morrer.
querer morrer.
querer morrer nessa idade onde deus é puro fantasma,
onde a alma se esvanecia nas pálidas paredes de um quarto,
onde a música consagrava o pecado de devotos pequenos amores.
ousar esse filme,
usar a memória do cinema como infinito caleidoscópio de imagens,
como se houvesse verdade na vertigem de um suicídio,
como se a violência dos gestos fosse exclusivo segredo meu.
morrer.
querer ter morrido.
enganar a sombra das coisas,
ignorar as carpideiras que riem dos mortos em certas miragens,
ir no rasto de fogo dos beijos frios,
como se se fosse viandante supremo,
eleito.
querer ter sido eleito para morrer.
hoje é tarde.
hoje duvida-se do anel espiralado de silêncio
que os anos deixaram no nosso corpo,
duvida-se da idade imemorial do nosso olhar,
desconfia-se que as horas ainda passem à mesma velocidade d'outrora.
hoje é muito tarde, digo.
já não tenho vontade das lápides, dos funéreos poemas, dos epitáfios
do efémero.
sórdido desejo do teatro, do teatro do negro.
hoje já não digo.
hoje carrego as palavras de mentiras subtis.
como se não se justificasse verdade alguma,
como se esse filme fosse um tributo a alguém,
a uma personagem que aos vinte anos tivesse morrido por mim,
perpetuado na memória da infância.
hoje por aqui fico no lugar dos meus mortos.
morreram no anelo de uma radical perfeição.
foram sempre puros, crianças imortais.
e assim correram até ao fim.
há quem louve agora apenas as virtudes da técnica,
a pueril alegria das pistas de dança,
ou até cante sardónicos sentidos pêsames.
erguem taças como esquifes de nada,
de barato e celebrante champanhe.
erguem-nas por quem apenas ganhe.
morreram plenos de lágrimas,
pelos sulcos das palavras em vão.
houve quem tivesse aquela dor.
o castelo alto dessa dor.
como eu.
para erguer sempre.
*título do meu primeiro filme.
meu filmezinho adolescente...