27 setembro, 2009

(a lembrar na) hora de votar

"(...) A honestidade dos empregados é a base de toda a
economia indiana.
O Grande Galinheiro Indiano. Terá a China alguma coisa
que se assemelhe? Duvido, Sr. Jiaobao. Se tivesse, não
iria precisar do Partido Comunista para fuzilar as pessoas
nem da polícia secreta para lhes invadir as casas a meio
da noite e as levar para a cadeia, como eu ouvi dizer que
aí fazem. Aqui, na Índia, não temos qualquer espécie de
ditadura. Nem polícia secreta tão-pouco.
Basta-nos o galinheiro.
Nunca na história da humanidade tão poucos deveram
tanto a tantos, Sr. Jiaobao. Neste país, um punhado de
indivíduos treinou os restantes 99,9 por cento — tão fortes,
talentosos e inteligentes como eles em todos os aspectos —
para uma existência condenada à servidão perpétua; uma
servidão tão forte que podemos entregar a chave da eman-
cipação nas mãos deste homem que ele no-la devolverá com
uma imprecação.
Terá de vir até nós e ver com os seus próprios olhos para
acreditar. Todos os dias, milhões de pessoas acordam de
madrugada, enfiam-se em autocarros imundos e apinhados
de gente, chegam às casa elegantes dos seus patrões, e lim-
pam-lhes o chão, lavam-lhes a louça, tratam-lhes do jardim,
alimentam-lhes os filhos, massajam-lhes os pés — tudo isto
a troco dum salário de miséria. Nunca haverei de invejar os
ricos da América ou da Inglaterra., Sr. Jiaobao: lá, eles não
têm criados. Nem sequer lhes passa pela cabeça o que é a
boa vida.
Ora, um homem dado à reflexão como o senhor primeiro-
-ministro não pode deixar de fazer duaa perguntas.
Porque motivo é que o Galinheiro funciona? Como é que
consegue aprisionar tantos milhões de homens e de mulhe-
res com tanta facilidade?"




(mais um excerto de "O Tigre Branco", de Aravind Adiga,
"Man Booker Prize" em 2008)

25 setembro, 2009

entre imagens as palavras

Photobucket
fotografias de Joana Rêgo, Índia, 2009

23 setembro, 2009

trilho

trilho até pode ser nome
de vinho, mas é um sarilho
beber no teu corpo o amor
impossível.

21 setembro, 2009

a césar o que é de césar

"Um Homem Passa Com Um Pão Ao Ombro..."
de César Vallejo


Um homem passa com um pão ao ombro
— Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?

Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
— Com que desplante falar da psicanálise?

Outro entrou em meu peito com um pau na mão
— Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?

Um coxo passa dando o braço a um menino
— Vou, depois, ler André Breton?

Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
— Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?

Outro busca no lodo ossos e cascas
— Como escrever, depois, sobre o infinito?

Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
— Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?

Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
— Falar, depois, da quarta dimensão?

Um banqueiro falsifica o seu balanço
— Com que cara chorar no teatro?

Um pária dorme com um pé às costas
— Falar, depois, a ninguém de Picasso?

Alguém vai num enterro a soluçar
— Como em seguida ingressar na Academia?

Alguém limpa uma espingarda na cozinha
— Com que desplante falar do mais além?

Alguém passa a contar pelos dedos
— Como falar do não-eu sem dar um grito?


5 Nov. 1937

19 setembro, 2009

j de joana

Photobucket
© 2009

"A a Z - Entre Imagens e Palavras"
uma exposição de Joana Rêgo
na Galeria Municipal de Matosinhos,
a ver, admirar, rever, fruir, absorver até 18 de Outubro.

17 setembro, 2009

um bárbaro na índia

"O indiano não é seduzido pela graciosidade dos animais. Oh, não!
Antes os olha de viés.
Não gosta de cães. Não há concentração nos cães. São seres de
primeiro impulso, vergonhosamente desprovidos de autodomínio.
E depois, que significam estes reincarnados todos? Se não tivessem
pecado, não seriam cães. Infectos criminosos, talvez tenham morto
um Brâmane (na Índia, cuidado: evitar ser cão ou viúva).
O hindu aprecia a meditação, a sabedoria. Sente-se de acordo com
a vaca e o elefante, que lá no foro íntimo mantêm a sua ideia e de
algum modo vivem retirados. O hindu gosta dos animais que não
dizem "obrigado" nem fazem demasiadas cabriolas.
Nos campos, não há pardais; há pavões, íbis, aves pernaltas, muitos
corvos e milhafres.
Tudo isso é sério.
Camelos e búfalos de água.
É inútil dizer que o búfalo da água é lento. Só pensa em espojar-se
na lama; o resto não lhe interessa. Atrelado, mesmo em Calcutá,
não irá depressa, oh! não, e passando de vez em quando pelos
dentes a língua fuliginosa, observará a cidade como um sítio onde
se sente perdido.
Quanto ao camelo, é bem superior ao cavalo, orientalmente fa-
lando; um cavalo a trote ou a galope tem sempre o ar de estar a
fazer desporto. Não corre, debate-se. O camelo, pelo contrário,
avança rapidamente com passada harmoniosa.
A propósito de vacas e elefantes, devo dizer uma coisa: não me
agradam os notários. As vacas e os elefantes, animais sem chama,
são notários"


Henri Michaux em "Um Bárbaro na Ásia" (depois de uma viagem pelo
continente asiático encetada em 1931).

