30 novembro, 2006

uma canção e uma colher de beijos para a menina primavera



apesar da chuva, este outono invernal tem tido muitos dias
radiosos. meus dias espantados de espantosas alegrias. de
íntimas vitórias. não sei se as mereço.
ainda assim, não disfarço agora meu primaveril sorriso.

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© Outubro, 2006



29 novembro, 2006

batam palmas e digam sim

aos dois meses da Rádio Mistério.
desta vossa rádio com manias de circo.
das estranhas alegrias e alegorias deste DJ Chike.




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28 novembro, 2006

compra iluminada

ou antes, a arte da compra?

(gosto tanto desses meus livros - mais ou menos usados, mais
ou menos manuseados, ou mesmo rasurados; mais ou menos
invendíveis - adquiridos quase ao preço da chuva. e gosto agora
ainda mais particularmente deste. como um segredo de ouro
sobre azul.)

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© 2006

27 novembro, 2006

o homem sem cara

"Quando vi na televisão uma reportagem sobre um homem que
perdeu parte da cara e ao mesmo tempo li as notícias sobre o
primeiro transplante mundial de rosto senti que havia matéria
suficiente para escrever uma peça de teatro.
Encontrei ainda informações bizarras quanto ao chamado pro-
gresso da ciência, isto é, o homem a quem fora feito o primeiro
transplante de mão pediu aos médicos para a removerem (por-
que a achava feia e grande demais) ; o homem chinês a quem
foi transplantado o pénis pediu para o retirarem (a mulher não
aceitou o novo órgão).
Compreendi que havia algo de lírico e trágico no meio disto tudo.
Afinal, quem sofre mais: o acidentado ou as pessoas que lhe
são próximas? Quem é ou quem foi a pessoa que doa o rosto?
Como se aguenta psicologicamente um transplante?
Chegámos às profundezas do ser e, como sabemos que arte é
reflexão e inquietação, avançámos, sem medo, para este des-
velar da alma."

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© Porto, 2006

As palavras acima são de Fernando Moreira, autor do texto e
também da encenação de "O Homem Sem Cara", peça levada ao
palco, nestes difíceis e chuvosos dias de Novembro, da Sala Latino
do Sá da Bandeira, pelo corajoso Teatro Art' Imagem.
O teatro precisava de assim ser mais vezes. Assim como foi desta
vez: com inteligente e certeira urgência, bem colado à realidade
mas espelhando os nossos medos e angústias ancestrais; dando
eco das nossas mais íntimas e irrespondíveis questões, dos nossos
mais irresolúveis dramas interiores.

E como este espaço também é uma espécie de fiel depositário das
minhas emoções e dos meus humores, faço questão de deixar-te
aqui, caríssimo Fernando, meu agradecido abraço. Estás sincera-
mente de parabéns. (Mas as minhas palavras serão sempre me-
díocres para sublinhar condignamente teu tão versátil e generoso
talento.)

26 novembro, 2006

Cesariny, nossa nobilíssima visão

l'eau impressioniste

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© Porto, Fevereiro 2006

25 novembro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #7

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© 2006 (bonecas sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims)

24 novembro, 2006

um poema de Luiza Neto Jorge

Coalhado vai o rio
de frutos sonegados.


«Apresenta-me um fruto
que antes de cair
não apodreça»
pede Fausto ao Diabo.

23 novembro, 2006

o riozinho da minha aldeia

A arte é mais bela que o rio que corre agora pela minha aldeia,
Mas a arte não é mais forte que o rio que corre pela minha aldeia
Porque a arte já não é o sangue que corre pela minha cidade.
O vetusto burgo tem grandes homens e artistas
E vigora nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória da liberdade.
O Porto livrou-nos talvez de Espanha e dos Mouros
E o Porto fundou o nome de Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha cidade
tornada agora aldeia.
E para onde ele vai
E para onde quer ir.
E por isso, porque ilude muita gente,
É mais turvo e insinuoso que o velho rio da minha invicta cidade.
Pelo Douro ia-se para o Mundo.
Para além do Douro só há agora o Tejo
E a pobre ventura daqueles que o procuram.
Toda a gente pensa agora mais no mar que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio que transformou a minha cidade não faz pensar em nada.
Estar ao pé dele é como estar ao pé do deserto.

