30 junho, 2008
29 junho, 2008
sem exageros
à luz impiedosa destes tempos, todos temos um qualquer
defeito de fabrico.
e essa historinha da democracia que por aqui se vende, não
servirá de nada.
não fomos feitos para sermos salvos.
defeito de fabrico.
e essa historinha da democracia que por aqui se vende, não
servirá de nada.
não fomos feitos para sermos salvos.
28 junho, 2008
exageros
de Mário-Henrique Leiria
O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se
para mim:
- Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que
te digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado
um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso ter descara-
mento.
Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a
tromba com a pata do meio.
O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se
para mim:
- Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que
te digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado
um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso ter descara-
mento.
Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a
tromba com a pata do meio.
26 junho, 2008
minha a dor industriosa por um euro
fluxo e cortes. rarefacção e associações. sinais e apontamentos.
caixa de ressonância de impossibilidades várias.
o blogue como espelho elíptico do que sou. e do que não sei.
diário fragmentado destes dias.
e os livros acumulados, terei vida para eles? terei tempo, algum
dia, para aquietar meu desassossegado olhar?
domar o tempo que me sobra?
virá um tempo, talvez, em que quererei apenas deixar-me ficar
a ouvir o vento sussurrando carícias na pele do mar...
© Junho 2008 (grafito encontrado numa parede do Porto)
caixa de ressonância de impossibilidades várias.
o blogue como espelho elíptico do que sou. e do que não sei.
diário fragmentado destes dias.
e os livros acumulados, terei vida para eles? terei tempo, algum
dia, para aquietar meu desassossegado olhar?
domar o tempo que me sobra?
virá um tempo, talvez, em que quererei apenas deixar-me ficar
a ouvir o vento sussurrando carícias na pele do mar...
© Junho 2008 (grafito encontrado numa parede do Porto)
25 junho, 2008
pequeno
do grande Henri Michaux
Quando me virem,
Passem ao largo,
Não sou eu.
Nos grãos de areia,
Na farinha invisível do ar,
Num grande vácuo que se alimenta de sangue,
Aí é que eu vivo.
Oh! não tenho de que me envaidecer: Pequeno!
Pequeno!
E se me apanhassem,
Fariam de mim o que quisessem.
Quando me virem,
Passem ao largo,
Não sou eu.
Nos grãos de areia,
Na farinha invisível do ar,
Num grande vácuo que se alimenta de sangue,
Aí é que eu vivo.
Oh! não tenho de que me envaidecer: Pequeno!
Pequeno!
E se me apanhassem,
Fariam de mim o que quisessem.
24 junho, 2008
23 junho, 2008
22 junho, 2008
(blogar) com as palavras de outros
um poema sem título de
António Dacosta
As PALAVRAS que digo
Os sinais que faço
Preservam o tempo
O eco e a memória
Por isso a ti recorro
E à terra peço folhas e raízes
António Dacosta
As PALAVRAS que digo
Os sinais que faço
Preservam o tempo
O eco e a memória
Por isso a ti recorro
E à terra peço folhas e raízes
20 junho, 2008
19 junho, 2008
nem as pastilhas da bayer me curarão tão cedo a azia
© Roterdão, Holanda, 2000
Mais uma daquelas derrotas que me ficará atravessada para
sempre. Mais um jogo tão, mas tão mal perdido. Como fora o
de 84 contra a França. Como o de 96 contra a República
Checa. Como em Bruxelas contra a França, há oito anos. Como
contra a malfadada Grécia, no nosso Euro de 2004.
O mesmo fado de sempre. Não sei se triste, se insano.
Um superDeco não chegou. Nem a empolgante energia de Pepe.
Um Ronaldo abaixo do que se esperava. Um Ricardo como muitos
adivinhavam ou vaticinavam. Um treinador a abusar das suas
teimosias, refém de medos mesquinhos e a confiar demasiado
nos desígnios divinos. Foi meio caminho para o meio desastre.
Bye-bye Scolari, sem quaisquer ironias. E, apesar de tudo,
meu sincero obrigado. Ao contrário do que se costuma dizer,
desde o início, por cá, foram implacáveis contigo como não
tinham sido com os outros senhores que te antecederam.
