31 dezembro, 2006

palavras

palavras, palavras, palavras!!!
palavras parvas. palavras rasas.
palavras que não abro.
palavras-chave.
palavras surdas.
palavras absurdas.
palavras putas no papel.
palavras leves ao vento.
palavras dos jogos catraios.
palavras de papagaio.
palavras papagueadas.
palavras alares. aladas.
palavras no deslize das aves.
palavras larvares.
palavras de azar.
palavras fodidas. não escondidas.
palavras cadelas. mal medidas.
palavras caladas.
palavras sem eco. palavras cegas.
palavras que não logro. que não lavro.
palavras que são logro. que não largo.
palavras ao largo.
palavras deste amargo magro.
palavras como barcos.
palavras de sílabas salobras.
palavras no sulco de sibilinas rotas.
palavras sumo de tangerinas noites.
palavras de todos os paladares.
palavras sem o sabor das papaias.
palavras sem a memória do mar.
palavras sem rumo.
palavras tão sujas como fumo.
palavras para que vos quero.
palavras as leve silvando o vento.
palavras deslavadas.
palavras alarves no desalento.
palavras para te dares.
palavras que desatem o cordel.
palavras, palavrões, palavrinhas.
palavras putas de bordel.
palavras sem papas na língua.
palavras sem os papas da língua.
palavras como rubras romãs.
palavras orfãs das claras manhãs.
palavras no chão da boca próspera.
palavras macabras. palavras macacas.
palavras nos requebros do texto.
palavras abracadabras do sexo.
palavras como pão para a boca.
palavras como brincos de cerejas.
palavras à boleia de estúpidas cervejas.
palavras nas entrelinhas.
palavras à bolina.
palavras em surdina.
palavras descabidas. descosidas.
palavras como cabides. descasadas.
palavras como cascas.
palavras feridas. palavras queridas.
palavras do amor. palavras sem amor.
palavras de cor.
palavras de áspera cor.
palavras escavando a dor.
palavras escalavradas. descambadas.
palavras tropeçadas nas escadas da língua.
palavras num texto à míngua.
palavras incendiando o silêncio.
palavras inconsúteis. tácteis.
palavras fúteis. palavras fáceis.
palavras de fome.
palavras de foda.
palavras sem nome.
palavras sem honra.
minha palavra de honra.

30 dezembro, 2006

vertical sem pássaros

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29 dezembro, 2006

foi uma bela vida

In memorian,
Pierre Delanoë (16-12-1918/27-12-2006)

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(foto de Alain Le Berre)

Morreu anteontem, aos 88 anos, o letrista Pierre Delanoë,
nome artístico desse parisiense nascido Pierre-Charles-Marcel-
-Napoleon-Le Royer. Foi provavelmente o mais prolífico e bem
sucedido escritor de canções de todos os tempos. Ele que se for-
mara em direito e cuja profissão inicial fora inspector dos impos-
tos. A sua primeira canção, intitulada "Y a un pli dans le tapis du
salon", data de 1948, numa França já libertada e a tentar liber-
tar-se das traumáticas memórias da guerra.
Reinvindicava a autoria de mais de 5.000 canções. O seu cúmpli-
ce e parceiro Claude Lemesle afirmou que ele era, incontestavel-
mente, o autor mais cantado do século vinte.
As suas letras, que se adaptaram aos mais diversos géneros mu-
sicais ao longo de cinco décadas, transformaram-se em êxitos
fenomenais nas vozes de Bécaud, Pétula Clark, Joe Dassin, Hu-
gues Aufray (com quem fez um disco histórico, adaptando uma
dúzia de canções de Bob Dylan), France Gall, Piaf, Sylvie Vartan,
Michel Sardou, Aznavour, Françoise Hardy, etc, etc; em suma,
quase todos os grandes nomes da canção francesa. Mas foi tam-
bém cantado no mundo inteiro, com grande sucesso, nas vozes
imortais de Frank Sinatra, Elvis Presley, Bob Dylan, Judy Gar-
land e tantas, tantas outras...

Ah, Pierre Delanoë... et si tu n'existais pas...
... o que (não) seria feito das nossas vidas?


"C'EST LA VIE, LILY"

C'est la vie, Lily:
Quand tu vas dans les rues de la ville,
Tout le monde t'admire. Et tes sourires,
Et ta jeunesse font rêver les soldats.

C'est la vie, Lily,
Quand tu vas dans les rues de la ville.
Que tu es belle, pas très fidèle,
Trop souvent tu flirtes avec les soldats...

