"Gosto de me segurar ao sorriso de um longo amigo, que há muitos 
anos me contou – assegurou - que existem poemas para todos os 
momentos da nossa vida. Lembro-me muito bem desse dia, das 
cores, dos cheiros, da luz. Da luz sobre o Tejo. Lisboa. Lembro-me 
que senti nas palavras dele a certeza de muitas partidas, de muitas 
viagens dentro e fora da pele, de muitas buscas pelos poemas que 
iriam – e estão – a escrever a minha vida.
Partindo, encontrando-me, aos poucos, fui parar a muita gente. 
Especial. Muito especial. Pelo caminho, recente, os sorrisos do 
Daniel e da Teresa entraram na minha caixinha de surpresas. Em 
Cuba, aprendi um bocadinho do Brasil. Brincámos com as palavras 
seguradas no ritmo das ancas, com o samba que a Teresa jurava 
saber e que o Daniel garantia que não... As conversas! Tantas… entre 
o meu pequeno-almoço e o café da manhã nas gargalhadas dos meus 
amigos brasileiros, entre as nossas históricas diferenças e semelhan-
ças, o riso feliz de quem se deixa ir pelos dias. E entre as palavras e o 
calor que se tatuava na pele, também Hilda. De mansinho, sem se 
impor, umas quantas histórias, os cães da Casa do Sol. Pouco mais. 
A promessa imensa de ler e ficar a conhecer. A Fundação, o sentido 
para as coisas, o traço forte, o vermelho da vida…
No regresso a Portugal, a euforia de criar. Num atropelo de vontades, 
compartilho com o Luís (que há-de voltar a entrar e a fazer música 
nesta história). Dou-me em frases, afirmo-lhe ao mesmo tempo que 
lhe pergunto e lhe peço «vamos fazer isto, vamos fazer aquilo!». 
Recebo o portal da Hilda Hilst e um sorriso quente do outro lado do 
oceano. Leio, cheia de gula, para ter a certeza que os sentimentos são 
universais. Escolho um. É imediato. 
«Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.»
Delicio-me nas entrelinhas. Ofereço-o como papel de embrulho para 
um presente que nunca chegaria – nem chegará - a fazer parte do 
meu tempo real. Mas outros chegaram. Um, foi feito de tantos 
amigos, que choro de carinho por dentro de uma noite feliz.
Do Brasil, o Daniel e a Teresa enviaram-me uma carta e um poema 
de Hilda «para festejar seu aniversário, Eduarda».
« (…) Por que não tentas esse poço de dentro
O incomensurável, um passeio veemente pela vida?
Teu outro rosto. Único. Primeiro. E encantada de ter teu rosto 
verdadeiro, desejarias nada.»
E tanta coisa por dizer. Tanta coisa a sentir.
E tantos momentos a serem selados com poesia. Hilda faz parte. 
Entre as páginas de um livro, dois poemas entregues em mão, em 
mãos frias. «Se te pareço imperfeita e nocturna, olha-me de novo. 
Porque esta noite, olhei-me a mim, como se tu me olhasses, e era 
como se a água, desejasse sair de sua casa que é o rio, e deslizando
apenas, nem tocar a margem». É dos que mais gosto. Já o sabia por 
dentro, mesmo antes de lhe conhecer as palavras.
Gosto do silêncio que fica depois dele.
Fico até ao fim, mas já não estou ali.
Reajusto as vontades.
Desaperto-me do abraço que já não era.
…
Sorrio porque gosto muito de ver os flocos de neve a caírem sobre 
a serra e porque há qualquer coisa de agreste no Inverno que me faz 
sentir quente. Não há razões para não me vestir de letras. Cá dentro, 
escrevo-me. Lembro-me o meu Amigo. «Há sempre um poema para 
todos os momentos da nossa vida».
Pois há.
Eduarda Freitas
Vila Real, Janeiro de 2009. Portugal."
*Um texto da minha amiga Eduarda que dá corpo e alma a um 
grupo 
português de música erudita que está a trabalhar num 
projecto dedicado ao universo poético da brasileira 
Hilda Hist.