Ela a irromper radiosa pelo escritório, a irromper pelo meio da
tarde mansa, a luz deste outono de veraneio ateando um lume
breve na beleza dos seus cabelos finos, as mãozinhas escondidas
atrás das costas:
- Papá, tenho uma surpresa para ti!
- Ai que bom! E o que é, filhinha?
- Ta-ta-ta-tam!! - estendeu-me os braços, decidida, com um
sorriso orgulhoso a bailar-lhe nos lábios.
- Ah, que lindo! Que surpresa boa! Tu já estás a começar a
saber desenhar.
E ali estava a minha princesa de três anos, a olhar fixamente
para mim, num sorriso eterno, os olhos a piscar de alegria.
- E quem está aqui no desenho?, pergunto.
- É o sol e uma menina gira!
- Tu é que és a menina gira! Deixa-me dar-te um beijinho de
parabéns. Eu vou guardar este desenho muito bem guardado e
pôr aqui a data de hoje. Empresta-me uma das tuas canetas.
- Espera, pai! Falta desenhar a relva e uma estrada. Quero
fazer outro desenho. Dá-me mais folhas.
- Está bem, mas podias tentar, agora, desenhar a relva e o
o céu com outras cores.
- Eu não quero desenhar o céu, quero uma estrada.
- Está bem, princesa. Assim até é melhor, não havendo
céu, concerteza que também não haverá chuva...
Saiu, toda despachada, e voltou dali a pouco, os olhos a trans-
bordar de puríssimo contentamento.
- Está aqui outra surpresa para ti, pai!
- Ai, é? Outra?
- Mais um sol e uma rapariga fixe!
- Uau! Uma rapariga fixe e gira! Está tão engraçado! E a relva
tão verdinha. Deve estar a ser regada com muito carinho todos
os dias... Pronto, também vou guardar este desenho.
- Mas eu esqueci-me duma coisa, pai! Esqueci-me de fazer a
estrada!
- Está bem assim, filha. Com relva nem sequer se precisa de
estrada. Deixa lá, assim é que o desenho está perfeitinho.
- Então, vou fazer outro!
Uns minutos depois lá estava ela outra vez, agora já sem
esconder as mãos para anunciar a feliz surpresa.
- E o que é agora o desenho, filha?
- Agora és tu, a relva, mais o sol. E aqui são as paredes. Achas
que estás bonito?
- Sim, estou muito jeitoso! E isto aqui à volta parece mesmo
uma moldura.
- Mas são as paredes. E aqui, já estava a esquecer-me, está a
estrada. - disse, apontando para um único traço roxo na hori-
zontal, solto, no fundo da folha.
- Está bem, assim fico com uma estrada para levar a bicicleta
até ao jardim. Deixa-me dar-te mais um beijinho. A escolinha
está a fazer-te muito bem, já estás a aprender a desenhar
pequenas historinhas. Eu vou fazer uma colecção dos teus
desenhos.
- Ó pai, e depois vais pô-los aí no computador?
- Como adivinhaste tu, menina esperta?!