31 maio, 2008
30 maio, 2008
espera do elevador
Ao entrar no prédio onde trabalho, numa destas pluviosas
manhãs de Maio, tossico um pouco esforçado «bom-dia»,
como que a volatilizar-se entredentes. O segurança atrás do
balcão corresponde ao cumprimento, mas sem tirar o olhar do
jornal aberto nas páginas de necrologia. Chamo o elevador.
Espero. «Esperar e levar a dor». Trocadilhos mentais. Nenhum
pensamento elevado. O corpo já cansado, vazio.
Não tenho muita vontade de falar e isso parece criar, como
habitualmente, uma espécie de agitado silêncio. Ele, de forma
resoluta, resolve então quebrar o embaraço ao mesmo tempo
que folheia o jornal, inclinando-o um pouco para eu poder ver
as fotos tipo passe que jazem nas funestas páginas, dispara:
«Mais uns que deixaram de poder fumar.»
O elevador enfim no rés-do-chão. Abro a porta, mas não consigo
dizer nada, não me ocorre dizer o quer que seja, nada assim tão
espontaneamente absurdo. Ele, os seus olhos por detrás dos
óculos algo desconcertados, acusando a lâmina da minha súbita
mudez, prossegue em jeito de lapidar conclusão: «Então, não é?!
Nós estamos aqui a olhar para eles, mas eles já nem sequer
podem espreitar para o lado de cá.»
Creio ter balbuciado umas quaisquer esganadas e desinspiradas
palavras, qualquer coisa baça como «Desse ponto de vista...»,
enquanto a porta do elevador justamente se fechava pondo ponto
final à coisa. A esta coisa.
manhãs de Maio, tossico um pouco esforçado «bom-dia»,
como que a volatilizar-se entredentes. O segurança atrás do
balcão corresponde ao cumprimento, mas sem tirar o olhar do
jornal aberto nas páginas de necrologia. Chamo o elevador.
Espero. «Esperar e levar a dor». Trocadilhos mentais. Nenhum
pensamento elevado. O corpo já cansado, vazio.
Não tenho muita vontade de falar e isso parece criar, como
habitualmente, uma espécie de agitado silêncio. Ele, de forma
resoluta, resolve então quebrar o embaraço ao mesmo tempo
que folheia o jornal, inclinando-o um pouco para eu poder ver
as fotos tipo passe que jazem nas funestas páginas, dispara:
«Mais uns que deixaram de poder fumar.»
O elevador enfim no rés-do-chão. Abro a porta, mas não consigo
dizer nada, não me ocorre dizer o quer que seja, nada assim tão
espontaneamente absurdo. Ele, os seus olhos por detrás dos
óculos algo desconcertados, acusando a lâmina da minha súbita
mudez, prossegue em jeito de lapidar conclusão: «Então, não é?!
Nós estamos aqui a olhar para eles, mas eles já nem sequer
podem espreitar para o lado de cá.»
Creio ter balbuciado umas quaisquer esganadas e desinspiradas
palavras, qualquer coisa baça como «Desse ponto de vista...»,
enquanto a porta do elevador justamente se fechava pondo ponto
final à coisa. A esta coisa.
29 maio, 2008
kora power
© Porto, 28 maio 2008
Não fora ter comprado há mais de um mês o bilhete para a
Casa da Música e nestes últimos dias teria andado muito
dividido... Teria sido muito difícil escolher entre as miracu-
losas Mandé variations e as viciosas versões da Cat...
Nas últimas das horas mais últimas, seria ainda mais doloroso
decidir-me entre as belas e extraordinárias melodias do Mali
e a beleza apaziguada da menina de Memphis...
Hoje a sala Suggia estava quase cheia, bem composta, uma
plateia bonita e reverente. Um feliz espectáculo. Tenho a
impressão que Toumani Diabaté não esquecerá o Porto, apesar
dos dias cinzentos e das chuvas infindáveis...