Tourne, tourne, le temps passe
Dans tes yeux, devant ta glace,
Mais toi, tu ne le vois pas passer...

C'est la vie, ma Lily,
Quand tu vas dans les rues de la ville
Vendre des roses ou autre chose,
Mais tu donnes tant de nuits aux soldats...

Tourne, tourne, le temps passe
Dans tes yeux, devant ta glace,
Mais toi, tu ne le vois pas passer...

C'est la vie, ma Lily,
Quand tu dors dans les rues de la ville.
Tu es bien vieille, tu te rappelles
Qu'autrefois tu faisais rêver les soldats...

Tourne, tourne, le temps passe
Dans tes yeux, devant ta glace,
Mais toi, tu ne le vois pas passer...

28 dezembro, 2006

frio bom

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© 2006

27 dezembro, 2006

meus discos do ano



Tal como no ano passado nesta mesma data, aqui vos deixo,
numa lista ordenada de forma puramente aleatória, os meus
discos de 2006, ainda que alguns possam ter data de produção
de 2005. Este ano estou mais generoso. São agora vinte em vez
de quinze. E faltam talvez outros dois - mal os pude ouvir e
apenas numa muito breve ocasião -, que é bem provável os
venha ainda a comprar: o último de Beck e o novo dessa singu-
laríssima cantora/compositora que é Joanna Newson.


Orphans - Tom Waits
Clap Your Hands Say Yeah - Clap Your Hands Say Yeah
Careless Love - Madeleine Peyroux
Bring Me The Workhorse - My Brightest Diamond
Melody Mountain - Susana and the Magical Orchestra
Leaving Songs - Stuart A. Staples
A Primitive Guide To Being There - Jhelisa
Travesías - Susana Baca
Gulag Orkestar - Beirut
Universo ao meu redor - Marisa Monte
Good Bread Alley - Carl Hancock Rux
I'm Thankful - Spanky Wilson & The Quantic Soul Orchestra
Under The Munka Moon II - Alice Russell
The Shine of Dried Electric Leaves - Cibelle
Band à Part - Nouvelle Vague
11 songs from abilene, tx - Micah P. Hinson and The Opera Circuit
Scale - Herbert
Briefly Shaking - Anja Garbarek
Modern Times - Bob Dylan
The Novelist/Walking Without Effort - Richard Swift

26 dezembro, 2006

manhã submersa

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© 25/Dezembro/2006

23 dezembro, 2006

christmas kisses



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© Porto, 2006

22 dezembro, 2006

inclinado desejo

nudez declinada do silêncio.
a lenta língua, os abertos livros
como lábios.
o doce vermelho.
como feridas do amor.
beijos a rasgar a luz
da pele delicada.

o desejo inclinado.
o sexo como divino sacrifício.
sublime e sagrado ofício.

o corpo cálido da mulher.
cálice e relicário.


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© 2006 (sobre o livro "Sacrifice" de Richard Millet [textos] & Silvia
Seova [fotos], edição L'Archange Minotaure)

21 dezembro, 2006

movimento

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© Porto, 20/Dezembro/06

20 dezembro, 2006

roubar laranjas

"(...) Como é que imaginas essa velhice?
Como um tempo de sabedoria. Uma sabedoria natural que tu
acumulas sem te dares conta. Vais perdendo memórias, mas
isso não é tão grave assim. Porque o fundamental não esqueces.
As configurações do prazer, da culpa.

Essa sabedoria traz humildade?
Traz uma humildade absoluta que é a gratidão. A verdadeira hu-
mildade é uma gratidão. No sentido de "olha lá a sorte que eu
tive". Voltamos ao que disse lá atrás. Saber apreciar isto de
estar vivo. Os objectos pequenos, o cheiro das coisas,
a maneira dos gatos entrarem em casa. A riqueza do
mundo, sem precisares de comprar seja o que for. Por
exemplo, no outro dia descobri uma quinta, a Quinta da Ribeira,
onde vendem pão embrulhado em cobertores, óptimo. Ainda não
tinham apanhado as laranjas, porque é muito cedo. Mas estava lá
o pomar. E eu atrevi-me e arranquei duas laranjas, mesmo quan-
do ia a passar um padre que olhou para o chão, como quem per-
doa, porque aquilo pertence ao seminário ou ao patriarcado, pa-
rece uma coisa do século XIX. Roubei essas laranjas, as pri-
meiras laranjas do ano, sacadas por mim, com as fo-
lhas e tudo, mais a rama. Estive uma hora e meia à vol-
ta das laranjas, com a Maria João. Partimos os gomos e
revisitámos todas as maneiras de comer laranjas. O
prazer, o cheiro, aquilo tudo esmigalhado, o óleo a
marcar os nossos braços. A comparação com outras la-
ranjas. É uma coisa que só se pode apreciar aos cin-
quenta anos. Se tu fizeres isso agora, não chegas lá da mesma
maneira. Falta-te a idade.

