31 janeiro, 2007
30 janeiro, 2007
canção para uma noite fria
beleza. a minha noite a precisar de beleza.
a lâmina de uma voz. um espelho de silêncio.
(o regresso desta minha espécie de grafonola bissexta, tentando,
em especial, corresponder ao simpático pedido de [t]...)
a lâmina de uma voz. um espelho de silêncio.
(o regresso desta minha espécie de grafonola bissexta, tentando,
em especial, corresponder ao simpático pedido de [t]...)
29 janeiro, 2007
28 janeiro, 2007
A Piedade do Tempo, um poema de Francisco Brines
Em que escuro recanto do tempo que morreu
vivem ainda,
a arder, aquelas coxas?
Dão luz ainda
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria
do que não se nega.
A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.
(do livro "A Última Costa", com tradução de José Bento)
vivem ainda,
a arder, aquelas coxas?
Dão luz ainda
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria
do que não se nega.
A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.
(do livro "A Última Costa", com tradução de José Bento)
27 janeiro, 2007
num minuto
Na errante geometria da noite
os olhos hábeis de deus
um rosto negro
estropiado pelo voo dos séculos.
Inefável vigília.
Vil som
bra inson
dável.
Num minuto
minto.
Num diminuto e minu
cioso minuto
o medo do que sinto.
O zero
como cor
po
abso
luto.
os olhos hábeis de deus
um rosto negro
estropiado pelo voo dos séculos.
Inefável vigília.
Vil som
bra inson
dável.
Num minuto
minto.
Num diminuto e minu
cioso minuto
o medo do que sinto.
O zero
como cor
po
abso
luto.
26 janeiro, 2007
25 janeiro, 2007
rio outra vez
"Do ponto de vista do flâneur, em qualquer cidade do mundo,
nenhuma época deve ter sido mais propícia à saudável vaga-
bundagem do que aqueles anos plácidos e líricos, entre 1890 e
1914, que os pósteros chamaram de belle époque. Tudo concorria
a favor. As cidades eram menores - podiam ser metrópoles, mas
ainda não eram megalópoles. As ruas já eram razoavelmente ilu-
minadas e calçadas. Os prédios se mediam quase todos pela esca-
la humana (em Nova Iorque eles só chegariam aos vinte andares
em 1902, com o Flatiron, na rua 23 com Broadway e Quinta). Au-
tomóveis eram raros ou nem existiam - não se conheciam esta-
cionamentos, mas cocheiras. O principal meio de transporte, o
bonde, mesmo elétrico, rolava pelos trilhos à velocidade do bati-
mento cardíaco. E qualquer cidadão decente podia despir mental-
mente uma mulher ao passar por ela, sem o risco de ser preso por
assédio sexual.
Entre essas cidades, nenhuma parecia tão plácida e lírica quanto o
Rio. As ruas centrais eram confortáveis para andar. Havia música
no ar, vinda dos pianos próximos às janelas, das bandas nos core-
tos, dos realejos e até dos amoladores de facas. Nas calçadas das
confeitarias, escritores esgrimiam mots d'esprit à passagem de
donzelas que rebolavam anquinhas artificiais e se deixavam laçar
por uma metáfora. Ia-se ao futebol de chapéu de palhinha, cola-
rinho duro, pérola na gravata e bengala - as bengalas eram indis-
pensáveis ao garbo masculino e serviam também para resolver
pequenas querelas envolvendo a honra. Um presidente da Re-
pública podia ir de bonde, sozinho, de casa para o trabalho e vice-
-versa, misturado ao povo, sem ser incomodado por ninguém. E
tudo isso às margens de uma baía que, vista de cima, pelos pássa-
ros, deixava no chinelo a Terra do Nunca.
Além disso, que outra cidade podia orgulhar-se de que seu pri-
meiro acidente automobilístico tinha sido provocado por um...
poeta? Não um poeta qualquer, mas o mais famoso do país: Olavo
Bilac, autor de um verso - «Ora direis, ouvir estrelas...» - que
provocava síncopes cardíacas nos vários sexos. Bilac era de um
rigor quase científico em suas rimas, mas, em 1902, ao tentar di-
rigir o primeiro e então único automóvel da cidade, esqueceu-se
de perguntar a diferença entre o acelerador e o freio. Simples-
mente tomou emprestado o carro de seu amigo, o jornalista José
do Patrocínio, girou a manivela, correu para o volante e acertou a
primeira árvore que lhe surgiu pela frente. Ninguém morreu, ex-
ceto o carro e a árvore."