Viram-te sempre apenas como um estrangeiro. Julgo que no
futuro este país reconhecerá direito o trabalho que aqui
fizeste, te fará a devida homenagem.
E creio também que vai ser bem difícil substituir-te.
Por mim, pode vir Zico. De algum modo, todos os brasileiros
são portugueses. E a selecção portuguesa é justamente ape-
lidada o "Brasil" da Europa. Só ainda não aprendemos a
ganhar na hora agá.
Esperemos por 2010. Que os ares de África nos ajudem a li-
bertar desta desesperante, opressiva fatalidade.
(E perdoem-me lá esta 'posta' tão patriota.)
18 junho, 2008
o mais luminoso dos diamantes
Shara Worden. Adoro esta mulher. A alma por detrás do projecto
My Brightest Diamond. Acabou de sair o seu segundo álbum.
Não precisei de ler nada. Não precisei sequer de ouvi-lo. Já cá
mora em casa.
Há pouca gente no mundo a cantar assim. Com esta intensidade.
Com esta verdade. Anseio por alguém que se lembre de trazê-la
a este periférico país. Valha-nos o You Tube que será, por ora, abençoadamente, o grande invento deste novo século...
17 junho, 2008
"Todo Deus não é mais que um Zeus"
um poema de Paulo Luiz Barata
Por ver o sagrado nas plantas,
e não na figura de Cristo,
Queimado fui à morte
em ardente chama.
Hoje namoro esta árvore do Porto
e ninguém reclama.
Por ver o sagrado nas plantas,
e não na figura de Cristo,
Queimado fui à morte
em ardente chama.
Hoje namoro esta árvore do Porto
e ninguém reclama.
16 junho, 2008
palavras de mann
«As pessoas dizem 'Sorri' a torto e a direito: os adultos, por
exemplo, querem sempre que as crianças riam muito, que
saltem muito - pelo menos senti isso quando estava a crescer.
Mas porque é que eu não posso estar com a disposição - boa
ou má - que eu queira à vontade?»
«'Porque é que não compões canções alegres?' Não sei, porque
não tenho jeito? Porque não me sai assim? Não sei. Para que
serve uma canção alegre? Diga-me uma canção alegre que valha
a pena.»
«Não se consegue conhecer ninguém pela arte que faz - a arte
pode ser um reflexo da vida que se leva, ou levou, mas também
pode ser o oposto. E pode ser apenas aquilo que se consegue
fazer, porque não se sabe mais. A música que me interessa é
escura, mas pense assim: o James Taylor era heroinómano e
isso não se reflecte na música dele.»
«O Joe Henry faz música muito escura e nunca conheci ninguém
tão completo, é muito arrumadinho e limpo. É um óptimo pai e um
homem muito eloquente. Mas depois também há o Elliot Smith.»
(algumas respostas de Aimee Mann dadas por telefone a João
Bonifácio, retiradas da entrevista por ele publicada no Ípsilon
deste sábado)
exemplo, querem sempre que as crianças riam muito, que
saltem muito - pelo menos senti isso quando estava a crescer.
Mas porque é que eu não posso estar com a disposição - boa
ou má - que eu queira à vontade?»
«'Porque é que não compões canções alegres?' Não sei, porque
não tenho jeito? Porque não me sai assim? Não sei. Para que
serve uma canção alegre? Diga-me uma canção alegre que valha
a pena.»
«Não se consegue conhecer ninguém pela arte que faz - a arte
pode ser um reflexo da vida que se leva, ou levou, mas também
pode ser o oposto. E pode ser apenas aquilo que se consegue
fazer, porque não se sabe mais. A música que me interessa é
escura, mas pense assim: o James Taylor era heroinómano e
isso não se reflecte na música dele.»
«O Joe Henry faz música muito escura e nunca conheci ninguém
tão completo, é muito arrumadinho e limpo. É um óptimo pai e um
homem muito eloquente. Mas depois também há o Elliot Smith.»
