31 maio, 2010

não há vagas

de Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado: “não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

26 maio, 2010

literatura

poema de Manuel António Pina


Literatura incrível esta
que a si própria se escreve
Descobri o movimento perpétuo
mas não saí (ó palavras!) do mesmo sítio

Ociosidade de modo que és minha
— Sem ser este, o silêncio que
pude durou 3 quartos de hora
num quarto cheio de homens perguntando

Nessa altura (em 1965) eu estava
metido naquilo até ao infinito
Agora trabalho um pouco de fora para fora
Com de vez em quando uma palavra demasiada

18 maio, 2010

também confesso a obsessão adolescente

Talvez seja uma fraqueza, talvez seja um pouco doentio,
não sei, mas também gostava de lá estar...

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"[...] I bought Unknown Pleasures, Joy Division's first album,
with its iconic Peter Saville cover of the first discovered
pulsar radiating against a black background. The record
was thick vinyl and felt important under my arm as I
made my way to the bus stop. I played the album several
times that night, the next night, and for months after that.
From the opening drums, rising-falling bass and mesmeric
vocals of Disorder ("I've been waiting for a guide to come
and take me by the hand") to the lost-in-a-city soundscape
of Interzone ("I was looking for a friend of mine"), I found
words and music that spoke directly to my sense of
estrangement. So began an intense relationship with the
desperately visceral yet strangely life-affirming music of
Joy Division.[...]
"[...] I wore black shirts and lapels covered in Joy Division
badges; the obligatory trenchcoat soon followed. [...]"

James Hopkin, "Guardian"

16 maio, 2010

i'm new here

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© Gil Scott-Heron, Casa da Música, Porto, 15 Maio 2010

15 maio, 2010

o jovem arrojado

Saldanha Sanches, 1944-2010

"Como é que vê o facto de não ter sido decretada prisão pre-
ventiva a nenhum deles a não ser a Oliveira e Costa?


É essa a função principal do nosso Processo Penal: proteger
essa gente.

Agora está a ser sarcástico.

Não, não. Estou a ser rigoroso. Está construído de forma que o
objectivo do Código é a protecção dessa gente.

É um código viciado?

Completamente viciado. É um código que nos envergonha pelos
resultados. Essa impunidade que o código garante é uma coisa
que nos envergonha. O caso Madoff em Portugal seria impossível,
mesmo que alguém resolvesse confessar tudo, e nunca o faria.
Na América as pessoas confessam porque as consequências da
não confissão são muito duras e apesar de tudo o menos mau é
confessar. Em Portugal não são duras, mas mesmo que se con-
fessasse o processo não duraria dois ou três meses. Duraria sempre
muito mais, mesmo com o máximo de zelo do Ministério Público.
Temos um Código do Processo Penal que é feito para proteger esse
tipo de delinquência. Até protege em parte a outra delinquência,
mas essa então, do colarinho branco, está totalmente protegida.
Não me admiraria ver o Dr. Oliveira e Costa acabar absolvido.
Não ficaria particularmente admirado. Sem falar no Dr. Jardim
Gonçalves, que o mais provável é vir a ser absolvido."


[ "A última conversa de Saldanha Sanches" entrevista de Isabel Lucas
para o Diário Económico]

12 maio, 2010

habemus blog

Cinco anos de blogue.
Um singular plural.
Um rio de memórias. Um curso.
Singular.
Sim, um lar. Uma casa.
Nas asas das imagens as palavras.
Nu
as sombras.
Tudo se diz no que não quer dizer-se.
Tudo foge no que mal se diz.
Tudo escapa. Tudo é escape.
Sim. Sin. Sín.
Sem sombra de não querer
o pecado.
Drama sem sombra de fado.
Fado sem medo de samba.
Na corda bamba os dedos.
Ledos dédalos.
Labirinto do que sinto.
Plinto do que pressinto.
Laborató
rio
do que não sei precisar.
Nu. Sim. Gula.
Fome do que há-de vir.
Janela aberta nas mãos
do tempo.

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© 2010 (sobre trabalho fotográfico original de Helena Almeida)

11 maio, 2010

gente a quem me devo

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Laurie Anderson, Collected Videos (1990)

04 maio, 2010

na dobra das noites

"Deus gosta dos ateus, de todos os ateus porque Deus gosta
de todos e de tudo. É o Senhor de todos os tempos, mesmo
do das vacas magras e do das vacas loucas. É o Senhor de
todos tempos e de todos os modos, mesmo dos maus modos.
É o Menino Jesus, menino sábio que desobedece aos pais."


um pequeno texto de Adília Lopes,
retirado de "Irmã Barata, Irmã Batata" um dos
livros incluídos em "Dobra, Poesia Reunida"

01 maio, 2010

simplesmente uma extraordinária mulher

Belíssima. Talentosa. Divertida. Corajosa. Sexy.
Malandra. Charmosa. Saboroso "xuxuzinho comestível"...

Infelizmente, foi pena não terem deixado fotografar ou
filmar o concerto maravilhoso que deu ontem na sala 2
da Casa da Música. Não vi por lá, sequer, fotógrafo algum
da imprensa. Provavelmente, não ficou nada registado
para sustentar memórias e saudades futuras...