Há também o gozo da transgressão.
Claro. O prazer máximo daquilo que esteve no facto de as laranjas
serem roubadas. Eu sabia muito bem que estava a entrar numa
propriedade privada mas disse: "olha, vou apanhar à mesma". E
o padre deve ter pensado para os seus botões: "coitado,
olha-me aquele coxo a apanhar laranjas, o melhor é
perdoá-lo". Era um padre para aí com vinte anos, um
padre lá do seminário. Olhou para o chão como no fil-
me do Bresson. Ele a olhar para o chão e eu a roubar as
laranjas. A fruta roubada é uma coisa de putos. Tem um
sabor maravilhoso. Com a Internet é a mesma coisa: a euforia que
dá fazer downloads proibidos... Lembro-me que me fartava de
roubar livros com o meu irmão. Vestíamos uns casacos enormes,
andávamos de canadiana em pleno Agosto, para meter mais li-
vros nos bolsos. E o que não faltava lá em casa eram livros."

(Entrevista de José Mário Silva com Miguel Esteves Cardoso,
publicada no Diário de Notícias de 15 de Dezembro de 2006.
Dedico os sublinhados a Cristina Marti, minha blogger do ano, de
todos os anos.)

19 dezembro, 2006

canção do inverno (silly song)

quero que você me aqueça
neste inferno
e todo este amor não passe
do inverno

quero que você me peça
num segundo
todas as palavras do fim
do mundo

quero que você me esqueça
do coração
e seu fogo prometido roube
esta canção

quero sua louca promessa
do inferno
e que seu corpo se despeça
do inverno

18 dezembro, 2006

inspiração dos pássaros

meus cinzentos passos.
minerais angústias.
e uma alegria, quase ciumenta,
pela livre respiração dos pássaros.

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© Porto, 17/Dezembro/2006

17 dezembro, 2006

esta máquina de ossos que sou bem não queria mais crescer



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© Macau, 17/Dezembro/1999

16 dezembro, 2006

ypsilon & nikon

entre o camões e wenscelau de morais
quem porventura pode escrever mais?
entre o pessanha esquecido e a peçonha
sou eu só a ficar com a pouca vergonha?

nada adianta também a caligrafia fina
nem as rimas bonitas a tinta da china.
não busques o oriente do teu ocidente
nem luz nas linhas desse olhar doente.

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© Macau, 1999

15 dezembro, 2006

mensagem de natal

Ou melhor: a minha sugestão de natal. Não resisto - peço o
vosso perdão por isso - a fazer aqui um pouquinho de publicidade
a este lindíssimo livro, com as magníficas ilustrações da autoria
de um amigo meu. A Mensagem como você nunca a sonhou. Até
o mítico Pessoa haveria de gostar.

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sacrifice

"Mûres et framboises sur un corps nu, étendu,
les bras en croix, les fruits répartis comme
des pierres sacrées dans la neige, selon un
dispositif qui garde son mystère: sa pure
inutilité, outre son caractère impie, vu
qu'il se montre là deux ordres de choses qui
ne devraient pas s'y trouver ensemble: le
comestible et la chair offerte; deux formes
de voration s'excluant l'un l'autre et dont
on peut penser qu'y goûtant, on se dévorerait
soi-même; une agonie très douce, une mise à
mort désirée, un sacrifice invisible: un feu
de ronces en plein midi."

extraído do livro "Sacrifice", textos de Richard Millet sobre
fotografias de Silvia Seova (artista nascida em Portugal em
1955), edição L' Archange Minotaure, 2006.