(algumas respostas de Aimee Mann dadas por telefone a João
Bonifácio, retiradas da entrevista por ele publicada no Ípsilon
deste sábado)
15 junho, 2008
14 junho, 2008
13 junho, 2008
12 junho, 2008
não tão jovens mas ainda gigantes
Disco obviamente da minha vida, não podia, querida Mónica,
perder esse concerto histórico na minha cidade, tantos anos
depois de ter falhado imperdoavelmente Vilar de Mouros e não
ter assim visto The Gist...
Deixo-te um vídeo sacado do you tube; há lá também dois ou
três da noite na Casa da Música mas preferi oferendar-te este,
por me parecer mais próximo daquilo que testemunhei e senti
ao vê-los em palco.
Young Marble Giants, Festival de Hay-on-Wye, País de Gales
27 Maio 2007
perder esse concerto histórico na minha cidade, tantos anos
depois de ter falhado imperdoavelmente Vilar de Mouros e não
ter assim visto The Gist...
Deixo-te um vídeo sacado do you tube; há lá também dois ou
três da noite na Casa da Música mas preferi oferendar-te este,
por me parecer mais próximo daquilo que testemunhei e senti
ao vê-los em palco.
Young Marble Giants, Festival de Hay-on-Wye, País de Gales
27 Maio 2007
11 junho, 2008
Levem-me
de Henri Michaux
Levem-me numa caravela,
Numa velha e doce caravela,
Na roda de proa, ou, se quiserem, na espuma,
E percam-me ao longe, ao longe.
Na esteira duma outra idade.
No veludo enganador da neve.
No bafo de alguns cães reunidos.
No exército exausto das folhas mortas.
Levem-me sem me quebrar, por entre beijos,
Nos peitos que arfam e respiram,
Nos tapetes das palmas das mãos e seus sorrisos,
Nos corredores dos ossos compridos e das articulações.
Levem-me, ou antes, escondam-me.
Levem-me numa caravela,
Numa velha e doce caravela,
Na roda de proa, ou, se quiserem, na espuma,
E percam-me ao longe, ao longe.
Na esteira duma outra idade.
No veludo enganador da neve.
No bafo de alguns cães reunidos.
No exército exausto das folhas mortas.
Levem-me sem me quebrar, por entre beijos,
Nos peitos que arfam e respiram,
Nos tapetes das palmas das mãos e seus sorrisos,
Nos corredores dos ossos compridos e das articulações.
Levem-me, ou antes, escondam-me.
09 junho, 2008
08 junho, 2008
poesia e futebol
Ontem, Moloi voltou.
Ontem Moloi voltou e Portugal ganhou.
Poesia em movimento.
Ontem, Pepe, um brasileiro que se quis português, encheu de
júbilo os corações de uma nação (quantas nações numa nação!)
dispersa pelo mundo. Poesia como movimento. Poesia de
felizes momentos. Jogadas inspiradas, versos inauditos,
golos perfeitos, metáforas fulgurantes. Assim o futebol como
arte.
Ontem, meu amigo brasileiro Paulo Luiz Barata, que se viveu
português por mais de duas décadas (desde séculos?), apare-
ceu-me à exacta hora do jogo com o seu novo livro, como flores
nas mãos, Poetália Moloi.
Poeta em movimento. Andarilheiro da nossa língua (quantas
línguas numa língua?).
Ontem, um dia bom.
Um sábado que lembrarei como Portugália Moloi...
Deixo aqui agora o texto de apresentação impresso no livro,
escrito pelo seu amigo e companheiro de muitas jornadas, o
cineasta Edgard Navarro:
«Conheci Paulo Barata na Bahia, quando ele e eu frequentá-
vamos o Grão de Arroz, restaurante macrobiótico que reunia
alternativos de todas as falanges. Logo sentimos que pertencía-
mos à mesma enfermaria. Apesar de ser um pouco mais jovem
do que eu, ele estava adiantado na busca e me apresentou a
mundos dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Durante um
tempo vivemos muito ligados, procurando juntos muitas coisas
essenciais, amizade daqueles que se descobrem irmãos de alma.