(excerto de "RIO DE JANEIRO - Carnaval no fogo", de Ruy Castro)
nenhuma época deve ter sido mais propícia à saudável vaga-
bundagem do que aqueles anos plácidos e líricos, entre 1890 e
1914, que os pósteros chamaram de belle époque. Tudo concorria
a favor. As cidades eram menores - podiam ser metrópoles, mas
ainda não eram megalópoles. As ruas já eram razoavelmente ilu-
minadas e calçadas. Os prédios se mediam quase todos pela esca-
la humana (em Nova Iorque eles só chegariam aos vinte andares
em 1902, com o Flatiron, na rua 23 com Broadway e Quinta). Au-
tomóveis eram raros ou nem existiam - não se conheciam esta-
cionamentos, mas cocheiras. O principal meio de transporte, o
bonde, mesmo elétrico, rolava pelos trilhos à velocidade do bati-
mento cardíaco. E qualquer cidadão decente podia despir mental-
mente uma mulher ao passar por ela, sem o risco de ser preso por
assédio sexual.
Entre essas cidades, nenhuma parecia tão plácida e lírica quanto o
Rio. As ruas centrais eram confortáveis para andar. Havia música
no ar, vinda dos pianos próximos às janelas, das bandas nos core-
tos, dos realejos e até dos amoladores de facas. Nas calçadas das
confeitarias, escritores esgrimiam mots d'esprit à passagem de
donzelas que rebolavam anquinhas artificiais e se deixavam laçar
por uma metáfora. Ia-se ao futebol de chapéu de palhinha, cola-
rinho duro, pérola na gravata e bengala - as bengalas eram indis-
pensáveis ao garbo masculino e serviam também para resolver
pequenas querelas envolvendo a honra. Um presidente da Re-
pública podia ir de bonde, sozinho, de casa para o trabalho e vice-
-versa, misturado ao povo, sem ser incomodado por ninguém. E
tudo isso às margens de uma baía que, vista de cima, pelos pássa-
ros, deixava no chinelo a Terra do Nunca.
Além disso, que outra cidade podia orgulhar-se de que seu pri-
meiro acidente automobilístico tinha sido provocado por um...
poeta? Não um poeta qualquer, mas o mais famoso do país: Olavo
Bilac, autor de um verso - «Ora direis, ouvir estrelas...» - que
provocava síncopes cardíacas nos vários sexos. Bilac era de um
rigor quase científico em suas rimas, mas, em 1902, ao tentar di-
rigir o primeiro e então único automóvel da cidade, esqueceu-se
de perguntar a diferença entre o acelerador e o freio. Simples-
mente tomou emprestado o carro de seu amigo, o jornalista José
do Patrocínio, girou a manivela, correu para o volante e acertou a
primeira árvore que lhe surgiu pela frente. Ninguém morreu, ex-
ceto o carro e a árvore."
(excerto de "RIO DE JANEIRO - Carnaval no fogo", de Ruy Castro)
24 janeiro, 2007
23 janeiro, 2007
22 janeiro, 2007
a força da luz

Foto que fiz (jogando com luz e sombra) da última página da
revista ARJUNA, um número especial produzido em 1981 no
Brasil, uma vez mais com a edição (arte & texto) da responsabi-
lidade de P.B. (aka Moloi) e participações especiais de Orlando
Pinho, Dulce Tupy, António Risério, Augusto de Campos, Jorge
Mautner, Gilberto Gil, Smetak, Paulo Leminsky, entre outras
colaborações. Voltarei concerteza a este «canto guerreiro».
21 janeiro, 2007
o corredor do cão
" Um Atelier Mínimo", uma exposição de Armando Ferraz, na
Galeria Graça Brandão, amigo meu e autor (era ele ainda um
estudante nas Belas-Artes do Porto) do desenho que inaugurou
este blog e também do que assinalou o aniversário desta minha
tasca, meros exercícios espontâneos, gestuais, ultra-rápidos ao
jeito do traço expressionista de Oscar Kokosckha...