15 setembro, 2009

uma índia da luz e uma índia da escuridão *

Photobucket
fotografias de Joana Rêgo, Índia, 2009

* (mais uma vez, um título surripiado a Aravind Adiga)

14 setembro, 2009

O farol a piscar na noite —
esborracho uma melga contra
o écrã do portátil.

09 setembro, 2009

"Já em miúdo eu era capaz de ver a beleza do mundo: estava destinado a não ficar escravo."*

Photobucket
fotografias de Joana Rêgo, Índia 2009

*mais uma vez roubado a "O Tigre Branco" de Aravind Adiga

08 setembro, 2009

voltando ao tigre branco

"Sabe o senhor, neste país, nos seus tempos áureos, quando era a
nação mais rica do mundo, era uma espécie de jardim zoológico. Um
jardim zoológico asseado, bem conservado e ordenado. Toda a gente
no seu lugar, toda a gente feliz. Ourives aqui. Vaqueiros ali. Proprie-
tários de terras acolá. O homem a quem chamavam Halwai fabricava
doces. O homem a quem chamavam vaqueiro tratava das vacas. Os
intocáveis limpavam os excrementos. Os senhores das terras eram
generosos para os seus servos. As mulheres cobriam a cabeça com
um véu e baixavam os olhos para o chão quando falavam com um
estranho.
E depois, graças a todos aqueles políticos de Nova Deli, a 15 de
Agosto de 1947 — no dia em que os ingleses partiram —, as gaiolas
foram abertas; e os animais atacaram-se e despedaçaram-se uns
aos outros, e a lei da selva substituiu a lei do jardim zoológico. Os
mais ferozes, os mais famintos, comeram os outros todos e ficaram
com umas grandes barrigas. A partir daí, era só isso que contava, o
tamanho da barriga. Não importava se era uma mulher, ou um mu-
çulmano, ou um intocável; qualquer pessoa que tivesse uma grande
barriga podia subir na vida. O pai do meu pai deve ter sido um ver-
dadeiro Halwai, um fabricante de doces, mas, quando herdou a loja,
um membro duma outra casta qualquer deve ter-lha roubado com
a ajuda da polícia. O meu pai não teve barriga para protestar. Foi
por isso que ele caiu tão fundo, até à lama, ao nível dum condutor
de riquexó. Foi por isso que eu fui impedido de cumprir o meu des-
tino de ser gordo, de pele clara e sorridente.
Resumindo — nos bons velhos tempos, havia mil castas e destinos
na Índia. Hoje em dia, existem apenas duas castas: Homens de
Barriga Grande e Homens de Barriga Pequena.
E apenas dois destinos: comer — ou ser comido."


(retirado de "O Tigre Branco" de Aravind Adiga)

06 setembro, 2009

inspiração é respirar

A poesia de João Negreiros na voz do elenco do
Teatro Universitário do Minho, hoje às 21 e 30 no Clube literário
do Porto.

"Espectáculo e percurso antológico da poesia de João Negreiros
que tem como objectivo traçar uma rota que vai desde as suas
tendências Neo-Surrealistas até à lírica mais conceptual e sonora.
A interpretação dos actores visa ser oral, naturalista e inovadora,
tornando a literatura mais óbvia, mais universal e mais acessível.
É um espectáculo de emoções extremas e dos sentimentos mais
íntimos e guarda os momentos mais carinhosos que só se par-
tilham com os amantes, os amigos e o público."

Photobucket



"Cinco actrizes, jovens, contagiam quem as ouve e vê com alguns sobressaltos de coração, angústias de pele e ternuras inocentes.
Não é apenas um espectáculo credível, pela amostra de veia solta ou entrega de corpo. É um espectáculo de uma intensidade capaz de, a qualquer momento, nos tirar do sítio, do conforto e da serenidade de espectadores passivos. Num espectáculo do João, com gente que anuncia talento como esta, somos todos cúmplices. Ou então já estamos mortos."

Miguel Carvalho, no blogue "Devida Comédia"

05 setembro, 2009

a índia por olhos amigos

Photobucket
fotos de Joana Rêgo, Índia 2009