Às vezes parecia que nos entendíamos por telepatia, tal o grau
de afinidade que tínhamos naquela época. Eu estava começando
a fazer filmes em super 8, Paulo participou de um deles, junta-
mente com Fernando Noy, poeta andrógino argentino que par-
ticipou daquela aventura única de Pituaçu no final da década de
70. Fotografei um filme de Paulo intitulado Pó e Mandalas, uma
sua incursão poética no universo lacaniano, com pitadas de Jung.
Em 79, Paulo seria o protagonista de outro filme que fiz - Lin e
Katazan -, este baseado em texto de Chico Buarque. Fizemos
mais coisas juntos: escrevi um poema para o Jornal Da Praia,
publicado em 78, em evento organizado por Paulo no Circo Re-
nascente, com a participação afetiva de Gilberto Gil. Também vi
nascer seu LEVE LAVE LOVE, poemas visuais ilustrados com
fotografias (numa delas apareço em close fazendo careta). Entre-
tanto a vida cuidou de nos levar por caminhos diversos. Paulo foi
viver por muitos anos do outro lado do Atlântico, em Portugal.
Sua curiosidade, talvez, o levara ao lugar onde começou o Brasil.
Segui fazendo os filmes que pude e quase não nos vimos nesse
meio tempo; apenas nas poucas vezes em que ele foi à Bahia e no
ano passado, quando vim lançar meu primeira longa metragem
no Rio, onde Paulo voltou a viver há alguns meses. Penso que
seguimos sendo irmãos de alma, ligados por liames invisíveis e
que nos fazem compartilhar por caminhos e fontes diversos a
mesma crença basilar na liberdade de pensamento, no amor
transcendente que permeia o universo inteiro e na poesia, que
a despeito das zil formas que caprichosamente costuma assumir,
nos conduz a um desiderato inapelável, mesmo quando incons-
ciente.
É com prazer que recebo o convite pra escrever algo sobre seu
último trabalho - POETÁLIA MOLOI. Texto de timbres diversos,
todos eles penetrados de uma mesma vibração sincera de devotos
(às vezes irreverente), comovente em sua entrega, abrangência e
peculiaridade.
Uma salada de sabor esdrúxulo, vezes picante, outras erudito e/ou
non sense, mas de uma erudição casual, sem pedantismo.
Poetália Moloi é divertido, trágico, prenhe de enigmas, alguns pro-
positalmente indecifráveis.
Algo mais?
Hyldon falou: Moloi é foda! E lançando olhar sobre a POUSADA
DO SER ERRANTE - Abrigamos o Ser. Aqui Pousada. Ali, o abis-
mo. - eu dobro a parada: Moloi é fodão, quer dizer: fall down.
(Que nem eu).
>
Ontem Moloi voltou e Portugal ganhou.
Poesia em movimento.
Ontem, Pepe, um brasileiro que se quis português, encheu de
júbilo os corações de uma nação (quantas nações numa nação!)
dispersa pelo mundo. Poesia como movimento. Poesia de
felizes momentos. Jogadas inspiradas, versos inauditos,
golos perfeitos, metáforas fulgurantes. Assim o futebol como
arte.
Ontem, meu amigo brasileiro Paulo Luiz Barata, que se viveu
português por mais de duas décadas (desde séculos?), apare-
ceu-me à exacta hora do jogo com o seu novo livro, como flores
nas mãos, Poetália Moloi.
Poeta em movimento. Andarilheiro da nossa língua (quantas
línguas numa língua?).
Ontem, um dia bom.
Um sábado que lembrarei como Portugália Moloi...
Deixo aqui agora o texto de apresentação impresso no livro,
escrito pelo seu amigo e companheiro de muitas jornadas, o
cineasta Edgard Navarro:
«Conheci Paulo Barata na Bahia, quando ele e eu frequentá-
vamos o Grão de Arroz, restaurante macrobiótico que reunia
alternativos de todas as falanges. Logo sentimos que pertencía-
mos à mesma enfermaria. Apesar de ser um pouco mais jovem
do que eu, ele estava adiantado na busca e me apresentou a
mundos dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Durante um
tempo vivemos muito ligados, procurando juntos muitas coisas
essenciais, amizade daqueles que se descobrem irmãos de alma.