© Porto, Janeiro 2007
" Posso optar por expor só fotografias, mas sempre que penso
nisso não me satisfaz. Preciso de fazer mais qualquer coisa, ocupar
o espaço de outra forma, e isso só desencostando trabalhos das
paredes. Fotografias nas paredes obrigam a percursos demasiado
lineares. Quero estrangular caminhos, imaginar trajectos com re-
cuos e ocupar a entrada. Quero confrontar o espaço ausente das
imagens fotográficas com o espaço real entre as coisas.
A ideia de integrar o "O Corredor do Cão" vem na pespectiva de
uma exposição que ocupasse todo o espaço. Este corredor corres-
ponde, na realidade, à fusão imaginária de dois espaços distintos:
um corredor de passagem para cães que existe na casa de um
amigo (que liga o o interior e o exterior) e a divisão mais pequena
da minha casa situada debaixo de uma escada. Gosto de ambos os
espaços, as suas formas são, de certa forma, semelhantes, e gosto
que um dê o título ao outro... escultura de entrada?"
(notas do caderno do autor, disponíveis para o público na galeria).
Galeria Graça Brandão, amigo meu e autor (era ele ainda um
estudante nas Belas-Artes do Porto) do desenho que inaugurou
este blog e também do que assinalou o aniversário desta minha
tasca, meros exercícios espontâneos, gestuais, ultra-rápidos ao
jeito do traço expressionista de Oscar Kokosckha...

© Porto, Janeiro 2007
" Posso optar por expor só fotografias, mas sempre que penso
nisso não me satisfaz. Preciso de fazer mais qualquer coisa, ocupar
o espaço de outra forma, e isso só desencostando trabalhos das
paredes. Fotografias nas paredes obrigam a percursos demasiado
lineares. Quero estrangular caminhos, imaginar trajectos com re-
cuos e ocupar a entrada. Quero confrontar o espaço ausente das
imagens fotográficas com o espaço real entre as coisas.
A ideia de integrar o "O Corredor do Cão" vem na pespectiva de
uma exposição que ocupasse todo o espaço. Este corredor corres-
ponde, na realidade, à fusão imaginária de dois espaços distintos:
um corredor de passagem para cães que existe na casa de um
amigo (que liga o o interior e o exterior) e a divisão mais pequena
da minha casa situada debaixo de uma escada. Gosto de ambos os
espaços, as suas formas são, de certa forma, semelhantes, e gosto
que um dê o título ao outro... escultura de entrada?"
(notas do caderno do autor, disponíveis para o público na galeria).
20 janeiro, 2007
olhar dos outros
"Portugal é, para mim, um país delicado, um país gentil. As
pessoas reflectem isso no seu comportamento. Não há a rudeza
de certas arestas extremas, individuais e colectivas, que encon-
tramos noutras sociedades. Os portugueses dizem-se melancó-
licos, mas eu prefiro vê-los como gentis. Há uma delicadeza muito
especial no país e no povo. É raro encontrar esta qualidade pelo
mundo fora. A Natureza, por exemplo, foi muito generosa para
Portugal: não há desertos agrestes, nem montanhas quase im-
possíveis de escarpar; a costa é belíssima e o peixe abundante e
saboroso; as variações climáticas são temperadas e o sol está
presente muitos meses no ano, emprestando uma amenidade e
uma luminosidade extraordinárias. Tudo isto influi necessaria-
mente no temperamento das pessoas, na não agressividade que
as caracteriza. Digo sempre aos amigos e colegas que chegam da
Índia - se tratares um português amigavelmente, com delicadeza,
tens um amigo para a vida; se cometeres o erro de ser rude com
ele, todas as portas se fecharão para ti, não conseguirás mais co-
municar; porque o português não é rude e não reconhece na du-
reza uma forma legítima de relacionamento; e é também preciso
não confundir delicadeza com fraqueza, será fatal; terás de com-
preender que sendo de natureza gentil, o mínimo que os portu-
gueses esperam de ti é que também o sejas, ou, pelo menos, que
aprendas com eles a sê-lo."
excerto da entrevista editada na "Pública" de há uma semana, reali-
zada por Maria João Seixas a Latha Reddy, embaixadora da Índia
em Portugal, que deixa agora Lisboa a caminho de Banguecoque.