E como estaria o Coliseu? Casa mesmo cheia? Toda a gente
dela enamorada?
Espero bem que a sensual Miss Marshall tenha levado boas
memórias da cidade e do país, pois vou ficar agora a torcer para
que em breve ela queira e possa cá voltar.
28 maio, 2008
Homem de letras, de Henri Michaux
Só,
Só,
Ser o seu próprio pão,
E apesar disso ser celeiro, diz ele,
A estoirar pelas costuras todas.
Em blocos, em lâminas, em jactos e em cristal,
Mas por trás do muro das suas palavras,
É um grande surdo.
Só,
Ser o seu próprio pão,
E apesar disso ser celeiro, diz ele,
A estoirar pelas costuras todas.
Em blocos, em lâminas, em jactos e em cristal,
Mas por trás do muro das suas palavras,
É um grande surdo.
27 maio, 2008
malícia do tempo
ao correr do tempo
tudo se ganha e tudo se perde
o nada em nada se transforma
ao morrer o corpo
tudo se lembra e tudo se mede
o nada do nada toma a forma
ao correr do vento
tudo se sonha e tudo é breve
dos nados nadas o pó da soma
no sabor do logro
todo o narciso à nora se deteve
como amor no reverso de roma
no saber do tempo
todo o amor foi apenas sede
o vão deus no céu como norma
ao morrer num sopro
tudo se leva e tão pouco se pede
o nada é chão a qualquer a hora
ao morrer o tempo
tudo se eleva na voz que escreve
o absoluto zero da alma nómada
tudo se ganha e tudo se perde
o nada em nada se transforma
ao morrer o corpo
tudo se lembra e tudo se mede
o nada do nada toma a forma
ao correr do vento
tudo se sonha e tudo é breve
dos nados nadas o pó da soma
no sabor do logro
todo o narciso à nora se deteve
como amor no reverso de roma
no saber do tempo
todo o amor foi apenas sede
o vão deus no céu como norma
ao morrer num sopro
tudo se leva e tão pouco se pede
o nada é chão a qualquer a hora
ao morrer o tempo
tudo se eleva na voz que escreve
o absoluto zero da alma nómada
26 maio, 2008
25 maio, 2008
inquinados domingos que sempre me inquietam
e este poema, sem título, de "A Cal dos Muros"
de António Dacosta
Neste domingo de álbum
Tudo é colecção
Estética do mesmo
Espelho de outros
Repetição
24 maio, 2008
23 maio, 2008
a luz destas trevas
aqui deixo mais duas mónadas do seminal "ofício de trevas 5"
de Camilo José Cela
827 não, nega-te a formar no batalhão de marionetas
consentidoras e sorridentes recorda-te de que as sobras
do quartel a sopa tola do convento já não se reparte pelos
mendigos antes se leiloa entre os turistas e a facção do
corpo eleitoral que melhor e com mais disciplina sabe
vitoriar o déspota é mais útil aos públicos efeitos à boa
ordem política da república e todos devemos inclinar a
cabeça submissamente perante a razão de estado o ideal
seria que nos pusessem a todos um uniforme ou pelo
menos um emblema para luzir na lapela
828 o homem não é um animal de quatro estômagos e
tem de suprir com zelo e com alegria a sua falta de capaci-
dade ruminante a disciplinada idiotia é o barro propício à
grandeza dos estados
de Camilo José Cela
827 não, nega-te a formar no batalhão de marionetas
consentidoras e sorridentes recorda-te de que as sobras
do quartel a sopa tola do convento já não se reparte pelos
mendigos antes se leiloa entre os turistas e a facção do
corpo eleitoral que melhor e com mais disciplina sabe
vitoriar o déspota é mais útil aos públicos efeitos à boa
ordem política da república e todos devemos inclinar a
cabeça submissamente perante a razão de estado o ideal
seria que nos pusessem a todos um uniforme ou pelo
menos um emblema para luzir na lapela
828 o homem não é um animal de quatro estômagos e
tem de suprir com zelo e com alegria a sua falta de capaci-
dade ruminante a disciplinada idiotia é o barro propício à
grandeza dos estados
21 maio, 2008
photo grafias de budapeste
para helena *
© 2008
Os monumentos de Budapeste e as suas animadas ruas são
o bem que me fez uma rapariga de olhos vivos e meigos.
