30 novembro, 2010

o pessoa de todas as pessoas

Chuva lá fora. Chuva fria. Chuva que podia ser neve.
Tantas nuvens sobre Portugal.
Lembram que morreu Pessoa. O Pessoa de todas as pessoas.
Pego no poemário pessoano editado no ano passado. E a 30 de
Novembro lá está o poema que ditou nesse dia derradeiro:


"É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus.
Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada."

Alberto Caeiro, Poesia
(edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith)




Não está a chover agora. A massa espessa de nuvens está agora
ligeiramente dourada. O sol tenta espreitar aqui e ali.
Imagino que é o Pessoa a sorrir (não é possível pensar nele a rir).
Aquele não era o seu último dia.
Aquilo era, humildemente, o princípio da sua eternidade.
Escrevo estas pobres palavras ao som da festiva música colombiana.
Deixo correr estas canções do acaso. Há agora um rasgão azul no céu.
E o som distante duma trovoada.
Saúdo aquele e este dia.

29 novembro, 2010

ainda e sempre llansol

Os pés, os detalhes nos pés que são uma geografia.
Cristina escreve cartas e deita-as, insatisfeita, para o dia.
Põe a mão sobre ela e faz amor com ela.
A nuvem sobre Portugal_____
O jardim interior com um quarto pleno de tons de azul.
Atenaia
Situa-se fisicamente ao nível do coração.
A água nova é o sangue.
O pénis penetra até ao coração. Quando o pénis chega ao
coração, vem o sopro.
A nuvem precisa do vento para chover.
Cabeça e ventre translúcidos, parte dos peitos — terra.
O coração da mulher é situado na terra,
lilás
preto
azul.

Fechou os olhos sobre poeira ligeiramente cansada.

19 novembro, 2010

do colorado à andaluzia

Photobucket
© 2010

12 novembro, 2010

que a voz dela é luz

"Todas as quintas-feiras o carro desce os socalcos até
ao Museu de Lamego.
As conversas giram em volta das voltas que a vida dá,
em volta da lua que agora aparece mais cedo, em volta
das cores que se cruzam no céu, em volta das histórias
que inventamos porque nos apetece rir. Os quinze mi-
nutos de atraso com que chegamos à aula, fazem-nos
ser bons portugueses, porque como dizia um amigo
italiano “os portugueses chegam atrasados a tudo, porque
ficam sempre na conversa…e eu acho isso lindo!”.
Quinta-feira é fim-de-dia de História da Música. E a
quinta-feira da semana passada foi fim-de-dia da música
daqui e daí. O professor é um homem grande que gesticula
com o coração ao ouvir os primeiros acordes e que gosta
da velha sala à luz de velas, para ouvir (ouvirmos) melhor
os espaços entre as notas. Não foi ele que o disse, sou eu
que lhe invento estas justificações, porque gosto de as
escrever e porque acho que ele iria gostar de as ler. Na
quinta-feira passada, falámos de Tango, Flamenco, Fado
e Samba. Ouvimos Amália e a mulher por detrás da artista
contada e cantada pelo professor que também foi amigo.
Não sei se o fado é triste. Só sei que há um prazer que se
encaixa quase como um orgulho nacional, no triste fado
que tecemos. Ouvimos a guitarra portuguesa chorar ao
lado do samba que nos puxava o pé para o inquieto. É frio
o Museu de Lamego. E os pés não se compadecem com o
frio. Ao fado, os dedos escondidos nas botas, encolhidos,
tocam a sola que dorme no chão secular que nos acolhe.
Ao samba, já as falanges se esticam, a sola da bota namora
o chão, a marcar o ritmo, a convidar os dedos das mãos a
juntarem-se à festa. Do Brasil o professor trouxe amigos
em fotografias sonoras. Um deles, Chico Buarque, ainda e
quase menino. O Chico ouvi-o eu no Coliseu do Porto. Era
fim de Outubro e fim de ciclo. [...]"

que seja luz a chuva

Photobucket
© 2010

02 novembro, 2010

(para o João Paulo Seara Cardoso)


as folhas caem como lágrimas
perfeitas.
as árvores marionetas tristes. os braços perdidos.
vazios.
mesmo assim, neste cenário outonal, irrompe no céu
o sol do teu sorriso.
o vento tem a cor da tua voz.
deus é um bonecreiro
muito injusto.




31 outubro 10