Esta mulher formada em Literatura acabou a trabalhar para o Minis-
tério dos Negócios Estrangeiros do seu país e, desde aí, já viveu por
três vezes na nossa capital e também em Viena, Katmandu, Durban,
Washington e ainda Brasília. É por isso fluente na nossa língua e tem
legitimidade para nos poder ver assim. Que bem que nos fazem estes
olhares dos outros...
pessoas reflectem isso no seu comportamento. Não há a rudeza
de certas arestas extremas, individuais e colectivas, que encon-
tramos noutras sociedades. Os portugueses dizem-se melancó-
licos, mas eu prefiro vê-los como gentis. Há uma delicadeza muito
especial no país e no povo. É raro encontrar esta qualidade pelo
mundo fora. A Natureza, por exemplo, foi muito generosa para
Portugal: não há desertos agrestes, nem montanhas quase im-
possíveis de escarpar; a costa é belíssima e o peixe abundante e
saboroso; as variações climáticas são temperadas e o sol está
presente muitos meses no ano, emprestando uma amenidade e
uma luminosidade extraordinárias. Tudo isto influi necessaria-
mente no temperamento das pessoas, na não agressividade que
as caracteriza. Digo sempre aos amigos e colegas que chegam da
Índia - se tratares um português amigavelmente, com delicadeza,
tens um amigo para a vida; se cometeres o erro de ser rude com
ele, todas as portas se fecharão para ti, não conseguirás mais co-
municar; porque o português não é rude e não reconhece na du-
reza uma forma legítima de relacionamento; e é também preciso
não confundir delicadeza com fraqueza, será fatal; terás de com-
preender que sendo de natureza gentil, o mínimo que os portu-
gueses esperam de ti é que também o sejas, ou, pelo menos, que
aprendas com eles a sê-lo."
excerto da entrevista editada na "Pública" de há uma semana, reali-
zada por Maria João Seixas a Latha Reddy, embaixadora da Índia
em Portugal, que deixa agora Lisboa a caminho de Banguecoque.
Esta mulher formada em Literatura acabou a trabalhar para o Minis-
tério dos Negócios Estrangeiros do seu país e, desde aí, já viveu por
três vezes na nossa capital e também em Viena, Katmandu, Durban,
Washington e ainda Brasília. É por isso fluente na nossa língua e tem
legitimidade para nos poder ver assim. Que bem que nos fazem estes
olhares dos outros...
19 janeiro, 2007
linha do norte
Um ano de Linha do Norte.
A linha das três antigas cidades. Meu afectivo apeadeiro.
Minha estação de referência, gerida por três diligentes e dis-
cretos maquinistas, três dilectos companheiros da blogosfera.
Gente sonhadora mas que cultiva a memória, gente solidária e
amiga. Gente amantíssima das palavras.... Esse gosto e esse
gesto imparável da escrita, a mais bela metafóra de uma loco-
motiva...
Partilho com eles esse gosto pelos trens, pelas carruagens,
pelos carris, pelos velhos e novos comboios. Pelas estações
em que se sonham todos os filmes. Comboios que partem para
longe. Comboios que partem às oito. Comboios que partem para
sempre. Comboios que nos partem o coração. Comboios do nosso
oriente. Comboios que partem já. Comboios sempre adiando a
partida. Comboios assobiando como o vento. Linhas sem destino.
Insuspeitas viagens. Lugares improváveis. Terras inóspitas e
impronunciáveis. Gares do nosso circunspecto silêncio. Comboios
que nos trazem aladas lembranças. Cavalo feliz desbravando a
paisagem estranha. Janelas amplas incendiando os nossos olhos
ávidos. Os sons inolvidáveis, os cheiros. Pouca terra, pouca terra,
pouca terra, ensinaram-nos as canções da infância... Hoje, em
jeito de oferenda, deixo-vos aqui uma bela música evocativa e um
fabuloso, ainda que negro, romance mínimo de que gosto muito.
Meu abraço de parabéns para os três.
A linha das três antigas cidades. Meu afectivo apeadeiro.
Minha estação de referência, gerida por três diligentes e dis-
cretos maquinistas, três dilectos companheiros da blogosfera.
Gente sonhadora mas que cultiva a memória, gente solidária e
amiga. Gente amantíssima das palavras.... Esse gosto e esse
gesto imparável da escrita, a mais bela metafóra de uma loco-
motiva...
