30 abril, 2009

o velho do futuro

"Esta semana, sem me dar conta, enlevado, só ouvi música 
de velhos, cantada com vozes velhas: o novo de Dylan (68 
anos em Maio); o novo do Caetano (67em Agosto); o novo ao 
vivo de Leonard Cohen (75 em Setembro) e o concerto de 
2004 de João Gilberto (78 em Junho) em Tóquio. Ensinam a 
envelhecer como deve ser? Sei lá. São é bons de ouvir.
(...)

Estou convencido que daqui a 100 anos, quando toda a 
música popular do nosso tempo soar como nos soa agora a 
música de 1909, a única que se conseguirá ouvir,
que será capaz de se levantar das tralhas das modas e das 
técnicas, é a música de João Gilberto. Não toda: só aquela 
em que é só ele e o violão. (...)."


( Uma crónica excelente do Miguel Esteves Cardoso. Cada vez mais 
imperdível o seu cantinho diário no Público.)

29 abril, 2009

sapatos vermelhos

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© Porto, 2009

28 abril, 2009

coser o silêncio dos dias

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© 2009

26 abril, 2009

nocturno

de Cesare Pavese


A colina é nocturna, no céu claro.
Nela se enquadra a tua cabeça, que mal se move
e acompanha o céu. És como uma nuvem
entrevista pelos ramos. Ri-se-te nos teus olhos
a estranheza dum céu que não é o teu.

A colina de terra e folhas encerra
com a sua negra massa o teu olhar vivo,
a tua boca tem a prega duma doce cavidade
no meio das encostas distantes. Pareces brincar
à grande colina e à claridade do céu:
para me dares prazer, repetes a paisagem antiga
e torna-la mais pura.

Mas vives noutro lugar.
O teu terno sangue fez-se noutro lugar.
As palavras que dizes não têm comparação
com a tristeza áspera deste céu.
És apenas uma nuvem dulcíssima, branca,
que uma noite ficou presa nos ramos antigos.





(retirado de "Trabalhar Cansa", edição da Cotovia com tradução
de Carlos Leite)

25 abril, 2009

abril revoluções mil

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© Porto, 2008

24 abril, 2009

agit prop

Por ter-me enchido hoje de tanta emoção ao ouvir a Grândola do 
Zeca Afonso nas vozes —e na língua! — destes finlandeses...

23 abril, 2009

os anéis do poder

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© 20 abril 2009

22 abril, 2009

a evoluída doutora tatiana

"É espantoso que os seres humanos sejam tão bonzinhos como são.
Pensamos em nós como sendo bastante violentos, e somos. Mas a
maioria dos outros mamíferos são mais. Em algumas espécies de
esquilos, um quarto das crias são mortas por outro membro da sua
espécie. O problema é o tipo que vive ao lado. Os humanos são muito
invulgares, por conseguirem viver juntos em densidades populacio-
nais tão grandes. Não há nada parecido com as cidades no reino
animal. Uma das razões porque é difícil criar aranhas é porque se
matam umas às outras. Os humanos têm uma grande capacidade para
a violência, mas na maior parte do tempo não somos violentos.
Comecei a falar disto porque há 18 meses pediram-me para escrever
um artigo sobre se seríamos egoístas ou generosos por natureza [re-
vista The Atlantic]. Depois de muita agonia, cheguei à conclusão de
que, para mim, a pergunta não fazia sentido. Quase toda a gente é
ambas as coisas. Há muito poucas pessoas que sejam inquestionavel-
mente más, egoístas, ou completamente boas e generosas. A natureza
humana é muito mais multifacetada, mais complexa. E descobrimos
que há mutantes ao nível comportamental: as pessoas com síndrome
de Williams podem memorizar a frase "não fales com estranhos", mas
não conseguem agir dessa maneira. Estas pessoas têm menos uns 20
genes e parece óbvio que pelo menos alguns estarão relacionados com
a desconfiança! Não conseguem desconfiar.


Mas não costumamos pensar em nós de uma forma assim tão opti-
mista, vemo-nos como uma espécie violenta...


Acho que isso é porque não vemos o que se passa noutras espécies. E
também me parece que hoje somos menos violentos do que há mil anos.
A pessoa com maiores probabilidades de te matar de forma violenta és
tu própria, o teu reflexo no espelho. O suicídio é muito mais comum do
que o homicídio. Isto serve também para demonstrar que os humanos
são relativamente não violentos, uma vez que somos o nosso maior
problema! Na verdade, somos uma espécie muito simpática, em geral.