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© 2006 (sobre o livro "Sacrifice" de Richard Millet & Silvia Seova)

14 dezembro, 2006

explicação rigorosa, de Mário-Henrique Leiria

Esperar
o quê?
uma máquina
de transformar bananas
em governos?
uma porta
que só obedece ao sinal
do ombro respeitável?
o cão profissional
que morde à sexta-feira
a perna que contesta?
o dedo
de unha poluída
que aponta a única direcção?

esperar
o quê?
o riso explosivo
e quente
como um sexo de mulher
aberto em flor

a faca
a granada
o dia

13 dezembro, 2006

ladrão de sons mas guardador de sonhos

na espuma destes dias é tempo de me calar um pouco, pois
por silêncios também me digo. é tempo de furtar os excitan-
tes sons da noite, apanhar um nocturno táxi e, sintonizado na
minha doida rádio mistério, partir para um distante e exótico
país. divertir-me nos braços viciosos da lua, talvez aprender a
dançar. mesmo não tendo a agilidade do tigre, tenho a alma que
se inventa crioula.
na florescente alvorada, suavemente vencido pelo sono, deixar-
-me então cair exausto sobre a praia recôncava. que o mar venha
depois lamber meu corpo e que o alvoroçado canto dos pássaros
sublinhe meu feliz e sonhador sorriso.

12 dezembro, 2006

bons hábitos

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© 2006

11 dezembro, 2006

fintar a memória, #1 (postcard from new york))

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© 2006 (sobre postal com fotografia de Bedrich Grunzweig,
"Cigar Store on Christopher St.", New York, 1988)

Manhã. Esquálida manhã. Quase chove. Nestas ruas, parece
que filmam em todo o lado. Esta cidade podia ser tua. É como
nos filmes. Tal e qual. Esta ilha-cenário, este velho símbolo da
intrépida vontade humana. Os prédios altos de uma loucura
vertiginosa, as ruas um prodígio de caótica beleza. Entre o céu
e o chão, os nossos corpos minuscúlos como que configuram um
milagre irrepetível, sonho incessante em movimento, libertária
e vital energia, respirando quase embriagados o ar poluído como
se fosse o mais puro do universo...

Tarde. A luz foge. A cidade revela-se, aparece-me a preto e
branco. Já chove agora. Talvez não acredites que, mal saí do
metro, dei com esta imagem, com este mesmo postal. O Village é
um bairro incrível. Bares. Lojas e restaurantes de toda a sorte.
Cafés e bares à tua medida. Bares em que te perderias de amores,
de todos os amores. Chove vagarosamente. Estou feliz (estarei?),
viajar é este prazer inexplicável, quase me apetece sair por aqui a
cantar à chuva. Se viajar é perder países, perderei esta cidade por
ti. Perderei-me nela, percorrendo-a por ti. Saio agora, de novo,
para a rua, sob essa chuva cinzenta e suave que nem parece
molhar. Vou comprar cigarros.
Pensa em mim a fumar como naquele filme de que gostamos.
E sonha com meus beijos de fumo azul.

10 dezembro, 2006

puro

Hoje o mundo ficou mais limpo.
O ar que respiramos mais puro.

pulsar (nada) glauberiano

"(...) Ao longo dos últimos anos, Santa Maria da Feira não tem abdicado
de um gosto muito específico de apostar no cinema mais interessante que
vem do Brasil. Nessa aposta descobrem-se cineastas e confirmam-se
nomes. Melhor de tudo: evita-se aquele cinema brasileiro comercialão,
ainda com remendos estéticos provenientes da simplificação televisiva. Aí,
o critério do festival faz-se notar. Depois, claro, há as pessoas. Um acolhi-
mento que nos faz sentir em casa e que nos obriga a olhar para Santa Maria
da Feira de uma outra forma. É de gente boa que se faz este festival.
Mais do que qualquer outro festval de cinema em Portugal, a emergência
dos encontros informais faz-se com uma vibração cinéfila intensa. Os corre-
dores deste festival servem mais do que tudo como tertúlia espontânea. Ci-
neastas a falar com o público, críticos a falar com cineastas, vedetas a falar
com todos e por aí adiante. Nesse sentido, é um festival humano e nada
preso à ideia de clube fechado como certos festivais. Se a atmosfera sugere
descontracção, a contaminação de um sentimento de partilha luso-brasileira
faz-se sem cerimónias. Sente-se que neste espaço podem-se cruzar ideias e
aproximar naturalmente as gentes do cinema brasileiro com as do cinema
português. Sem complexos, sem estratagemas. A par disso, tenho a ideia de
que Santa Maria da Feira é perita em revelar novos realizadores, sejam bra-
sileiros, sejam portugueses. Para além de os revelar mistura-os. Isso é cora-
joso. Também é corajoso conseguir trazer grandes nomes. Assim de repente,
lembro-me que em Santa Maria da Feira já estiveram Walter Salles e Maitê
Proença. São apenas dois exemplos. Mais uma vez insisto: este é um festival
humano. Todos são convidados especiais. Por isso, quando me cruzo com
jornalistas brasileiros em festivais internacionais ouço a invariável pergunta:
«como está Santa Maria da Feira?». No Brasil, este festival adquire cada vez
mais uma aura de culto. Percebe-se muito bem porquê. Quem como eu acre-
dita cada vez mais em cinema brasileiro de longa-metragem só pode agra-
decer o carácter de vanguarda de Santa Maria da Feira."

