros, e matam crianças, gratuitamente. Está difícil ler jornal, no Brasil e no Rio. Dá vontade de não ver, não ouvir, não falar. Gritar!
ceciliajunqueira@globo.com
Um sincero obrigado, Moloi, por este teu comentário. Acredita que tenho pensado muito sobre o facto de estar a dedicar estes "post's" ao Carnaval carioca, com todas estas tragédias a infernizar ainda mais a vida no Rio.
Só mesmo a leviandade da distância permitirá a um branquela europeu como eu, estar a exaltar as delícias e as virtudes do carnaval brasileiro...mas se há lição que retirei do livro do Ruy Castro (Carnaval em fogo já nem parece agora um título metafórico...) é que a cidade maravilhosa redobrou sempre a alegria com que festejou o Carnaval, sempre que no passado se abateu sobre ela qualquer desgraça ou cataclismo, e parece que foram alguns...
Ainda bem que és tu a fazer este contraponto.
Abraços
e agora és tu, querida [t], que me provocas um surpresa: que bom saber que a tua mãe veio por aqui!
quanto ao medo, também me rio...
;)
já ouvi a música algumas cinquenta vezes, francisco. é uma delícia. beijinho e bom fim de semana ;)*
(esqueci-me completamente do romance, calango, você pode viver muito tempo ainda antes que eu o termine. beijo e obrigada)
tem um violino à sua espera numa casa da música blogosféria... *
blogosfériCa *
já vi, já vi...acabei agorinha mesmo de vir de lá...
inchadinho de alegria...
;)
obrigado, Alice.
e um bom Carnaval.
Acontece-me sempre que aqui venho... Não sou indiferente e tocam-me as cores, os sons, as palavras. Mas sinto-me incapaz de estabelecer um raciocínio claro para fazer um comentário específico.
Mas hei-de cá voltar para o fazer, seguramente.
Entretanto, digo só que me tocam as cores, os sons, as palavras.
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