22 novembro, 2006

música bastarda



Ora, música bastarda... mas é mesmo isso de que eu gosto!
Tom Waits é o meu trovador preferido, o maior génio musical
vivo da América. A América de que eu gosto. A América dos
nossos mais loucos sonhos.
Tenho música para os próximos meses. Não quererei ouvir mais
nada do que estas 56 canções, quase todas inéditas, quase todas
obras-primas. Mais de três horas de puro e absoluto deleite.
O velho aparelhozinho Sony já passou para o modo loop.
Abençoada música de gajos que só sabem berrar, de zaragateiros,
de almas degeneradas. Eu gosto deste tipo de desordeiros que
põem ordem no mundo.
Clássicos mas infinitamente longe dos cânones.

(atenção que o trecho a rodar aqui na Rádio Mistério não faz parte
do seu novo triplo-álbum...)

21 novembro, 2006

arrastar as asas

Chegam gaivotas aos telhados do velho casario,
enquanto o mar embravece.
O cínico olhar posto sobre o ramerrame
da vida dos homens.
As cristãs cruzes de granito,
como que suspensas no céu de tempestade.

Chegam as gaivotas, pousam sobre os telhados
como anjos na graça de pecar.
Disparam gargalhadas.
Iludem a divina omnisciência
iluminando o que só lhes apetece.
Lânguidos títulos da imprensa,
por exemplo.

E assim me entorpeço, e tropeço
em perguntas agitadas:
inupto ou inútil?

Sobre o cenário quase deserto da praça,
a olhar também os pombos,
encontro as lágrimas.
Morri já na infância?
Ou da infância trouxe a morte?

Que faço eu nesta janela?
Cerrada a boca a todas as sedes,
na saliva um travo de inveja,
o olhar voyeur
sobre a eterna corte dos pombos
e dos que passam.
Onde fiquei na infância?

Sem memória me encontro.
A mãe ficou-me na infância. Morreu.
Sobraram os pombos,
estilhaços de um lugar irregressável.

Inúbil? ou marujo?

A vida, essa, continua.
Marulha, é barulho leve.
Breve.

20 novembro, 2006

"lágrima de preto"

Uma belíssima crónica de Ferreira Fernandes, imperdível,
como quase todas as que assina regularmente no Correio da
Manhã. Não podia deixar de colocá-la aqui. Subscrevo todas as
suas palavras.

«Há medalhas várias mas nenhuma melhor do que em forma
de lágrimas. Portugal acaba de ganhar uma assim. De um
preto, como chamaram o outro dia ao Mantorras. Pois, um
preto, desses das obras, desses que vem para cá comer o pão
dos portugueses, o Francis Obikwelu, disse anteontem: "Se
não fosse Portugal, não sei como seria a minha vida." Dito isso,
desatou a chorar. António Gedeão tem um poema que fala de
uma lágrima de preta que, depois de metida num tubo de en-
saio e analisada, deu: "Água (quase tudo)/e cloreto de sódio."
Reconheço a receita: foi o que me correu pela cara, há dois
anos, em Atenas, por causa de um preto. Chora, Francis
Obikwelu? Não é nada que eu já não tenha feito por si. Escu-
sava era de me obrigar a dizer, mais uma vez, o que lhe devo:
obrigado.»

19 novembro, 2006

a família em pecado

A mãe insiste no quarto arrumado.
O pai brande feroz o berro escusado.
O irmão puto a gabar-se do golo inventado.
A irmã lavando a louça, o corpo todo cansado.
O outro, a congeminar o poema do desterrado.