Às vezes parecia que nos entendíamos por telepatia, tal o grau
de afinidade que tínhamos naquela época. Eu estava começando
a fazer filmes em super 8, Paulo participou de um deles, junta-
mente com Fernando Noy, poeta andrógino argentino que par-
ticipou daquela aventura única de Pituaçu no final da década de
70. Fotografei um filme de Paulo intitulado Pó e Mandalas, uma
sua incursão poética no universo lacaniano, com pitadas de Jung.
Em 79, Paulo seria o protagonista de outro filme que fiz - Lin e
Katazan -, este baseado em texto de Chico Buarque. Fizemos
mais coisas juntos: escrevi um poema para o Jornal Da Praia,
publicado em 78, em evento organizado por Paulo no Circo Re-
nascente, com a participação afetiva de Gilberto Gil. Também vi
nascer seu LEVE LAVE LOVE, poemas visuais ilustrados com
fotografias (numa delas apareço em close fazendo careta). Entre-
tanto a vida cuidou de nos levar por caminhos diversos. Paulo foi
viver por muitos anos do outro lado do Atlântico, em Portugal.
Sua curiosidade, talvez, o levara ao lugar onde começou o Brasil.
Segui fazendo os filmes que pude e quase não nos vimos nesse
meio tempo; apenas nas poucas vezes em que ele foi à Bahia e no
ano passado, quando vim lançar meu primeira longa metragem
no Rio, onde Paulo voltou a viver há alguns meses. Penso que
seguimos sendo irmãos de alma, ligados por liames invisíveis e
que nos fazem compartilhar por caminhos e fontes diversos a
mesma crença basilar na liberdade de pensamento, no amor
transcendente que permeia o universo inteiro e na poesia, que
a despeito das zil formas que caprichosamente costuma assumir,
nos conduz a um desiderato inapelável, mesmo quando incons-
ciente.
É com prazer que recebo o convite pra escrever algo sobre seu
último trabalho - POETÁLIA MOLOI. Texto de timbres diversos,
todos eles penetrados de uma mesma vibração sincera de devotos
(às vezes irreverente), comovente em sua entrega, abrangência e
peculiaridade.
Uma salada de sabor esdrúxulo, vezes picante, outras erudito e/ou
non sense, mas de uma erudição casual, sem pedantismo.
Poetália Moloi é divertido, trágico, prenhe de enigmas, alguns pro-
positalmente indecifráveis.
Algo mais?
Hyldon falou: Moloi é foda! E lançando olhar sobre a POUSADA
DO SER ERRANTE - Abrigamos o Ser. Aqui Pousada. Ali, o abis-
mo. - eu dobro a parada: Moloi é fodão, quer dizer: fall down.
(Que nem eu).
>
06 junho, 2008
A única mulher
uma pequena história de Robert Walser, escrita em 1924/25
e publicada postumamente (retirado de "Histórias de Amor",
edição da Relógio D'Água e tradução de Isabel Castro Silva).
"Conheço uma importante musa que nada sabe de poesia, mas
que é ela própria um poema, o que para umpoeta é muito im-
portante. Quem é insolente com ela apenas se depara com o
seu magnífico espanto. Já lhe dediquei o meu canto uma ou
duas vezes, mas por ora fiquei sempre áquem. Ela afugentou-
-me, e eu ri alegremente, como se ela tivesse concedido uma
noite ao poeta, e ele respondesse com frieza, porque a sua fan-
tasia já lhe tivesse oferecido a visão do corpo dela. Nunca mais
voltarei a amar. Ela fez de mim uma criança que admira o
mundo, que segue a mais bela doutrina e teme a Deus. Os sa-
patos dela não são maravilhosos. Mas gosto bastante do guar-
danapo com que ela brinca. Nunca poderei voltar a vê-la, e no
entanto sou feliz, ainda que na verdade não devesse ser. Fui
um sem-vergonha com ela, porque a sua presença me deixava
a tremer e porque queria dar uma ilusão de superioridade e
porque achava tolo e quase odiava este estremecimento, este
amor. Mas quando estamos longe um do outro, brinco com
ela e afago-a, salto como um doido, como um rapazinho tonto.
