as trevas, entre o vício e o ofício
" atreve-te a confessar já é tarde estás a chegar a velho e ainda
não conheceste o que os técnicos chamam o amor nobre para isso
talvez seja necessário acreditar em alguma coisa e tu não acredi-
tas a não ser em mui imediatas evidências um avião derrubado os
assimétricos mamilos de uma mulher o sol a pôr-se sobre o hori-
zonte da planura a poesia de goethe a guerra virando-se contra o
homem uma ermida romântica tu nem sequer amaste nem foste
amado talvez seja mais compreensível a primeira hipótese do que
a segunda não te deves queixar do muito que as mulheres te de-
ram mais do que tu a elas sem dúvida não desvalorizes a lógica
probabilidade de seres um homem adorável e odioso ao mesmo
tempo não o sabes nem te interessa os outros também não sabem
mas interessa-lhes "
do livro ofício de trevas 5 de Camilo José Cela.
Um livro dos meus verdes anos. Dos meus fascinados verdes
anos. Ainda o polémico e genial escritor não tinha recebido o
nobel.
Foi com este estranho romance que primeiramente e, por-
ventura, melhor aprendi que a literatura podia ter muitos e
insuspeitos caminhos, que a literatura podia ser tanta outra
coisa... que muitos universos ( reais? surreais? irreais?) se
podiam parir e desmultiplicar a partir da realidade ou da sua
memória...
Reza assim na contracapa: "(...) Não existe concessão alguma à
linguagem coloquial, à ideia argumentativa, ao leitor, numa pa-
lavra, é uma obra aberta, em que a participação é imprescindível
para a compreensão e o deleite. Só quem seja capaz de seguir o
guia até final, quem com ele oficie no ofício de trevas, conhecerá
a grandiosa beleza dos seus sonhos, a amarga verdade dos seus
juízos."
Foi escrito pelo autor espanhol (nascido na Corunha, em 1916)
em Palma de Maiorca, entre o dia de defuntos de 1971 e a semana
santa de 1973. Assim mesmo o assinala no fim do livro.
Creio ter sido nesse mesmo ano publicado em Espanha e apenas
em abril de 78 (derrubada a ditadura e varrida ou disfarçada a
censura!... é ir vendo o Abrupto Pacheco Pereira...) teve edição
nacional, com tradução (que imagino intocável) de Pedro Tamen.
Mãos amigas emprestaram-mo lá pelos alvores dos anos 80. Mais
tarde, em 95, comprei-o a preços de saldo, provavelmente, numa
feira do livro. Nunca o esqueci. Volto de vez em quando a ele.
Abro-o à sorte. E saboreio de novo a originalidade dessas páginas,
dessas 1194 mónadas que constituem esse livro sem qualquer
vírgula, uma única que seja. O algarismo que figura no título do
romance, ao contrário do que possa parecer, não significa quinto,
representa antes um ordinal alógico, paradoxalmente abstracto,
flutuante e indeterminado.
Concerteza que aqui voltarei a este excepcional romance, a esta
narrativa tão pouco politicamente correcta; tal a luz destas trevas.
Louca e lúcida luz.
não conheceste o que os técnicos chamam o amor nobre para isso
talvez seja necessário acreditar em alguma coisa e tu não acredi-
tas a não ser em mui imediatas evidências um avião derrubado os
assimétricos mamilos de uma mulher o sol a pôr-se sobre o hori-
zonte da planura a poesia de goethe a guerra virando-se contra o
homem uma ermida romântica tu nem sequer amaste nem foste
amado talvez seja mais compreensível a primeira hipótese do que
a segunda não te deves queixar do muito que as mulheres te de-
ram mais do que tu a elas sem dúvida não desvalorizes a lógica
probabilidade de seres um homem adorável e odioso ao mesmo
tempo não o sabes nem te interessa os outros também não sabem
mas interessa-lhes "
do livro ofício de trevas 5 de Camilo José Cela.
Um livro dos meus verdes anos. Dos meus fascinados verdes
anos. Ainda o polémico e genial escritor não tinha recebido o
nobel.
Foi com este estranho romance que primeiramente e, por-
ventura, melhor aprendi que a literatura podia ter muitos e
insuspeitos caminhos, que a literatura podia ser tanta outra
coisa... que muitos universos ( reais? surreais? irreais?) se
podiam parir e desmultiplicar a partir da realidade ou da sua
memória...
Reza assim na contracapa: "(...) Não existe concessão alguma à
linguagem coloquial, à ideia argumentativa, ao leitor, numa pa-
lavra, é uma obra aberta, em que a participação é imprescindível
para a compreensão e o deleite. Só quem seja capaz de seguir o
guia até final, quem com ele oficie no ofício de trevas, conhecerá
a grandiosa beleza dos seus sonhos, a amarga verdade dos seus
juízos."
Foi escrito pelo autor espanhol (nascido na Corunha, em 1916)
em Palma de Maiorca, entre o dia de defuntos de 1971 e a semana
santa de 1973. Assim mesmo o assinala no fim do livro.
Creio ter sido nesse mesmo ano publicado em Espanha e apenas
em abril de 78 (derrubada a ditadura e varrida ou disfarçada a
censura!... é ir vendo o Abrupto Pacheco Pereira...) teve edição
nacional, com tradução (que imagino intocável) de Pedro Tamen.
Mãos amigas emprestaram-mo lá pelos alvores dos anos 80. Mais
tarde, em 95, comprei-o a preços de saldo, provavelmente, numa
feira do livro. Nunca o esqueci. Volto de vez em quando a ele.
Abro-o à sorte. E saboreio de novo a originalidade dessas páginas,
dessas 1194 mónadas que constituem esse livro sem qualquer
vírgula, uma única que seja. O algarismo que figura no título do
romance, ao contrário do que possa parecer, não significa quinto,
representa antes um ordinal alógico, paradoxalmente abstracto,
flutuante e indeterminado.
Concerteza que aqui voltarei a este excepcional romance, a esta
narrativa tão pouco politicamente correcta; tal a luz destas trevas.
Louca e lúcida luz.
4 Comentários:
Beijings for all. Here in Beijing the dark is blue.
:))))))))))))
_________________iluminadamente.
beijo.
Ler é um exercício inútil :)
Econtrei-me com Camilo José Cela no «Vagabundo ao Serviço de Espanha». É um assombro... gracias!
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