linha do norte
Um ano de Linha do Norte.
A linha das três antigas cidades. Meu afectivo apeadeiro.
Minha estação de referência, gerida por três diligentes e dis-
cretos maquinistas, três dilectos companheiros da blogosfera.
Gente sonhadora mas que cultiva a memória, gente solidária e
amiga. Gente amantíssima das palavras.... Esse gosto e esse
gesto imparável da escrita, a mais bela metafóra de uma loco-
motiva...
Partilho com eles esse gosto pelos trens, pelas carruagens,
pelos carris, pelos velhos e novos comboios. Pelas estações
em que se sonham todos os filmes. Comboios que partem para
longe. Comboios que partem às oito. Comboios que partem para
sempre. Comboios que nos partem o coração. Comboios do nosso
oriente. Comboios que partem já. Comboios sempre adiando a
partida. Comboios assobiando como o vento. Linhas sem destino.
Insuspeitas viagens. Lugares improváveis. Terras inóspitas e
impronunciáveis. Gares do nosso circunspecto silêncio. Comboios
que nos trazem aladas lembranças. Cavalo feliz desbravando a
paisagem estranha. Janelas amplas incendiando os nossos olhos
ávidos. Os sons inolvidáveis, os cheiros. Pouca terra, pouca terra,
pouca terra, ensinaram-nos as canções da infância... Hoje, em
jeito de oferenda, deixo-vos aqui uma bela música evocativa e um
fabuloso, ainda que negro, romance mínimo de que gosto muito.
Meu abraço de parabéns para os três.
"Dez", do livro "CENTÚRIA" de Giorgio Manganelli
" Geralmente, os senhores que vêm apanhar o comboio nesta
estação, morrem enquanto o esperam. Não é uma morte tor-
turante, antes pacata e, à sua maneira, elegante; alguns tra-
zem consigo a família, especialmente os filhos, que têm com-
pridas meias pretas e calções curtos, para que aprendam como
se pode morrer com dignidade. À medida que vão morrendo,
os senhores são depositados numa capela enfeitada com os
rostos de muitos Santos, diversamente milagreiros. Por pura
cortesia, um funcionário dos caminhos de ferro, pergunta, com
o boné na mão, se por acaso algum daqueles senhores Santos
quer ressuscitar o defunto. Espera cinco segundos em silêncio,
dirige um olhar interrogativo aos Santos, inclina-se, sai e põe
de novo o boné, porque a estação é incrivelmente ventosa. O
vento provém de uma fenda na rocha, e não se sabe onde
adquire aquele frio seco e estranho que, dizem, torna a esta-
ção num lugar extemamente saudável e repousante. Poderia
afirmar-se que as mortes dos senhores - e por vezes morrem
famílias inteiras - desmentem essa asseverada salubridade do
ar. Na realidade, é convicção geral que, se não tivessem vindo
cá acima, teriam morrido muito, muito antes. Alguns nem se-
quer teriam nascido. Em geral, a espera da morte não é longa
nem penosa; a companhia é numerosa, conversa-se, há jogos
para crianças e para adultos. O chefe da estação, um homem
vigoroso e suave, acaricia as crianças e saúda os seus clientes.
Os comboios que param nesta estação são três: cada um deles
vem de um lugar diferente e vai para um lugar diverso. No
entanto, deve ter-se em conta o facto de que cada uma das
linhas é servida por diversos tipos de comboios, alguns dos
quais param, ou deveriam parar, se o chefe da estação o or-
denar. Outros, os mais importantes, não param de maneira
nenhuma, e a nenhum pedido. Vêem-se os rostos de perfil,
como que recortados em madeira, de pessoas que devem ir
para muito longe. Por vezes, um comboio que poderia parar
afrouxa, e da cabina espreita o maquinista que olha com
apreensão interrogativa para o chefe da estação que, por
seu lado, dirige uma muda pergunta ao público. Este faz ges-
tos com as mãos, como que a dizer: "Mas por favor!" ou olha
para o comboio como se fosse transparente. O comboio ace-
lera e, depois de ter desaparecido, vêm retirar os senhores
mortos, todos vestidos de preto."
A linha das três antigas cidades. Meu afectivo apeadeiro.
Minha estação de referência, gerida por três diligentes e dis-
cretos maquinistas, três dilectos companheiros da blogosfera.
Gente sonhadora mas que cultiva a memória, gente solidária e
amiga. Gente amantíssima das palavras.... Esse gosto e esse
gesto imparável da escrita, a mais bela metafóra de uma loco-
motiva...