Seria bem capaz de a esquecer aí uns quatro anos, mas depois
tudo voltaria outra vez. É espantoso saber isto! Nunca tinha
reparado no poder que uma rapariga tem. Toda a lealdade e
tudo o que em mim há de bom fica prostrado por terra diante
do vestido da única mulher. Estou tão alegre como só me sinto
de manhã cedo, e no entanto é meia-noite, e escrevo estas
linhas como se não as fosse dar a ler em niguém."
e publicada postumamente (retirado de "Histórias de Amor",
edição da Relógio D'Água e tradução de Isabel Castro Silva).
"Conheço uma importante musa que nada sabe de poesia, mas
que é ela própria um poema, o que para umpoeta é muito im-
portante. Quem é insolente com ela apenas se depara com o
seu magnífico espanto. Já lhe dediquei o meu canto uma ou
duas vezes, mas por ora fiquei sempre áquem. Ela afugentou-
-me, e eu ri alegremente, como se ela tivesse concedido uma
noite ao poeta, e ele respondesse com frieza, porque a sua fan-
tasia já lhe tivesse oferecido a visão do corpo dela. Nunca mais
voltarei a amar. Ela fez de mim uma criança que admira o
mundo, que segue a mais bela doutrina e teme a Deus. Os sa-
patos dela não são maravilhosos. Mas gosto bastante do guar-
danapo com que ela brinca. Nunca poderei voltar a vê-la, e no
entanto sou feliz, ainda que na verdade não devesse ser. Fui
um sem-vergonha com ela, porque a sua presença me deixava
a tremer e porque queria dar uma ilusão de superioridade e
porque achava tolo e quase odiava este estremecimento, este
amor. Mas quando estamos longe um do outro, brinco com
ela e afago-a, salto como um doido, como um rapazinho tonto.
Seria bem capaz de a esquecer aí uns quatro anos, mas depois
tudo voltaria outra vez. É espantoso saber isto! Nunca tinha
reparado no poder que uma rapariga tem. Toda a lealdade e
tudo o que em mim há de bom fica prostrado por terra diante
do vestido da única mulher. Estou tão alegre como só me sinto
de manhã cedo, e no entanto é meia-noite, e escrevo estas
linhas como se não as fosse dar a ler em niguém."
05 junho, 2008
04 junho, 2008
senhor dos nens
nem cervo nem gamo
nem sirvo nem gramo
nem servo nem amo
nem grito nem clamo
nem grilo nem dono
nem grifo nem corvo
nem griffe nem mono
nem lerdo nem bardo
nem cerdo nem asno
nem cedo nem tardo
nem tento nem corro
nem saio nem estorvo
nem tanso nem ganso
nem tanga nem tango
nem giro nem cisne
nem cheta nem chique
nem sinto nem tento
nem vento nem canto
nem tempo nem santo
nem sento nem sambo
nem branco nem tinto
nem menta ou absinto
nem nervo nem dano
nem ardo nem sorvo
nem gozo nem morro
nem bazo nem coro
nem circo só chico
não minto por tanto
nem sirvo nem gramo
nem servo nem amo
nem grito nem clamo
nem grilo nem dono
nem grifo nem corvo
nem griffe nem mono
nem lerdo nem bardo
nem cerdo nem asno
nem cedo nem tardo
nem tento nem corro
nem saio nem estorvo
nem tanso nem ganso
nem tanga nem tango
nem giro nem cisne
nem cheta nem chique
nem sinto nem tento
nem vento nem canto
nem tempo nem santo
nem sento nem sambo
nem branco nem tinto
nem menta ou absinto
nem nervo nem dano
nem ardo nem sorvo
nem gozo nem morro
nem bazo nem coro
nem circo só chico
não minto por tanto
03 junho, 2008
O que me vale
um poema de Manuel António Pina
O que me vale aos fins de semana
é o teu amor provinciano e bom
para ele compro bombons
para ele compro bananas
para o teu amor teu amon
tu tankamon meu amor
para o teu amor tu te flamas
tu te frutti tu te inflamas
oh o teu amor não tem com
plicações viva aragon
morram as repartições
O que me vale aos fins de semana
é o teu amor provinciano e bom
para ele compro bombons
para ele compro bananas
para o teu amor teu amon
tu tankamon meu amor
para o teu amor tu te flamas
tu te frutti tu te inflamas
oh o teu amor não tem com
plicações viva aragon
morram as repartições
02 junho, 2008
não ter dinheiro
"Depois de a sua vida ter mudado tanto desde que se tornou
uma escritora conhecida, procura manter algo das suas raízes?