Partilho com eles esse gosto pelos trens, pelas carruagens,
pelos carris, pelos velhos e novos comboios. Pelas estações
em que se sonham todos os filmes. Comboios que partem para
longe. Comboios que partem às oito. Comboios que partem para
sempre. Comboios que nos partem o coração. Comboios do nosso
oriente. Comboios que partem já. Comboios sempre adiando a
partida. Comboios assobiando como o vento. Linhas sem destino.
Insuspeitas viagens. Lugares improváveis. Terras inóspitas e
impronunciáveis. Gares do nosso circunspecto silêncio. Comboios
que nos trazem aladas lembranças. Cavalo feliz desbravando a
paisagem estranha. Janelas amplas incendiando os nossos olhos
ávidos. Os sons inolvidáveis, os cheiros. Pouca terra, pouca terra,
pouca terra, ensinaram-nos as canções da infância... Hoje, em
jeito de oferenda, deixo-vos aqui uma bela música evocativa e um
fabuloso, ainda que negro, romance mínimo de que gosto muito.
Meu abraço de parabéns para os três.
18 janeiro, 2007
17 janeiro, 2007
do passado para o futuro todo
Aqui vos deixo um poema de P.B. (aka MOLOI), retirado deste
Jornal de Praia* também por ele editado nos finais dos anos 70,
em Salvador da Baía. Jornal de luminosos horizontes, ousado,
experimental, agitador, político, libertário, comunitário, enfim,
puro e vivencial retrato de uma época.

«Paguei a gráfica em São Paulo com um cheque sem fundos,
confiando que o show de Gilberto Gil num circo montado na
praia da Boca do Rio resultasse. O circo encheu e deu pra
depositar o dinheiro na conta. O jornal chegou de São Paulo,
depois de ter sido apreendido pelo DOPS, na hora em que Gil
cantava Nova Era. Entusiasmado, lançava os exemplares para
o ar, perto do palco improvisado. Também neste dia foi pro-
jetado o filme Alice de Edgard Navarro. Depois do show ofe-
recemos um caruru pro Gil no candomblé de Dona Nininha, na
lagoa de Pituaçu.»
(palavras de Moloi, hoje aqui recebidas no blogue)
* Neste jornal colaboraram, para além de Moloi, Angela Melim,
Antonio Carlos Sena, Leninha, Carlos Verçosa, Edgard Navarro
Filho, Eloy Iglesias, Ernani Elder, Joel Cardoso, Laurent, Lena
Coutinho, Magela Felix, Nathaniel Braia, Nivalda Costa, Paula
Carneiro da Cunha, Pedro Pituassu, Ramiro Barnabo, Tavinho Paes,
Uaíra e, ainda, Alejandra Pisarnik, David Cooper, Domingos Leonelli,
Fernando Noy.
(Espero que Moloi não se aborreça por eu ter recorrido ao photoshop
para assim ocultar a assinatura original do seu poema... E que não
se importe, também, que eu volte a colocar aqui outros textos deste
jornal de número único).
Jornal de Praia* também por ele editado nos finais dos anos 70,
em Salvador da Baía. Jornal de luminosos horizontes, ousado,
experimental, agitador, político, libertário, comunitário, enfim,
puro e vivencial retrato de uma época.

«Paguei a gráfica em São Paulo com um cheque sem fundos,
confiando que o show de Gilberto Gil num circo montado na
praia da Boca do Rio resultasse. O circo encheu e deu pra
depositar o dinheiro na conta. O jornal chegou de São Paulo,
depois de ter sido apreendido pelo DOPS, na hora em que Gil
cantava Nova Era. Entusiasmado, lançava os exemplares para
o ar, perto do palco improvisado. Também neste dia foi pro-
jetado o filme Alice de Edgard Navarro. Depois do show ofe-
recemos um caruru pro Gil no candomblé de Dona Nininha, na
lagoa de Pituaçu.»
(palavras de Moloi, hoje aqui recebidas no blogue)
* Neste jornal colaboraram, para além de Moloi, Angela Melim,
Antonio Carlos Sena, Leninha, Carlos Verçosa, Edgard Navarro
Filho, Eloy Iglesias, Ernani Elder, Joel Cardoso, Laurent, Lena
Coutinho, Magela Felix, Nathaniel Braia, Nivalda Costa, Paula
Carneiro da Cunha, Pedro Pituassu, Ramiro Barnabo, Tavinho Paes,
Uaíra e, ainda, Alejandra Pisarnik, David Cooper, Domingos Leonelli,
Fernando Noy.