Às vezes, lembro-me de Budapeste a propósito de insólitos
pormenores ou de algumas imagens. Uma mulher louca a
bailar no meio de uma praça muito bela, sid vicious escrito
sobre mármores imemoriais, um bife com molho paprika e
violinos dolentes, o anjo gabriel que nos apareceu, a alegria
estival de um jardim nocturno cheio de gente a dançar, as
vestes garridas das camponesas a vender nas ruas da cidade,
os rolos estragados, as filas para os vistos junto às embaixadas
nesse verão 90 a leste, a beleza dos cigarros nas mãos das
mulheres, nas tuas mãos, eu que nunca fumei; a bucólica paisa-
gem alpina a cobrir toda a parede do quarto alugado, a dona da
casa a bater à porta a perguntar "do you sleep today?", o marido
barrigudo em camisola interior de alças, sentado num banco da
cozinha como que a resmungar, por baixo do bigode longuíssimo,
os bons-dias nessa indecifrável língua magiar, o bar no meio da
sala, com bola de espelhos e luzes azuis e vermelhas, as tuas
revelações minhotas, as parcas anotações do meu caderno de
viagem...
Não tive tempo para ser íntimo de Budapeste mas sei que havia
beleza nas águas serenas do Danúbio. E uma espécie de certeza
nos nossos sorrisos. Uma espécie de eternidade nas nossas
confidências.
Nesse tempo não era refém da memória, bastava-me apenas
acreditar num verão infinito, que a felicidade não fosse talvez
necessária para sermos felizes. Seguir apenas as pegadas das
nossas palavras mais venturosas.
Não sei se Budapeste ficou a morar no nosso coração. Anos
passaram, outros tantos hão-de passar, mas nem quero saber
se morrerei cheio de segredos ou de saudades.
*(inspirado, quase indecorosamente eu sei, no teu muito querido
José Luís Peixoto)
© 2008
Os monumentos de Budapeste e as suas animadas ruas são
o bem que me fez uma rapariga de olhos vivos e meigos.
Às vezes, lembro-me de Budapeste a propósito de insólitos
pormenores ou de algumas imagens. Uma mulher louca a
bailar no meio de uma praça muito bela, sid vicious escrito
sobre mármores imemoriais, um bife com molho paprika e
violinos dolentes, o anjo gabriel que nos apareceu, a alegria
estival de um jardim nocturno cheio de gente a dançar, as
vestes garridas das camponesas a vender nas ruas da cidade,
os rolos estragados, as filas para os vistos junto às embaixadas
nesse verão 90 a leste, a beleza dos cigarros nas mãos das
mulheres, nas tuas mãos, eu que nunca fumei; a bucólica paisa-
gem alpina a cobrir toda a parede do quarto alugado, a dona da
casa a bater à porta a perguntar "do you sleep today?", o marido
barrigudo em camisola interior de alças, sentado num banco da
cozinha como que a resmungar, por baixo do bigode longuíssimo,
os bons-dias nessa indecifrável língua magiar, o bar no meio da
sala, com bola de espelhos e luzes azuis e vermelhas, as tuas
revelações minhotas, as parcas anotações do meu caderno de
viagem...
Não tive tempo para ser íntimo de Budapeste mas sei que havia
beleza nas águas serenas do Danúbio. E uma espécie de certeza
nos nossos sorrisos. Uma espécie de eternidade nas nossas
confidências.