O que tento fazer - e é cada vez mais difícil - é lembrar-me de
como era ser pobre. O que é interessante no facto de ter dinheiro
é que se torna impossível conceber o que é não ter dinheiro. Eu
andei em Cambridge sem pagar. Agora, o Governo quer intro-
duzir uma propina de mil libras, que, é claro, depois aumentará...
Outro dia tentei explicar a uma pessoa que se eu tivesse tido de
pagar mil libras não teria lá andado. Ela disse-me para não ser
ridícula. Não percebeu que quando uma pessoa não tem mil
libras não tem mesmo mil libras e não pensa sequer em pedi-las
a um banco, porque não quer ter dívidas. Nem acha que valha a
pena gastá-las, porque de qualquer maneira não entende o que
Cambridge é, ou que tipo de pessoas vão para lá, ou o que é um
diploma... São camadas sobre camadas de não entender. O
dinheiro é como o poder: corrompe. Já não me lembro de enfiar
um cartão numa máquina e de ficar preocupada se vão sair cinco
libras ou não. Mas costumava ser o meu dia-a-dia. O problema
de não ter dinheiro é pensar em dinheiro o tempo todo: como
vamos conseguir fazer as compras, como vamos pagar as com-
pras... O que recordo da minha infância, que de um modo geral
foi feliz, é essa preocupação constante com o dinheiro. O que se
julga ser a maior diferença entre as pessoas - como a raça, ou a
religião - tem muitas vezes a ver com o dinheiro."
(palavras da escritora Zadie Smith, excerto da entrevista de
Luís M. Faria publicada esta semana no suplemento Actual do
Expresso)
uma escritora conhecida, procura manter algo das suas raízes?
O que tento fazer - e é cada vez mais difícil - é lembrar-me de
como era ser pobre. O que é interessante no facto de ter dinheiro
é que se torna impossível conceber o que é não ter dinheiro. Eu
andei em Cambridge sem pagar. Agora, o Governo quer intro-
duzir uma propina de mil libras, que, é claro, depois aumentará...
Outro dia tentei explicar a uma pessoa que se eu tivesse tido de
pagar mil libras não teria lá andado. Ela disse-me para não ser
ridícula. Não percebeu que quando uma pessoa não tem mil
libras não tem mesmo mil libras e não pensa sequer em pedi-las
a um banco, porque não quer ter dívidas. Nem acha que valha a
pena gastá-las, porque de qualquer maneira não entende o que
Cambridge é, ou que tipo de pessoas vão para lá, ou o que é um
diploma... São camadas sobre camadas de não entender. O
dinheiro é como o poder: corrompe. Já não me lembro de enfiar
um cartão numa máquina e de ficar preocupada se vão sair cinco
libras ou não. Mas costumava ser o meu dia-a-dia. O problema
de não ter dinheiro é pensar em dinheiro o tempo todo: como
vamos conseguir fazer as compras, como vamos pagar as com-
pras... O que recordo da minha infância, que de um modo geral
foi feliz, é essa preocupação constante com o dinheiro. O que se
julga ser a maior diferença entre as pessoas - como a raça, ou a
religião - tem muitas vezes a ver com o dinheiro."
(palavras da escritora Zadie Smith, excerto da entrevista de
Luís M. Faria publicada esta semana no suplemento Actual do
Expresso)