(no "Público" de 18 de Março, entrevista assinada por Clara Barata à
famosa (e elegantérrima!) bióloga e escritora Olivia Judson, autora
do livro "O consultório da Drª Tatiana para Toda a Criação")


20 abril, 2009

a vida sem arte

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© Porto, Dezembro 2008

19 abril, 2009

le non-travail

"Et écrire non plus, non, je ne crois pas que ce soit du travail. 
Je l'ai cru longtemps, je ne le crois plus. Je crois que c'est un 
non-travail. C'est atteindre le non-travail. Le texte, l'équilibre 
du texte, c'est un espace en soi qu'il faut retrouver. Ici je ne 
peux plus parler d'une économie, d'une forme, non, mais d'un 
rapport de forces. Je ne peux pas dire plus que ça. Il faut arriver 
à dominer ce qui survient tout à coup. Lutter contre une force 
qui s'engouffre et qu'on est obligé d'attraper sous peine qu'elle 
passe outre à soi et se perdre. Sous peine d'anéantir sa cohérence 
désordonnée et irremplaçable. Non, travailler, c'est faire ce vide 
pour laisser venir l'imprévisible, l'évidence. Abandonner, puis 
reprendre, revenir en arrière, être inconsolable autant d'avoir 
laissé que d'avoir abandonné. Déblayer de soi. Et puis parfois, 
oui, écrire. Tous, on cherche ces instants où on se retire de soi-
-même, cet anonymat à soi-même que l'on recèle. On ne sait pas, 
on ne sait rien de tout cela qu'on fait.
L'écriture, avant tout, témoigne de cette ignorance, de ce qui est 
susceptible de se passer lorsqu'on est là, assis à la table dite de 
travail, de ce qu'engendre ce fait matériel-là, d'être assis devant 
une table avec de quoi former les lettres sur la page non encore 
atteinte."


(retirado de "Les yeux verts" de Marguerite Duras)

17 abril, 2009

o rumor do mar

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© 2009

16 abril, 2009

mais do livro do frio


Falam os mananciais na noite, falam nos ímanes do
silêncio.


Sinto a suavidade das palavras esquecidas.






retirado do "Livro do Frio" de Antonio Gamoneda

15 abril, 2009

canção da alma caiada

de Antonio Cicero



Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar

Mas às vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.

Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.

De dia caio minh'alma
Só à noite caio em mim
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.

13 abril, 2009

01:40/10:07, noite de páscoa

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© 2009

11 abril, 2009

haiku pascal

Pedrinha rosada e doce
esmagada entre molares —
é amarga a santa noite.

08 abril, 2009

essa coisa da felicidade*

das Crónica Americanas 
de Sam Shepard



A felicidade
cai 
no lado errado
da Sorte

A felicidade 
cai
longe das minhas mãos

A felicidade
despenha-se 
entre as árvores

toda a gente se queixa.


27/7/81
San Fernando Valey


(* título apenas do 'post', o poema não o tem.)

07 abril, 2009

jovem músico

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© 2009

06 abril, 2009

a musa deste blogue


 Ana Cristina César

Atrás dos olhos das meninas sérias


Aviso que vou virando um avião. Cigana do horário nobre do
adultério. Separatista protestante. Melindrosa basca com
fissura da verdade. Me entenda faz favor: minha franqueza era
meu fraco, o primeiro side-car anfíbio nos classificados de aluguel. 
No flanco do motor vinha um anjo encouraçado, Charlie's Angel
rumando a toda para o Lagos, Seven Year Itch, mato sem cachorro.
Pulo para fora (mas meu salto engancha no pedaço de metal?), não
me afogo mais, não abano o rabo nem rebolo sem gás de decolagem.
Não olho para trás. Aviso e profetizo com minha bola de cristais 
que vê novela de verdade e meu manto azul dourado mais pesado 
do que o ar. Não olho para trás e sai da frente que essa é uma 
rasante: garras afiadas, e pernalta.

05 abril, 2009

momentos*


"Gosto de me segurar ao sorriso de um longo amigo, que há muitos 
anos me contou – assegurou - que existem poemas para todos os 
momentos da nossa vida. Lembro-me muito bem desse dia, das 
cores, dos cheiros, da luz. Da luz sobre o Tejo. Lisboa. Lembro-me 
que senti nas palavras dele a certeza de muitas partidas, de muitas 
viagens dentro e fora da pele, de muitas buscas pelos poemas que 
iriam – e estão – a escrever a minha vida.