(Espero que Moloi não se aborreça por eu ter recorrido ao photoshop
para assim ocultar a assinatura original do seu poema... E que não
se importe, também, que eu volte a colocar aqui outros textos deste
jornal de número único).
16 janeiro, 2007
Informações sobre a musa, de Manoel de Barros
Musa pegou no meu braço. Apertou.
Fiquei excitadinho pra mulher.
Levei ela pra um lugar ermo ( que eu tinha que fazer uma
lírica):
- Musa, sopre de leve em meus ouvidos a doce poesia,
a de perdão para os homens, porém... quero seleção,
ouviu?
- Pois sim, gafanhoto, mas arreda a mão daí que a hora
é imprópria, sá?
Minha musa sabe asneirinhas
Que não deviam de andar
Nem na boca de um cachorro!
Um dia briguei com Ela
Fui pra debaixo da Lua
E pedi uma inspiração:
- Essa Lua que nas poesias dantes fazia papel
principal, não quero nem pra meu cavalo; e até logo, vou
gozar da vida; vocês poetas são uns intersexuais...
E por de japa ajuntou:
- Tenho uma coleguinha que lida com sonetos de dor
de corno; por que não vai nela?
(retirado de Poemas Concebidos Sem Pecado, de Manoel de Barros,
livro publicado pela primeira vez em 1937)
Fiquei excitadinho pra mulher.
Levei ela pra um lugar ermo ( que eu tinha que fazer uma
lírica):
- Musa, sopre de leve em meus ouvidos a doce poesia,
a de perdão para os homens, porém... quero seleção,
ouviu?
- Pois sim, gafanhoto, mas arreda a mão daí que a hora
é imprópria, sá?
Minha musa sabe asneirinhas
Que não deviam de andar
Nem na boca de um cachorro!
Um dia briguei com Ela
Fui pra debaixo da Lua
E pedi uma inspiração:
- Essa Lua que nas poesias dantes fazia papel
principal, não quero nem pra meu cavalo; e até logo, vou
gozar da vida; vocês poetas são uns intersexuais...
E por de japa ajuntou:
- Tenho uma coleguinha que lida com sonetos de dor
de corno; por que não vai nela?
(retirado de Poemas Concebidos Sem Pecado, de Manoel de Barros,
livro publicado pela primeira vez em 1937)
15 janeiro, 2007
14 janeiro, 2007
Talvez o vento saiba, de Ivan Junqueira
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
(retirado de Poemas Reunidos, Ivan Junqueira, Ed. Record, 1999)
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
(retirado de Poemas Reunidos, Ivan Junqueira, Ed. Record, 1999)
13 janeiro, 2007
12 janeiro, 2007
11 janeiro, 2007
olhar metonímico ou umbiguismo?
Ontem, poucos minutos passavam das quatro da tarde, o rádio
do carro sintonizado, por inércia, na TSF. Ia eu a ouvir, mais ou
menos distraído, as notícias do dia, concluídas com o rotineiro e
breve boletim metereológico. O locutor começa, insolitamente,
por afirmar que está um dia cinzento e chuvoso. Aonde?
Segue dizendo que estão 12ºC em Lisboa, 13 ou 14 em Faro, não
recordo agora bem, e depois diz que estão 18º no Porto. Até aí
tudo bem, estava, de facto, um caloroso dia de Inverno, mas não
seria também de estranhar um pouco que no Porto estivessem
mais 6º C que em Lisboa? Finalizou então o radialista, voltando a
carregar na tecla do dia cinzento e chuvoso, fazendo a ponte para
falar do trânsito lisboeta. Só se esqueceu de dizer que por aqui,
nesta longínqua terra a norte, estava um dia radioso e nada, mas
nada cinzento, e muito menos chuvoso. A cidade despedia-se an-
tes, de um luminoso céu azul, embelezado aqui e ali, por uma ou
outra nuvem meio adormecida.
Será que quem olha o céu de Lisboa, vê o céu sobre todo o país?
O dom da ubiquidade? Ou sim, reflexos de um olhar umbiguista?
Isto não é apenas um exemplo de excepção, estas coisas, em ou-
tras ocasiões ou circunstâncias, e aos mais diversos níveis, acon-
tecem por sistema, quase nunca por distracção.
