28 agosto, 2010

trazer aqui significado

"Ora vivam! Obrigado por me lerem. Devia sentir-me feliz
por estar aqui, mas não consigo deixar de me sentir confuso.
Gosto da forma como o vosso olhar passa por mim. Porque
a verdade é que eu estou aqui para vos servir. Embora não
tenha a certeza do que isso significa. Hoje em dia, nem
sequer sei o que sou; não é uma pena? Sou uma composição
de signos; anseio ser visto, mas depois perco a coragem.
Estaria melhor se me escondesse nas sombras, muito longe,
a salvo de todos os olhares? É isso que não consigo decidir.
[...]"

excerto inicial do texto "O Significado" de Orhan Pamuk,
incluído em "Outras Cores", uma colecção de ensaios sobre
a vida, a arte, os livros e as cidades
(Editorial Presença, 2007)

24 agosto, 2010

nu, vens

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ruy duarte de carvalho (1941-2010)

Um grande cultor da nossa língua.
Um ribatejano que virou angolano.
Um olhos tão lúcidos sobre o mundo...
Deixo aqui um poema da sua lavra, retirado do livro
"Observação Directa", comprado estes dias por apenas
dois euros...
Para que fique assinalada aqui a sua morte, nestes dias
loucos de agosto. De desgosto.



as lágrimas da rã
nadam na água:

o caco já foi panela
e o escravo já teve mãe.

pano emprestado
não livra da nudez

e a cabeça do próprio
não lhe derreia a espinha.

cobre-se, o fidalgo?
e o nobre tem sal?

e a chuva?
só escolhe os bons?

ou aproveita também
ao talo do capim

que medra sozinho no areal vazio?

17 agosto, 2010

instante deste verão

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13 agosto, 2010

uma crónica excelente é tudo

"A soldado desconhecida" de Ferreira Fernandes
publicada ontem no Diário de Notícias


Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia
Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira
voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos — e essa pode ser uma
primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem
daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma
de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores im-
possíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se
quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é
na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um
curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de
Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um
colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com
que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15
minutos de fama só se ocorresse um azar...
Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar,
cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de
uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, eviden-
temente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela
nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalha-
dores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias
comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o
sal da nossa terra?

06 agosto, 2010

a próxima aldeia

O meu avô costumava dizer: "A vida é espantosamente
curta. Neste momento, comprime-se tanto na minha
lembrança que, por exemplo, mal consigo perceber
como pode um jovem decidir dirigir-se para a próxima
aldeia sem temer que — abstraindo já dos acidentes
infelizes — o tempo duma vida normal e sem azares não
baste nem de longe para tal viagem."


Franz Kafka, "Os Contos, 1º volume",
Ed. Assírio & Alvim (2004)

02 agosto, 2010

baterias carregadas (ou descarregadas, nunca sei, nunca se sabe)

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