"(...) Ao longo dos últimos anos, Santa Maria da Feira não tem abdicado de um gosto muito específico de apostar no cinema mais interessante que vem do Brasil. Nessa aposta descobrem-se cineastas e confirmam-se nomes. Melhor de tudo: evita-se aquele cinema brasileiro comercialão, ainda com remendos estéticos provenientes da simplificação televisiva. Aí, o critério do festival faz-se notar. Depois, claro, há as pessoas. Um acolhi-mento que nos faz sentir em casa e que nos obriga a olhar para Santa Maria da Feira de uma outra forma. É de gente boa que se faz este festival.Mais do que qualquer outro festval de cinema em Portugal, a emergência dos encontros informais faz-se com uma vibração cinéfila intensa. Os corre-dores deste festival servem mais do que tudo como tertúlia espontânea. Ci-neastas a falar com o público, críticos a falar com cineastas, vedetas a falar com todos e por aí adiante. Nesse sentido, é um festival humano e nada preso à ideia de clube fechado como certos festivais. Se a atmosfera sugere descontracção, a contaminação de um sentimento de partilha luso-brasileira faz-se sem cerimónias. Sente-se que neste espaço podem-se cruzar ideias e aproximar naturalmente as gentes do cinema brasileiro com as do cinema português. Sem complexos, sem estratagemas. A par disso, tenho a ideia de que Santa Maria da Feira é perita em revelar novos realizadores, sejam bra-sileiros, sejam portugueses. Para além de os revelar mistura-os. Isso é cora-joso. Também é corajoso conseguir trazer grandes nomes. Assim de repente, lembro-me que em Santa Maria da Feira já estiveram Walter Salles e Maitê Proença. São apenas dois exemplos. Mais uma vez insisto: este é um festivalhumano. Todos são convidados especiais. Por isso, quando me cruzo com jornalistas brasileiros em festivais internacionais ouço a invariável pergunta: «como está Santa Maria da Feira?». No Brasil, este festival adquire cada vez mais uma aura de culto. Percebe-se muito bem porquê. Quem como eu acre-dita cada vez mais em cinema brasileiro de longa-metragem só pode agra-decer o carácter de vanguarda de Santa Maria da Feira."("um testemunho feliz" de Rui Pedro Tenrinha, retirado do programado 10º Festival de Cinema Luso-Brasileiro de S.M.da Feira)
© 2006
Um festival que, apesar das palavras transcritas acima, parece
ser mais apreciado, cultivado, saudado lá do outro lado do Atlân-
tico, do que aqui neste nosso irremediável cantinho.
Como é possível que numa sessão dedicada a Glauber Rocha - e
que quase esteve para contar com a presença de familiares e
outros seus representantes - estivessem apenas 4 ou 5 normais
espectadores, para além de uns 3 ou 4 membros participantes do
festival?! Como foi possível? Como foi possível ignorar uma ho-
menagem ao maior nome do cinema brasileiro, que constava da
exibição de "Di-Glauber", um seu polémico e raramente visto
documentário, proibido no Brasil pelas autoridades judiciais; e
ainda de "Dramática", um belíssimo filme realizado pela sua filha
Ava Gaitán Rocha; e, por último, "De Glauber para Jirges", poético
e tocante filme-epistolar realizado por André Ristum e montado
por Erik Rocha, também seu filho. Como foi possível, insisto?
O mau tempo não pode ser explicação para tudo...
Sinto que este festival, a comemorar um belo número redondo,
foi olimpicamente ignorado pela imprensa portuguesa, quase não
vi referências de efectivo relevo, em qualquer um dos órgãos
ditos de comunicação social...
É como se tudo o que foge ao eixo Lisboa-Porto não possa sequer
ter direito à existência, ser notícia pela positiva. É como se estas
cidades capitais precisassem de secar toda a vida cultural a ger-
minar fora dos seus (con)domínios; ou fizessem questão em anu-
lar qualquer qualquer projecto mais dinâmico e singular surgido
na "província", em aniquilar mesmo qualquer tentativa de afir-
mação descentralizadora...
E o Porto (apesar de grande parte dos frequentadores do festival
ser afinal portuense), confirma ser, uma vez mais, uma metrópole
terrivelmente adormecida, entorpecida, ensimesmada a todos os
níveis na sua própria pobreza...
Oxalá seja apenas uma pessimista impressão minha. Oxalá esteja
eu redondamente enganado.