Nesse tempo não era refém da memória, bastava-me apenas
acreditar num verão infinito, que a felicidade não fosse talvez
necessária para sermos felizes. Seguir apenas as pegadas das
nossas palavras mais venturosas.
Não sei se Budapeste ficou a morar no nosso coração. Anos
passaram, outros tantos hão-de passar, mas nem quero saber
se morrerei cheio de segredos ou de saudades.
*(inspirado, quase indecorosamente eu sei, no teu muito querido
José Luís Peixoto)
20 maio, 2008
poema mudado para português
por Herberto Helder
Ondas que se levantam, grandes ondas que se levantam
contra as rochas
rebentando, ruá, ruá.
Com a lua alta a alumiar as águas.
Na primavera.
E as águas avançam pela erva,
rebentando, ruá, ruá.
Na praia brava as raparigas banham-se.
Escuta o marulho delas batendo as mãos,
levantando-as!
(do seu livro "As Magias", poema da Austrália)
Ondas que se levantam, grandes ondas que se levantam
contra as rochas
rebentando, ruá, ruá.
Com a lua alta a alumiar as águas.
Na primavera.
E as águas avançam pela erva,
rebentando, ruá, ruá.
Na praia brava as raparigas banham-se.
Escuta o marulho delas batendo as mãos,
levantando-as!
(do seu livro "As Magias", poema da Austrália)
19 maio, 2008
"dançando com a diferença"
«Quem disse que o corpo só se faz inteiro?
Que a soma de todas as partes faz o todo
e que só o corpo todo é a expressão física
da alma?
Quem disse que a dança é apenas movimento
desses corpos perfeitos, inteiros de partes?
Quem disse que o belo depende desse corpo,
feito perfeição, ilimitada, sem diferenças?
Quem disse, mentiu.»
Palavras de Sara Antunes de Oliveira (minha prima de coração),
destacadas da sua reportagem (com imagens de Cristina Almeida e
edição de Miguel Castro) sobre a companhia de dança sediada na
Madeira, "Dançando com a Diferença", que junta bailarinos com e
sem deficiência, forma sublime de lutar contra o preconceito e de
assim mostrar que a arte não faz distinções.
A ver hoje, num qualquer televisor perto de si.
Quem disse que a televisão é como um buraco negro voraz?
Quem disse que a televisão é mero deserto?
Quem disse que não há qualidade literária no que lá se diz?
Quem disse que, na insana vertigem dos dias, não se demanda
também a beleza, não se busca a poesia nos lugares mais comuns?
Quem disse que só o sangue interessa? Que tudo é apenas
triste e vão espectáculo?
Quem disse que os jornalistas são todos incultos e ignorantes?
Quem disse que são todos medíocres ou cobardes, manipula-
dores e manipuláveis, vendidos ou compráveis, uns simples
tolos iludidos ou mesmo bandidos?
Quem disse que tudo é lixo?
Quem disse, não sabe que no fundo do peito dos mais
desalinhados também mora um generoso coração.
Também sopra vívida e voluntariosa curiosidade, também
sobra profunda coragem.
Quem assim disse, se não mentiu, vulgarizou demais.
© 2008
Que a soma de todas as partes faz o todo
e que só o corpo todo é a expressão física
da alma?
Quem disse que a dança é apenas movimento
desses corpos perfeitos, inteiros de partes?
Quem disse que o belo depende desse corpo,
feito perfeição, ilimitada, sem diferenças?
Quem disse, mentiu.»
Palavras de Sara Antunes de Oliveira (minha prima de coração),
destacadas da sua reportagem (com imagens de Cristina Almeida e
edição de Miguel Castro) sobre a companhia de dança sediada na
Madeira, "Dançando com a Diferença", que junta bailarinos com e
sem deficiência, forma sublime de lutar contra o preconceito e de
assim mostrar que a arte não faz distinções.
A ver hoje, num qualquer televisor perto de si.
Quem disse que a televisão é como um buraco negro voraz?
Quem disse que a televisão é mero deserto?