18 novembro, 2006

de mulher para mulher



o regresso da vossa rádio mistério.
música com alma.
uma voz quente, envolvente.
uma acalorada voz para melhor se saborearem estes primeiros
e tardios frios do outono.
o lento cântico da chuva. a música deslizando suave.
mulheres. coisas do amor e do ciúme. marcação de território.
conversa de mulher para mulher.
canção bárbara.
uma das minhas preferidas

17 novembro, 2006

a insustentável beleza de blogar

um novo blogue a descobrir. um belo e cinemático blogue.
miss woody e miss allen são as autoras de tal façanha,
de tão intenso regabofe.

a força dos blogues

Cinco das dez citações da habitual rubrica «diz-se» do jornal
Público de anteontem, quarta-feira, foram tiradas de blogues.
Cinquenta por cento, portanto. Já ninguém passa sem eles. Já
ninguém pode ignorar da sua relevância, da criatividade sem
freios, dos profundos debates de toda a ordem ou espécie, do
resgate da memória, dos exercícios de cidadania e lições de
democracia, da escrita ou reescrita tanto da pequena como da
grande história, das mil e uma coisas que por lá fervilham ou
inventam, importa muito pouco se a esmagadora maioria (os
tais 90%...) é pouco mais que lixo...
Universo incontornável, apenas. (E até quando incontrolável,
indomável?)
A liberdade está passar por ali.
Por aqui.

16 novembro, 2006

burgo-donut

Constatação-provocação (e contra mim falo):
A baixa do Porto já não existe.
A verdadeira baixa do Porto é no Norte-Shopping: pulsante e
pujante centro comercial das classes médias, mais ou menos
burguesas, desta estranha e incatalogável metrópole. Aquilo
que, realmente, um velho e histórico centro devia ser.
(E quando digo o Norte, refiro-me também às outras, a todas as
outras grandes superfícies comerciais de sucesso).
O Porto, apesar da alma ainda convicta, já não é a invicta cidade.
O centro do Porto está vazio sem remissão. Mal sobrevive.
Esvaído. Vencido da vida. Vão e ilusório património da humani-
dade. O Porto precisava de um milagre de 50 a 100 mil novos
habitantes, assim de um dia para o outro! E que se pudesse
implodir a maioria dos shopping-centers!!
Não sei se o Porto terá algum dia solução, se voltará a ser um
burgo digno e vibrante, a fazer justiça e a ser leal à sua própria
história. Não sei, pouco sei, nada sei.
Mas não será concerteza para os meus olhinhos.

15 novembro, 2006

Anônimo

Mais um poema que aqui trago da imortal
Ana Cristina César.


Anônimo

Sou linda; gostosa; quando no cinema você roça o ombro em
mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo, que me assa
viva, comendo coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é escuro
e a tela não importa, só o lado, o quente lateral, o mínimo
pavio. A portadora deste sabe onde me encontro até de olhos
fechados; falo pouco; encontre; esquina de Concentração com
Difusão, lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.

14 novembro, 2006

a vida a correr

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© Novembro, 2004

13 novembro, 2006

o morcego e a bela castanha

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© Novembro, 2004


[-Escreves tu uma frase que eu escrevo outra, está bem
filhinha? Vamos ver se conseguimos imaginar e escrever
uma pequena historieta a duas mãos. -Começo eu, pai!]

Era uma vez um morcego-bebé que, numa bela tarde de sol de
novembro, caiu apaixonado por uma linda castanha. A castanha
era muito bonita, realmente. Ela era a princesa das castanhas.
Talvez fosse princesa mas ninguém tinha a certeza, pois ela não
trazia nenhum vestido faustoso, nem qualquer espécie de tiara
ou coroa sobre a cabeça. Pelo contrário: ela não trazia mesmo
nadinha no corpo. Estava nuazinha. Parecia que estava a bron-
zear-se ao sol. E já devia mesmo ter apanhado muito sol, pois
estava muito morenita. O morcego-bebé e a princesa castanha
tiveram muita vergonha um do outro. Mas não sabemos se che-
garam a ficar corados.

[-Ó pai, tu escreves frases muito compridas e coisas um pouco
idiotas. A história assim vai ficar meia-maluca. -Mas é mesmo
isso que eu quero, filha. Como aquela história dos Brincalhões
que tu gostas tanto, lembras-te?, daquele livro muito engra-
çado que tantas vezes já te li à noite, do senhor Mack quase a
pisar o cócó quando ia a levar os seus filhotes à escola.]


A princesa pensou para si mesma que não gostaria de beijar
coisinha tão feia e peluda. Ai não, não! Logo ela que tinha uma
pele tão bem cuidada e sedosa. Dura por fora, sim, mas doce por
dentro. Logo ela que era uma menina tão solar. E ali aquele
atrevidito serzinho, parecendo tão perdido de si mesmo, tão
orelhudinho, com patinhas de um negro tão horrendo. Não, ela
não quereria nada com esse morceguito de hábitos tão noctíva-
gos, de intenções algo vampirescas.

