a césar o que é de césar
"Um Homem Passa Com Um Pão Ao Ombro..."
de César Vallejo
Um homem passa com um pão ao ombro
— Vou escrever, depois, sobre o meu duplo?
Outro senta-se, coça-se, tira um piolho do sovaco, mata-o
— Com que desplante falar da psicanálise?
Outro entrou em meu peito com um pau na mão
— Falar, em seguida, de Sócrates ao médico?
Um coxo passa dando o braço a um menino
— Vou, depois, ler André Breton?
Outro treme de frio, tosse, cospe sangue
— Convirá não aludir jamais ao Eu profundo?
Outro busca no lodo ossos e cascas
— Como escrever, depois, sobre o infinito?
Um pedreiro cai de um telhado, morre, já não almoça
— Inovar, em seguida, a metáfora, o tropo?
Um comerciante rouba um grama no peso a um freguês
— Falar, depois, da quarta dimensão?
Um banqueiro falsifica o seu balanço
— Com que cara chorar no teatro?
Um pária dorme com um pé às costas
— Falar, depois, a ninguém de Picasso?
Alguém vai num enterro a soluçar
— Como em seguida ingressar na Academia?
Alguém limpa uma espingarda na cozinha
— Com que desplante falar do mais além?
Alguém passa a contar pelos dedos
— Como falar do não-eu sem dar um grito?
5 Nov. 1937
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