Quem disse que não há qualidade literária no que lá se diz?
Quem disse que, na insana vertigem dos dias, não se demanda
também a beleza, não se busca a poesia nos lugares mais comuns?
Quem disse que só o sangue interessa? Que tudo é apenas
triste e vão espectáculo?
Quem disse que os jornalistas são todos incultos e ignorantes?
Quem disse que são todos medíocres ou cobardes, manipula-
dores e manipuláveis, vendidos ou compráveis, uns simples
tolos iludidos ou mesmo bandidos?
Quem disse que tudo é lixo?
Quem disse, não sabe que no fundo do peito dos mais
desalinhados também mora um generoso coração.
Também sopra vívida e voluntariosa curiosidade, também
sobra profunda coragem.
Quem assim disse, se não mentiu, vulgarizou demais.
© 2008
18 maio, 2008
16 maio, 2008
lou & laurie
How did you meet Lou Reed?
I met him in Munich with something John Zorn was doing. We
lived close to each other [in New York] but never met and this
was a great music festival... and Lou said, "Would you do some-
thing on one of my songs," and I said, "Yeah, sure," and after I
did that he said: "You do it as well as I would." And I said, "OK,
thank you" - I guess that's the highest compliment available.
What's it like to perform music together?
It's wonderful playing with him and he's really been so helpful
on Homeland, came in and listened to people play and said,
"Don't do that, do that, check that out." He's the coach.
What was the song he asked you to play?
Do you know, I've forgotten! It was 16 years ago. It was one
of those long kind of story things, you know,and there I was,
a non-singer working with another non-singer. We're going
to do our first collaboration - an opera - it's going to be happe-
ning in Salzburg in about a year. I'm really excited.
Do you see yourself as one of the 100 top women in rock?
Rock? All right!! I don't see myself as anything in particular.
I don't step aside and try to make a bilboard version iof my
face. I would prefer to be invisible.
(excerto de uma pequena entrevista com Laurie Anderson,
publicada na revista "Mojo")
I met him in Munich with something John Zorn was doing. We
lived close to each other [in New York] but never met and this
was a great music festival... and Lou said, "Would you do some-
thing on one of my songs," and I said, "Yeah, sure," and after I
did that he said: "You do it as well as I would." And I said, "OK,
thank you" - I guess that's the highest compliment available.
What's it like to perform music together?
It's wonderful playing with him and he's really been so helpful
on Homeland, came in and listened to people play and said,
"Don't do that, do that, check that out." He's the coach.
What was the song he asked you to play?
Do you know, I've forgotten! It was 16 years ago. It was one
of those long kind of story things, you know,and there I was,
a non-singer working with another non-singer. We're going
to do our first collaboration - an opera - it's going to be happe-
ning in Salzburg in about a year. I'm really excited.
Do you see yourself as one of the 100 top women in rock?
Rock? All right!! I don't see myself as anything in particular.
I don't step aside and try to make a bilboard version iof my
face. I would prefer to be invisible.
(excerto de uma pequena entrevista com Laurie Anderson,
publicada na revista "Mojo")
15 maio, 2008
(ensaio sobre) a ruína
o poema é de Alice Macedo Campos, retirado do livro
que acaba de publicar, "o ciclo menstrual da noite".
© 2008
que acaba de publicar, "o ciclo menstrual da noite".
© 2008
14 maio, 2008
robert rauschenberg, eterna viagem
© 2008 (fotomontagem com palavras e obras de Robert Rauschenberg)
«Durante mais de cinco anos, aproveitei intencionalmente todas
as oportunidades que o meu trabalho me proporcionou para cha-
mar a tenção para problemas do mundo, atrocidades locais e,
nalguns casos raros, celebrar os feitos da Humanidade. Esfor-
cei-me por reunir influências com vista a fazer surgir uma rela-
ção mais realista entre o artista, a ciência e os negócios, num
mundo que ameaça aniquilar-se por uma ninharia. O progresso
não é possível sem consciência.