[-Ó papá, assim não vale, estragas a história toda com essas pa-
lavras difíceis que eu nunca ouvi na vida! Não quero jogar mais
este jogo. Vamos lá acabar com a estúpida história.]


Não, não se beijaram, nem foram felizes para sempre. O verão
de São Martinho não é propício a amor tão surreal.

[Continuo a não gostar, até já estava a parecer que ia acabar
tão bem e depois vieste com essa treta do sujo real. Para mim,
e disso devo avisar já os futuros leitores, a história é apenas
tua, não tenho nada a ver com ela, eu até queria que eles se ca-
sassem e tivessem muitos filhos no final. -Mas filha, não me
parecia nada lógico que os morcegos gostassem de casar com
castanhas, e depois dormissem com elas, e que depois tivessem
tantos filhos que desse até para fazer um magusto. Seria talvez
um pouco aberrante. -Mas foste tu, papá, quem disseste que a
nossa historinha não tinha que ter qualquer semelhança com a
realidade, tal como aquele aviso que aparece no final dos
filmes.]


A castanha, bem assadinha primeiro, acabou assim depois, feita
papa na minha barriga e quanto ao morcego não sei, não sei o que
o Douro e o Nilo, ou algum gato mais danadinho, lhe pudessem
ter feito, nem toda a gente, quanto mais inocentes animais, sabe
brincar com bebés...

[-O meu pai é tolo. -Na verdade, filhita, eu não sabia como dar
um fim a isto... -Então, não tinhas nada que falar dos cães dos
avós. -Isto, filhota, eu sei que não é propriamente uma história
para crianças, é uma espécie de história infantil para meninos

mais crescidos, um pouco tonta e infeliz, é certo, mas que espe-
ro, quem sabe, venhas a gostar de lê-la no futuro, e possamos
então rir os dois à gargalhada de tanto disparate que fizemos
juntos. Ó pai, mas o futuro é muito longe!]

12 novembro, 2006

gesto de resistência

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© Porto, 2006

Contra a decadência e a morte tantas vezes pronunciada e
anunciada da Baixa, mais um gesto de resistência, de não
conformismo, mais um acto de carinho pelo coração moribundo
do Porto que parece estar a morrer a cada dia que passa.
Abriu ontem, dia de São Martinho, dia em que se ofereceu cas-
tanhas e vinho, mais um espaço de actividades culturais na
nossa cada vez mais pobre cidade.
A GESTO-Cooperativa Cultural deixou assim a bela casa da
Travessa do Ferraz, depois de 18 anos ali instalada num gesto
bem pioneiro para tão agreste local, e veio agora instalar-se na
Rua Cândido dos Reis, num desses mal aproveitados quarteirões
de perfil quase parisiense, entre os Aliados e os Leões. Uma loja
e galeria onde podem ser encontrados os mais diversos produtos
culturais, desde artesanato a doçaria tradicional, desde adereços
e objectos de design a alguns livros e discos e, sobretudo, pintu-
ras, gravuras e serigrafias de autores de Portugal, Brasil, Cabo
Verde e Moçambique, em resultado dos vários intercâmbios e
relacionamentos encetados ao longo destes últimos anos com
esses países irmãos. O espaço da galeria, na sua primeira expo-
sição, abriu com trabalhos do escultor Carlos Lopes.
Parabéns então à Gesto, a este seu gesto de venturosa esperança
numa cidade melhor, e o desejo de uma longa vida para esta sua
nova morada. Uma longa vida a esta casa de fraternidade, a esta
casa de sorriso franco e aberto. A melhor vacina contra a impos-
tura e a estupidez do deserto, pois o último a rir é quem decerto
rirá melhor...

11 novembro, 2006

chinês ao sargaço

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© Porto, 2006

10 novembro, 2006

der mann in fahrstuhl



isto é, o bom e o mau rapaz.
e sua elevator music.


