houve um tempo em que li muito a llansol.
li sofregamente. li como um verdadeiro apaixonado. não queria
outra coisa.
lia maravilhado. estontecido. lia mesmo o que não entendia.
lia, com espanto juvenil, uma escrita que se me afigurava de um
labor divino. uma escrita profunda e singularmente pura, tecida
das mais sábias revelações. sublime prática poética. sageza subtil
que eu não encontrava em mais ninguém na nossa mátria língua.
houve um tempo em que não tinha dinheiro para livros.
abandonara a faculdade e, por consequência, acabara-se a
paternal mesada. tudo o que lia era praticamente emprestado ou
oferecido. o pouco dinheiro que ganhava num ou noutro trabalho
pontual, guardava-o para as infindáveis noites de sexta ou sábado
passadas com os amigos nos cafés, num tempo em que cem
escudos davam para uma suave bebedeira de três ou quatro
cervejas. ou, muita vezes também, para umas horas a jogar bilhar.
ou, então, para os filmes. os muitos filmes, num tempo em que ir
ao cinema era ainda uma espécie de acontecimento social.
houve um tempo em que cometi um ou outro católico pecado.
(porque dessa culpa nunca me livrei...)
um tempo em que roubei alguns livros. assim nasceu o meu
primeiro livro da Llansol.
hoje não consigo perceber como fui capaz. bem sei que nunca
consegui sentir esses actos como verdadeiros furtos mas antes
como frutos de uma verdadeira causa amante.
não me sinto arrependido. tudo era aprendizagem. fez parte do
meu crescimento. ainda por cima, fazia-o em dupla com uma
namorada de então, o que exarcebava a vertigem cleptómana e
nos dava aos dois uma espécie de aura de
bonnie & clide de
intenções romântica e benignamente literárias e, portanto,
perfeitamente desculpáveis.
aqui deixo a imagem do livro, por mim fotomontado, para vos
dar conta do seu número tão baixo numa edição de apenas dois
mil exemplares e da anotação algo garbosa que nele lavrei.