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director não concorda que ela vá à cozinha para executar qualquer
coisa. Agarra-a decididamente pelo braço. Em primeiro lugar quer
ocupar-se com ela e, para isso, cancelou dois encontros. A mulher
abre a boca para recusar. Ela pensa na força dele e volta a fechar a
boca. Este homem iria também tocar a sua melodia no seio de ro-
chedos, ecoando, iriam o violino e o membro. Esta canção salta
constantemente, este som que estala, que é de tal maneira espan-
tosamente terrível, acompanhado de olhares involuntários. Esta
mulher não tem a coragem de se recusar, passeia indefesa. O ho-
mem está sempre pronto e congratula-se consigo próprio. O dia ale-
gre tanto é concedido aos pobres como aos ricos, mas infelizmente
os pobres invejam-no aos ricos. A mulher ri cheia de nervos, quando
o homem, ainda com o sobretudo vestido, se desnuda em determina-
do sítio, em frente dela. Ele não se desestupidifica, deixando ficar
assim a piça. A mulher ri-se mais alto e, aterrorizada, bate com a
mão na boca. Ameaçam-na de pancada. Ainda ecoa a música do
gira-discos, onde volteiam os sentimentos dela e os de outras
pessoas na figura de João Sebastião Bach, que é realmente ade-
quado para o prazer humano. O homem entretanto ergue-se no
meio dos seus espinhos de pêlo e de calor. Assim se aumentam
os homens e as suas obras, que no entanto em breve cairão atrás
deles. Mais firmes estão as árvores nas florestas. O director fala
calmamente da cona e de como irá rasgá-la imediatamente. Está
como que embriagado. As suas palavras balanceiam em redor.
Agarra a mulher com a mão esquerda pela anca com firmeza e
tira-lhe pela cabeça o fato prático, se chegar a tanto. Ela deba-
te-se diante do seu peso. Ele zanga-se em voz alta por causa dos
collants, que há muito lhe tinha proibido de usar. As meias são
mais femininas e dão mais uso aos buracos, quando não criam
mesmo outros. Ele anuncia que vai desfrutar a mulher a partir de
agora, pelo menos duas vezes completamente. As mulheres, co-
bertas de esperança, vivem de recordações, mas os homens do
momento, que lhes pertence, e que, cuidadosamente estimado, se
deixa juntar num montículo de tempo, que igualmente lhes per-
tence. Têm de dormir de noite, e então não se podem abastecer.
São puro fogo e aquecem-se (com esse fogo) em pequenos vasos.
Espantosamente esta mulher ficou secretamente estéril com com-
primidos. O coração insaciável do homem nunca iria permitir que
do seu tanque sempre cheio pudesse brotar uma vida."
Extraído de lust, de Elfriede Jelinek, um dos meus três
livros de férias. As páginas estão ainda impregnadas de areia
e do meu feliz espanto. Ninguém sai incólume desta torrente
de violentas e impiedosas metáforas, deste retrato cruel do
nosso tempo.
Romance publicado originalmente em 89 e dado à estampa
em Portugal três anos mais tarde, comprei-o, certamente
a preço de saldo numa feira qualquer, em fevereiro de
96, ainda esta autora austríaca, nas longas e muitas vezes
irónicas curvas da vida, estava longe de saber que viria a ser
nobilizada...