Desta forma, tive de me concentrar quase exclusivamente na
tristeza e de filtrar a alegria, investigar a crueldade e suspeitar
de todas as mudanças. Esta é a minha responsabilidade mas é
esgotante.
Passado algum tempo + resistência, cresceu em mim um desejo
de trabalhar num material de desperdício e macio. Uma coisa
que produzisse com a sua mensagem única uma colecção de
linhas retidas como uma piada amigável. Uma discussão silente
da sua história patenteada pelas suas novas formas. Trabalhado
comummente com felicidade. Caixas.»
(texto retirado do catálogo da exposição do Museu de Serralves.
Robert Rauschenberg, Travelling '70-'76)
13 maio, 2008
12 maio, 2008
cada sol no seu céu
© 2008
objecto blogosférico não impalpável (ovni à moda do Porto)?
espelho côncavo e convexo da minha voz.
qual ciranda imanente.
três anos. três anos a materializar por aqui...
primeiro, quase por brincadeira, foi a aparição.
depois, aparentemente, permaneci.
e hoje, contas feitas às postagens, posso dizer que três anos
são já uma longa vida. efectivamente.
três anos também a beber de vós.
afectivamente.
três anos. tempo da mais pura infância, sim, apesar da
criança mais parecer uma velha precoce a cismar com
hara-kiris...
"Criança, criança tu
Só criaram uma
Criaram uma só
Esse ser particular
Único no olhar
Nu, puro singular
Onde não tinha, há
Só existe uma
Uma de uma vez
Cada sol no seu céu
Um galho no ar
Um solo a brilhar
Luz serena total
Luz em tudo o que há"
(canção "Uma" de Arto Lindsay/Lucas Santana)
11 maio, 2008
bonsai
ai bom bonsai
que de ti não sais
árvore sem frutos
minúscula solidão
bem sei
que tens nas folhas
promessas de canções
mas minhas mãos
são teu céu
infértil
também
me dizem para bichanar-te
segredos mas da tua respiração
sobra apenas o eco
tortuoso de verdes
palavras
que de ti não sais
árvore sem frutos
minúscula solidão
bem sei
que tens nas folhas
promessas de canções
mas minhas mãos
são teu céu
infértil
também
me dizem para bichanar-te
segredos mas da tua respiração
sobra apenas o eco
tortuoso de verdes
palavras
10 maio, 2008
08 maio, 2008
07 maio, 2008
Entre o Tigre e o Eufrates
de Mário-Henrique Leiria
Não me chamem senhor
foi o que eu disse
quando cheguei
ao caminho entre os teus seios
não sabiam
que eu possuía a tua língua
e falaram-me com extrema precaução
como se fala a um estrangeiro
não sou senhor de nada
apenas conheço a terra
líquida vegetal colorida quente
que desce dos rios que tu és
até ao meu umbigo
Yaffa
civilizações redondas e macias
antigas e cruéis
reunidas na estranha planície
que nunca me entregaste
estendendo-se entre amoras
até se encontrar
num tempo primeiro e decisivo
fundo único exacto
em colinas ondulantes
onde nascem cantantes vales
de laranjas
Não me chamem senhor
foi o que eu disse
quando cheguei
ao caminho entre os teus seios
não sabiam
que eu possuía a tua língua
e falaram-me com extrema precaução
como se fala a um estrangeiro
não sou senhor de nada
apenas conheço a terra
líquida vegetal colorida quente
que desce dos rios que tu és
até ao meu umbigo
Yaffa
civilizações redondas e macias
antigas e cruéis
reunidas na estranha planície
que nunca me entregaste
estendendo-se entre amoras
até se encontrar
num tempo primeiro e decisivo
fundo único exacto
em colinas ondulantes
onde nascem cantantes vales
de laranjas
06 maio, 2008
seis coisas e pequenas e equívocas e sem importância
Um: não me importo que o meu carro seja já um pouco
velhadas (ou será que até me importo?).