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© 2006

09 novembro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #6

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© 2006 (brinquedos sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims)

08 novembro, 2006

a vida gira


© Francisco Carvalho, Porto, 2006

07 novembro, 2006

as trevas, entre o vício e o ofício

" atreve-te a confessar já é tarde estás a chegar a velho e ainda
não conheceste o que os técnicos chamam o amor nobre para isso
talvez seja necessário acreditar em alguma coisa e tu não acredi-
tas a não ser em mui imediatas evidências um avião derrubado os
assimétricos mamilos de uma mulher o sol a pôr-se sobre o hori-
zonte da planura a poesia de goethe a guerra virando-se contra o
homem uma ermida romântica tu nem sequer amaste nem foste
amado talvez seja mais compreensível a primeira hipótese do que
a segunda não te deves queixar do muito que as mulheres te de-
ram mais do que tu a elas sem dúvida não desvalorizes a lógica
probabilidade de seres um homem adorável e odioso ao mesmo
tempo não o sabes nem te interessa os outros também não sabem
mas interessa-lhes "

do livro ofício de trevas 5 de Camilo José Cela.


Um livro dos meus verdes anos. Dos meus fascinados verdes
anos. Ainda o polémico e genial escritor não tinha recebido o
nobel.
Foi com este estranho romance que primeiramente e, por-
ventura, melhor aprendi que a literatura podia ter muitos e
insuspeitos caminhos, que a literatura podia ser tanta outra
coisa... que muitos universos ( reais? surreais? irreais?) se
podiam parir e desmultiplicar a partir da realidade ou da sua
memória...
Reza assim na contracapa: "(...) Não existe concessão alguma à
linguagem coloquial, à ideia argumentativa, ao leitor, numa pa-
lavra, é uma obra aberta, em que a participação é imprescindível
para a compreensão e o deleite. Só quem seja capaz de seguir o
guia até final, quem com ele oficie no ofício de trevas, conhecerá
a grandiosa beleza dos seus sonhos, a amarga verdade dos seus
juízos."
Foi escrito pelo autor espanhol (nascido na Corunha, em 1916)
em Palma de Maiorca, entre o dia de defuntos de 1971 e a semana
santa de 1973. Assim mesmo o assinala no fim do livro.
Creio ter sido nesse mesmo ano publicado em Espanha e apenas
em abril de 78 (derrubada a ditadura e varrida ou disfarçada a
censura!... é ir vendo o Abrupto Pacheco Pereira...) teve edição
nacional, com tradução (que imagino intocável) de Pedro Tamen.
Mãos amigas emprestaram-mo lá pelos alvores dos anos 80. Mais
tarde, em 95, comprei-o a preços de saldo, provavelmente, numa
feira do livro. Nunca o esqueci. Volto de vez em quando a ele.
Abro-o à sorte. E saboreio de novo a originalidade dessas páginas,
dessas 1194 mónadas que constituem esse livro sem qualquer
vírgula, uma única que seja. O algarismo que figura no título do
romance, ao contrário do que possa parecer, não significa quinto,
representa antes um ordinal alógico, paradoxalmente abstracto,
flutuante e indeterminado.
Concerteza que aqui voltarei a este excepcional romance, a esta
narrativa tão pouco politicamente correcta; tal a luz destas trevas.
Louca e lúcida luz.

06 novembro, 2006

caminhos da luz

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05 novembro, 2006

com chave mutável

um poema de Paul Celan
(com tradução de João Barrento e Y.K. Centeno)

COM CHAVE MUTÁVEL

Com chave mutável
abres a casa em que
vagueia a neve daquele que foi silenciado.
Conforme o sangue que te brota
dos olhos, da boca ou dos ouvidos,
muda a tua chave.

Muda a tua chave, muda a palavra
que pode vaguear com os flocos.
Conforme o vento que te empurra
assim aumenta a neve em torno da palavra.

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04 novembro, 2006

por favor, sirvam-se

champanhe. palavras borbulhantes de desejo.
prelúdios de um romance. canção do bandido.
almas intoxicadas.

03 novembro, 2006

de noite

de noite todos os gatos são pardos.
de noite todos os medos são fardos.
de noite todos os beijos são dardos.
de noite todos os versos são cardos.

02 novembro, 2006

de serralves à favela tudo se canta na minha janela





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01 novembro, 2006

o que não se disse dos céus

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