Devíamos ser todos a lamentá-lo.
do carro sintonizado, por inércia, na TSF. Ia eu a ouvir, mais ou
menos distraído, as notícias do dia, concluídas com o rotineiro e
breve boletim metereológico. O locutor começa, insolitamente,
por afirmar que está um dia cinzento e chuvoso. Aonde?
Segue dizendo que estão 12ºC em Lisboa, 13 ou 14 em Faro, não
recordo agora bem, e depois diz que estão 18º no Porto. Até aí
tudo bem, estava, de facto, um caloroso dia de Inverno, mas não
seria também de estranhar um pouco que no Porto estivessem
mais 6º C que em Lisboa? Finalizou então o radialista, voltando a
carregar na tecla do dia cinzento e chuvoso, fazendo a ponte para
falar do trânsito lisboeta. Só se esqueceu de dizer que por aqui,
nesta longínqua terra a norte, estava um dia radioso e nada, mas
nada cinzento, e muito menos chuvoso. A cidade despedia-se an-
tes, de um luminoso céu azul, embelezado aqui e ali, por uma ou
outra nuvem meio adormecida.
Será que quem olha o céu de Lisboa, vê o céu sobre todo o país?
O dom da ubiquidade? Ou sim, reflexos de um olhar umbiguista?
Isto não é apenas um exemplo de excepção, estas coisas, em ou-
tras ocasiões ou circunstâncias, e aos mais diversos níveis, acon-
tecem por sistema, quase nunca por distracção.
Devíamos ser todos a lamentá-lo.
10 janeiro, 2007
rio (neste meu janeiro)
"De 1930 a 1960, em termos de boa música e mau comporta-
mento, o Rio teve um Carnaval como o de nenhum outro lugar
ou época. Sendo uma cidade razoavelmente católica, produziu,
sob as barbas do Cristo Redentor, Carnavais mais pagãos que
os do próprio paganismo egípcio ou das bacanais romanas - aqui,
o boi Ápis viraria croquete de botequim e Baco não pegaria nem
aspirante no Clube dos Cafajestes, uma confraria de rapazes
bem-nascidos e educados que usavam a alegria para fins sauda-
velmente imorais, como bailes, festas e orgias, com uma ou outra
briga para manter a forma.
Por cair quase sempre em Fevereiro, coincidindo com o esplendor
do Verão e convidando à pouca roupa, o Rio deixou longe em eu-
foria os Carnavais invernais que o inspiraram, como os de Nice e
Veneza (os quais continuaram a ser o que sempre foram: belos
bailes a fantasia). O Carnaval carioca também permitiu ver que,
em comparação, o de Nova Orleães era uma festa aristocrática,
exclusivista e racista, de brancos e negros brincando iguais, mas
separados. No Rio, o samba e a marchinha nivelaram tudo. A par-
tir deles, passou a haver um só Carnaval para os negros, brancos
e mulatos."
(em "Rio de Janeiro - Carnaval no Fogo", de Ruy Castro, ed. Asa)
mento, o Rio teve um Carnaval como o de nenhum outro lugar
ou época. Sendo uma cidade razoavelmente católica, produziu,
sob as barbas do Cristo Redentor, Carnavais mais pagãos que
os do próprio paganismo egípcio ou das bacanais romanas - aqui,
o boi Ápis viraria croquete de botequim e Baco não pegaria nem
aspirante no Clube dos Cafajestes, uma confraria de rapazes
bem-nascidos e educados que usavam a alegria para fins sauda-
velmente imorais, como bailes, festas e orgias, com uma ou outra
briga para manter a forma.
Por cair quase sempre em Fevereiro, coincidindo com o esplendor
do Verão e convidando à pouca roupa, o Rio deixou longe em eu-
foria os Carnavais invernais que o inspiraram, como os de Nice e
Veneza (os quais continuaram a ser o que sempre foram: belos
bailes a fantasia). O Carnaval carioca também permitiu ver que,
em comparação, o de Nova Orleães era uma festa aristocrática,
exclusivista e racista, de brancos e negros brincando iguais, mas
separados. No Rio, o samba e a marchinha nivelaram tudo. A par-
tir deles, passou a haver um só Carnaval para os negros, brancos
e mulatos."