Partilho com eles esse gosto pelos trens, pelas carruagens,
pelos carris, pelos velhos e novos comboios. Pelas estações
em que se sonham todos os filmes. Comboios que partem para
longe. Comboios que partem às oito. Comboios que partem para
sempre. Comboios que nos partem o coração. Comboios do nosso
oriente. Comboios que partem já. Comboios sempre adiando a
partida. Comboios assobiando como o vento. Linhas sem destino.
Insuspeitas viagens. Lugares improváveis. Terras inóspitas e
impronunciáveis. Gares do nosso circunspecto silêncio. Comboios
que nos trazem aladas lembranças. Cavalo feliz desbravando a
paisagem estranha. Janelas amplas incendiando os nossos olhos
ávidos. Os sons inolvidáveis, os cheiros. Pouca terra, pouca terra,
pouca terra, ensinaram-nos as canções da infância... Hoje, em
jeito de oferenda, deixo-vos aqui uma bela música evocativa e um
fabuloso, ainda que negro, romance mínimo de que gosto muito.
Meu abraço de parabéns para os três.
"Dez", do livro "CENTÚRIA" de Giorgio Manganelli
" Geralmente, os senhores que vêm apanhar o comboio nesta
estação, morrem enquanto o esperam. Não é uma morte tor-
turante, antes pacata e, à sua maneira, elegante; alguns tra-
zem consigo a família, especialmente os filhos, que têm com-
pridas meias pretas e calções curtos, para que aprendam como
se pode morrer com dignidade. À medida que vão morrendo,
os senhores são depositados numa capela enfeitada com os
rostos de muitos Santos, diversamente milagreiros. Por pura
cortesia, um funcionário dos caminhos de ferro, pergunta, com
o boné na mão, se por acaso algum daqueles senhores Santos
quer ressuscitar o defunto. Espera cinco segundos em silêncio,
dirige um olhar interrogativo aos Santos, inclina-se, sai e põe
de novo o boné, porque a estação é incrivelmente ventosa. O
vento provém de uma fenda na rocha, e não se sabe onde
adquire aquele frio seco e estranho que, dizem, torna a esta-
ção num lugar extemamente saudável e repousante. Poderia
afirmar-se que as mortes dos senhores - e por vezes morrem
famílias inteiras - desmentem essa asseverada salubridade do
ar. Na realidade, é convicção geral que, se não tivessem vindo
cá acima, teriam morrido muito, muito antes. Alguns nem se-
quer teriam nascido. Em geral, a espera da morte não é longa
nem penosa; a companhia é numerosa, conversa-se, há jogos
para crianças e para adultos. O chefe da estação, um homem
vigoroso e suave, acaricia as crianças e saúda os seus clientes.
Os comboios que param nesta estação são três: cada um deles
vem de um lugar diferente e vai para um lugar diverso. No
entanto, deve ter-se em conta o facto de que cada uma das
linhas é servida por diversos tipos de comboios, alguns dos
quais param, ou deveriam parar, se o chefe da estação o or-
denar. Outros, os mais importantes, não param de maneira
nenhuma, e a nenhum pedido. Vêem-se os rostos de perfil,
como que recortados em madeira, de pessoas que devem ir
para muito longe. Por vezes, um comboio que poderia parar
afrouxa, e da cabina espreita o maquinista que olha com
apreensão interrogativa para o chefe da estação que, por
seu lado, dirige uma muda pergunta ao público. Este faz ges-
tos com as mãos, como que a dizer: "Mas por favor!" ou olha
para o comboio como se fosse transparente. O comboio ace-
lera e, depois de ter desaparecido, vêm retirar os senhores
mortos, todos vestidos de preto."
7 Comentários:
voltarei quando Aliece tiver terminado o seu romance tradução.
Muito obrigado. Mas, sabes, já não consegues fugir ao prazer de te termos na linha.
bom fim de semana .....
...
...
...
bjo.
mas é uma honra... oh, queria ter descoberto essa música e esse romance antes. que bonito da tua parte. obrigada
(ps: onde alojas as tuas músicas? eu costumava fazê-lo no filelodge mas ultimamente dificilmente ele tem estado operacional, daí o silêncio)
Também gosto de descobrir as coisas primeiro...
;))
Não tens que agradecer, vocês merecem.
alojo as músicas num sítio cujo endereço é "www.fileden.com" , mas também não garanto que seja lá muito operacional...
merci
falto eu, tardiamente, agradecer. bonito, como são as coisas através de ti. até a memória dos comboios se torna mais bonita...
não tenho tido onde pousar o vagar e nem tenho andado por aqui. vim agora , num bocadinho, espreitar e heis... que encontro esta tua evocação. obrigado, francisco. soube bem.
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