Dois: não me importo de estacionar o tal carruço velho sempre
algo distante dos sítios onde porventura tenha de ir, porque
gosto muito de andar a pé e não gosto nada de dar dinheiro a
arrumadores, nem sequer aos senhores donos dos parques de
estacionamento (ou serei um mero forreta?).
Três: não me importo de assistir a missas, mesmo que não reze,
não cante, não me persigne, mal saúde as pessoas do lado e não
acredite em deus (embora só goste mesmo de igrejas vazias).
Quatro: não me importo quando dizem que só sei gostar de
coisas tristes (mas nem sabem quão bem levaria a vida na
batucada do samba) .
Cinco: não me importo de perder alguns dos imperdíveis
filmes nas salas de cinema, porque penso sempre vê-los mais
tarde no merdoso televisor cá de casa (ainda é cedo para me
importar com plasmas ou lcd's).
Seis: não me importo de andar muitos dias com a barba por
desfazer (ou será fazer?), mesmo que isso implique olhares
menos simpáticos, menos amáveis, mais assustados, menos
encantados, menos ilusões de almas roubadas num segundo.
Sete (bem sei que eram só seis) : não me importo nada com o
quebrar das correntes blogosféricas (mas importar-me-ia
bastante se não tivesse o teu perdão, querida Isabela).
velhadas (ou será que até me importo?).
Dois: não me importo de estacionar o tal carruço velho sempre
algo distante dos sítios onde porventura tenha de ir, porque
gosto muito de andar a pé e não gosto nada de dar dinheiro a
arrumadores, nem sequer aos senhores donos dos parques de
estacionamento (ou serei um mero forreta?).
Três: não me importo de assistir a missas, mesmo que não reze,
não cante, não me persigne, mal saúde as pessoas do lado e não
acredite em deus (embora só goste mesmo de igrejas vazias).
Quatro: não me importo quando dizem que só sei gostar de
coisas tristes (mas nem sabem quão bem levaria a vida na
batucada do samba) .
Cinco: não me importo de perder alguns dos imperdíveis
filmes nas salas de cinema, porque penso sempre vê-los mais
tarde no merdoso televisor cá de casa (ainda é cedo para me
importar com plasmas ou lcd's).
Seis: não me importo de andar muitos dias com a barba por
desfazer (ou será fazer?), mesmo que isso implique olhares
menos simpáticos, menos amáveis, mais assustados, menos
encantados, menos ilusões de almas roubadas num segundo.
Sete (bem sei que eram só seis) : não me importo nada com o
quebrar das correntes blogosféricas (mas importar-me-ia
bastante se não tivesse o teu perdão, querida Isabela).
05 maio, 2008
04 maio, 2008
03 maio, 2008
Partitura
de Luiza Neto Jorge
De sátiro a rápido
em riste em redor
do tormento à tormenta
do repente à rotina
ao rescaldo ao lavor
De remanso a repuxo
de lascivo a deleite
sobre a pele o tropel
lábio (ou limbo)
a beijar a nimbar
pé e mão
Sexo a ser eixo
peixe por glande
glândula língua
harpa harpão
Acmé a ser arte
prática nas partes
Partos
De sátiro a rápido
em riste em redor
do tormento à tormenta
do repente à rotina
ao rescaldo ao lavor
De remanso a repuxo
de lascivo a deleite
sobre a pele o tropel
lábio (ou limbo)
a beijar a nimbar
pé e mão
Sexo a ser eixo
peixe por glande
glândula língua
harpa harpão
Acmé a ser arte
prática nas partes
Partos
02 maio, 2008
pai, estás a ler com os olhos ou com a boca?
pergunta a minha filha de quatro anos ao ver-me especado
frente ao computador, navegando na blogosfera.
frente ao computador, navegando na blogosfera.