(em "Rio de Janeiro - Carnaval no Fogo", de Ruy Castro, ed. Asa)
09 janeiro, 2007
08 janeiro, 2007
homem lamento
homem-deserto.
homem cinzento.
homem sem avesso.
homem bolorento.
homem bafiento.
homem mastiguento.
homem pouco espesso.
homem-lamento.
homem decerto
lento.
homem nada
esperto.
homem sem ninguém
por perto.
sem sequer ninguém
por dentro!
qual zé-ninguém,
que me leve o vento!
homem cinzento.
homem sem avesso.
homem bolorento.
homem bafiento.
homem mastiguento.
homem pouco espesso.
homem-lamento.
homem decerto
lento.
homem nada
esperto.
homem sem ninguém
por perto.
sem sequer ninguém
por dentro!
qual zé-ninguém,
que me leve o vento!
07 janeiro, 2007
speed of life
David Bowie faz amanhã 60 anos.
Uma estrela. Um visionário da música pop.
Um homem das mais originais visões, autor dos sons
mais libertários, das palavras mais empolgantes.
Um dos nossos heróis.

© 2007
"And I will sing
Waiting for the gift
Of sound and vision
Drifting into my solitude
Over my head
Don't you wonder sometime
About sound and vision"
Uma estrela. Um visionário da música pop.
Um homem das mais originais visões, autor dos sons
mais libertários, das palavras mais empolgantes.
Um dos nossos heróis.

© 2007
"And I will sing
Waiting for the gift
Of sound and vision
Drifting into my solitude
Over my head
Don't you wonder sometime
About sound and vision"
06 janeiro, 2007
05 janeiro, 2007
a venezuela que a venezuela não quis
a venezuela que a venezuela não quis
que não casou com o povo do seu país
a jovem noiva do exército de riso feliz
a venezuela portuguesa, silva de raiz

(Venezuela Portuguesa da Silva, aqui na flor dos seus 15 anos,
coroada Noiva da Escuela de Formación de Oficiales de las Fuerzas
Armadas de Cooperación)
Esta advogada luso-descendente candidata às recentes eleições
na Venezuela, apenas terá conseguido pouco mais de 4.000 votos,
o equivalente a mais ou menos um por cento da comunidade por-
tuguesa ali residente. O velho provérbio parece ter valido: santos
da casa não fazem milagres. Apesar do bonito sorriso, da sua
energia e da sua ousadia, os seus conterrâneos, desconfiados,
conservadores, sábios, lá cogitaram: não é ela a chave para derro-
tar Chávez...
que não casou com o povo do seu país
a jovem noiva do exército de riso feliz
a venezuela portuguesa, silva de raiz

(Venezuela Portuguesa da Silva, aqui na flor dos seus 15 anos,
coroada Noiva da Escuela de Formación de Oficiales de las Fuerzas
Armadas de Cooperación)
Esta advogada luso-descendente candidata às recentes eleições
na Venezuela, apenas terá conseguido pouco mais de 4.000 votos,
o equivalente a mais ou menos um por cento da comunidade por-
tuguesa ali residente. O velho provérbio parece ter valido: santos
da casa não fazem milagres. Apesar do bonito sorriso, da sua
energia e da sua ousadia, os seus conterrâneos, desconfiados,
conservadores, sábios, lá cogitaram: não é ela a chave para derro-
tar Chávez...
04 janeiro, 2007
palavras (agora, de Sylvia Plath)
PALAVRAS
Machados,
Após cada pancada sua a madeira range,
E os ecos!
São ecos que viajam
Do centro para fora como cavalos.
A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água a esforçar-se
Por recompor o seu espelho
Sobre a rocha
Que pinga e se transforma,
Uma caveira branca
Comida pelas ervas daninhas.
Anos mais tarde
Encontro-as no caminho -
Palavras secas e indomáveis,
Infatigável som de cascos no chão.
Enquanto
Do fundo do charco estrelas fixas
Governam uma vida.
Machados,
Após cada pancada sua a madeira range,
E os ecos!
São ecos que viajam
Do centro para fora como cavalos.
A seiva
Brota como lágrimas, como a
Água a esforçar-se
Por recompor o seu espelho
Sobre a rocha
Que pinga e se transforma,
Uma caveira branca
Comida pelas ervas daninhas.
Anos mais tarde
Encontro-as no caminho -
Palavras secas e indomáveis,
Infatigável som de cascos no chão.
Enquanto
Do fundo do charco estrelas fixas
Governam uma vida.
(do livro Ariel de Sylvia Plath, tradução de Maria Fernanda Borges.)