Partindo, encontrando-me, aos poucos, fui parar a muita gente. 
Especial. Muito especial. Pelo caminho, recente, os sorrisos do 
Daniel e da Teresa entraram na minha caixinha de surpresas. Em 
Cuba, aprendi um bocadinho do Brasil. Brincámos com as palavras 
seguradas no ritmo das ancas, com o samba que a Teresa jurava 
saber e que o Daniel garantia que não... As conversas! Tantas… entre 
o meu pequeno-almoço e o café da manhã nas gargalhadas dos meus 
amigos brasileiros, entre as nossas históricas diferenças e semelhan-
ças, o riso feliz de quem se deixa ir pelos dias. E entre as palavras e o 
calor que se tatuava na pele, também Hilda. De mansinho, sem se 
impor, umas quantas histórias, os cães da Casa do Sol. Pouco mais. 
A promessa imensa de ler e ficar a conhecer. A Fundação, o sentido 
para as coisas, o traço forte, o vermelho da vida…

No regresso a Portugal, a euforia de criar. Num atropelo de vontades, 
compartilho com o Luís (que há-de voltar a entrar e a fazer música 
nesta história). Dou-me em frases, afirmo-lhe ao mesmo tempo que 
lhe pergunto e lhe peço «vamos fazer isto, vamos fazer aquilo!». 
Recebo o portal da Hilda Hilst e um sorriso quente do outro lado do 
oceano. Leio, cheia de gula, para ter a certeza que os sentimentos são 
universais. Escolho um. É imediato. 
«Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.»

Delicio-me nas entrelinhas. Ofereço-o como papel de embrulho para 
um presente que nunca chegaria – nem chegará - a fazer parte do 
meu tempo real. Mas outros chegaram. Um, foi feito de tantos 
amigos, que choro de carinho por dentro de uma noite feliz.
Do Brasil, o Daniel e a Teresa enviaram-me uma carta e um poema 
de Hilda «para festejar seu aniversário, Eduarda».

« (…) Por que não tentas esse poço de dentro
O incomensurável, um passeio veemente pela vida?
Teu outro rosto. Único. Primeiro. E encantada de ter teu rosto 
verdadeiro, desejarias nada.»

E tanta coisa por dizer. Tanta coisa a sentir.

E tantos momentos a serem selados com poesia. Hilda faz parte. 
Entre as páginas de um livro, dois poemas entregues em mão, em 
mãos frias. «Se te pareço imperfeita e nocturna, olha-me de novo. 
Porque esta noite, olhei-me a mim, como se tu me olhasses, e era 
como se a água, desejasse sair de sua casa que é o rio, e deslizando
apenas, nem tocar a margem». É dos que mais gosto. Já o sabia por 
dentro, mesmo antes de lhe conhecer as palavras.

Gosto do silêncio que fica depois dele.

Fico até ao fim, mas já não estou ali.

Reajusto as vontades.

Desaperto-me do abraço que já não era.


Sorrio porque gosto muito de ver os flocos de neve a caírem sobre 
a serra e porque há qualquer coisa de agreste no Inverno que me faz 
sentir quente. Não há razões para não me vestir de letras. Cá dentro, 
escrevo-me. Lembro-me o meu Amigo. «Há sempre um poema para 
todos os momentos da nossa vida».
Pois há.



Eduarda Freitas
Vila Real, Janeiro de 2009. Portugal."

*Um texto da minha amiga Eduarda que dá corpo e alma a um
grupo português de música erudita que está a trabalhar num 
projecto dedicado ao universo poético da brasileira Hilda Hist.

04 abril, 2009

boca que não diz

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© Porto, 2009

02 abril, 2009

este livrozinho sobre a américa que me assombra

"O suicídio é para as pessoas que não suportam não saber como 
é que o filme vai acabar. Seja como for, Mark continuava, tu não és 
verdadeiramente suicida. Apenas gostas de te destruir a ti própria. 
Autodestruidor e medíocre são as palavras mais excessivamente 
utilizadas da América. Grace respondia-lhe aos gritos, sentindo-se 
desajustada até em relação ao suicídio. Então eles discutiam e iam 
para outro bar onde esqueciam a discussão e assistiam ao espectá-
culo de cabaret.
Nunca sabes ao lado de quem estás sentado. Descobres que afinal 
o travesti é um polícia, mas é tão esquisito que te custa a acreditar 
que ele seja um polícia e depois percebes que não é, ele quer é que 
tu penses que ele é. A cantora está a debitar o "Heat Wave" e a banda 
tem uma secção de metais bastante boa e Grace está realmente a 
ficar excitada, com as mãos em cima da cabeça e a meneá-las na di-
recção de Mark, que está a olhar para outro lado qualquer. Grace 
está fascinada com a cantora, uma jovem com o cabelo pintado de 
preto e ripado, tão alto como a rampa de lançamento do cabo 
Canaveral. Mark agarra o criado pelo braço, um jovem loiro com 
olhos que parecem uma cama demasiado gasta.
— Diz à cantora que está a um beijo de lhe sair a sorte grande — 
diz, olhando para Grace. Grace sempre teve aquele poder: sexo."


(retirado de "Casas Assombradas" de Lynne Tilman)

01 abril, 2009

todos os aleluias por alela!


Alela Diane - "The Rifle"