("um testemunho feliz" de Rui Pedro Tenrinha, retirado do programa
do 10º Festival de Cinema Luso-Brasileiro de S.M.da Feira)

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© 2006

Um festival que, apesar das palavras transcritas acima, parece
ser mais apreciado, cultivado, saudado lá do outro lado do Atlân-
tico, do que aqui neste nosso irremediável cantinho.
Como é possível que numa sessão dedicada a Glauber Rocha - e
que quase esteve para contar com a presença de familiares e
outros seus representantes - estivessem apenas 4 ou 5 normais
espectadores, para além de uns 3 ou 4 membros participantes do
festival?! Como foi possível? Como foi possível ignorar uma ho-
menagem ao maior nome do cinema brasileiro, que constava da
exibição de "Di-Glauber", um seu polémico e raramente visto
documentário, proibido no Brasil pelas autoridades judiciais; e
ainda de "Dramática", um belíssimo filme realizado pela sua filha
Ava Gaitán Rocha; e, por último, "De Glauber para Jirges", poético
e tocante filme-epistolar realizado por André Ristum e montado
por Erik Rocha, também seu filho. Como foi possível, insisto?
O mau tempo não pode ser explicação para tudo...
Sinto que este festival, a comemorar um belo número redondo,
foi olimpicamente ignorado pela imprensa portuguesa, quase não
vi referências de efectivo relevo, em qualquer um dos órgãos
ditos de comunicação social...
É como se tudo o que foge ao eixo Lisboa-Porto não possa sequer
ter direito à existência, ser notícia pela positiva. É como se estas
cidades capitais precisassem de secar toda a vida cultural a ger-
minar fora dos seus (con)domínios; ou fizessem questão em anu-
lar qualquer qualquer projecto mais dinâmico e singular surgido
na "província", em aniquilar mesmo qualquer tentativa de afir-
mação descentralizadora...
E o Porto (apesar de grande parte dos frequentadores do festival
ser afinal portuense), confirma ser, uma vez mais, uma metrópole
terrivelmente adormecida, entorpecida, ensimesmada a todos os
níveis na sua própria pobreza...
Oxalá seja apenas uma pessimista impressão minha. Oxalá esteja
eu redondamente enganado.

09 dezembro, 2006

"eu sou o batman" *

* Devo e dedico este post a Moloi.
Pena ele não ter estado cá.

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"Edgard Navarro é um cineasta brasileiro importantíssimo que
urge revelar por todos os meios, devido à sua originalidade e
aos seus códigos particulares. Cineasta inquieto e visionário,
construiu uma obra interessantíssima fora dos principais eixos
de produção, realizando filmes que são pinceladas fortes na
criação de um quadro composto por elementos anárquicos
impactantes. Um cinema diletante e insubmisso que rejeita os
valores estabelecidos para nos expor o estado de alma de um
povo.
Uma mostra constituída por filmes ousados em que o lugar para
a experimentação não conhece limites.
Serão exibidos seis filmes, incluindo a pretensa trilogia freudiana
"Alice no País das Mil Novilhas"[oral], "O Rei do Cagaço"[anal] e
"Exposed"[fálico] feitos em Super 8.
Será, igualmente, mostrado "Superoutro", um ícone do cinema
brasileiro. Filme que, de certo modo, sintetiza toda a obra de
Edgard Navarro e, ao mesmo tempo, eleva-a ao ponto mais alto
do seu cinema. "Superoutro" é uma referência incontestável do
cinema brasileiro enquanto arte libertária."

(retirado do programa do 10º Festival de Cinema Luso-Brasileiro)

08 dezembro, 2006

entre árvores outonais

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© 2006

07 dezembro, 2006

tudo o magoa

tudo o magoa.
as cores jubilosas dos frutos,
um avião sulcando o gélido azul do céu
entre árvores outonais,
a pele perfeita de uma castanha bravia,
um casal de pardais numa alegria revolta,
num enamoramento breve de eternidade.
tudo o magoa,
o halo azedo das suas palavras
de escalavrados silêncios.

06 dezembro, 2006

"Encantatória", de Luiza Neto Jorge

Custa é saber
como se invoca o ser
que assiste à escrita,
como se afina a má-
quina que a dita,
como no cárcere
nu se evita,
emparedado, a lá-
grima soltar.


Custa é saber
como se emenda morte,
ou se a desvia,
como a tecla certa arreda
do branco suporte
a porcaria.

05 dezembro, 2006

noites frias



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© Porto, Dezembro, 2006


estas noites frias. estas noites tão cedo no dia.
luzes que viram lágrimas no meu olhar.
oh, que a cidade está tão vazia...
e assim fotochorei a cidade.
(e um assomo de nostalgia).

04 dezembro, 2006

dois amantes

dois amantes deixam-se cair e assim, ajoelhados, beijam-se.
beijam-se, devoram-se, roubam-se, quase se despedaçam.
sossegam. como que à espera de um beijo que os ali deixasse
colados para sempre. como se o amor pudesse ser puro diamante.
como se duas bocas pudessem saciar todas as sedes do mundo.
dois amantes beijam-se, desvelam-se, descobrem-se num largo
desejo de que o inverno ali acabe e se invente o ardente verão.
e assim se entregaram os corpos amantes, num lancinante
desejo que o inferno fosse apenas ali. e ali se consumisse.
que o secreto arco do amor ali se consumasse. como terno
e brando fogo. arroubo eterno.

03 dezembro, 2006

um poema de Luis Buñuel

A MIM FAZIA-ME JEITO

Lágrimas ou salgueiro sobre a margem
de dentes de ouro
de diamantes de pólen
como a boca de uma rapariga
de cujos cabelos brotava o rio
em cada gota um peixe
em cada peixe um dente de ouro
em cada dente de ouro um sorriso de quinze anos
para que se reproduzam as libélulas.

Quando o vento lhe destapa as coxas
é inocente uma donzela?

do livro "Os Poemas de Luis Buñuel" por J.F. Aranda, com
tradução de Mário Cesariny

02 dezembro, 2006

doce dança do tempo

Curiosas são as voltas do tempo.
Ouvir no quarto ao lado, a minha filhota de oito anos a cantarolar
"uma da manhã, ei, bem bom, duas da manhã, ei, bem bom..."

01 dezembro, 2006

descortinado o fim de portugal

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© Faro, Julho, 2006

maurizio cattelan

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Mini-me, Maurizio Cattelan, 1999


Maurizio Cattelan Once, a long time ago when I was in Italy, I
was working as a cleaning person in a laundry, and they found me
washing my own laundry at work. They said, 'What are you doing
here?' And I said, 'Washing! Washing my laundry! It's my uniform!
Where else am I going to do it?' They fired me. This was one of
the first times that I got fired. Another time was when I was
working in the church of Saint Anthony in Padua. I was working in
the gift shop selling little figurines of Saint Anthony, postcards and
so on. I was around thirteen at the time and was with a bunch of
friends. So we were taking a break and laughing. I had drawn
moustaches on the little statues. And when the priests found them,
they came straight to me, they didn't even ask the other twenty
kids who were working with me. Basically they knew it had to be
Maurizio's fault. So they came up to me and said, 'Maurizio. Why?'
Eventually, I learned to avoid being fired. By my third job, before
they fired me, I fired myself.

Nancy Spector And where was this?

Maurizio Cattelan In Italy. I worked in a morgue, and I was fed
up with it. I found a doctor who was willing to help me. In Italy we
have a system that if you are sick and can't work, your company
has to pay your salary anyway. Not bad. I was paying the doctor,
and he was giving me days off. I took about six months off; it was
fantastic. I was so young and the work was horrible. It's not written
anywhere that you have to work. It's not written that someone has
to pay because you can't work or because you don't want to work.
But that's life. I have always found a way to get things done. When
I was working, I was also going to school at night so my days were
often thirteen hours long. When I turned eighteen, I realized that
you need time for friends, for girlfriends, you need to have a normal
life. So basically I arrived at this line of work (making art) by
escaping from other jobs. Art gave me my time back. And it is not
so bad, but now I have to find ways to escape art.