sociedade (num café do século passado)
- O amigo, por aqui?
- Sim. Parou de chover agora, resolvi vir por aí abaixo.
Pequeno silêncio naquele canto do café. Um, leva o copo de
cerveja choca à boca. O outro, esmigalha aos poucos um jesuíta
entre os dedos. No fim, chupa-os.
- Mas o que é que havia aqui ontem?
O primeiro velho grunhe uma interjeição qualquer, não
percebe a pergunta.
- O que é que havia ontem? Disseste que tinhas vindo cá.
- Eu não sei se vim cá ontem... Não sei bem se foi ontem. Já
não me lembro dos dias...
Sacode as migalhas das calças. Levanta uma perna a custo,
apoia-a noutra cadeira. Observa a bainha das calças. Está
suja de lama. Diz qualquer coisa imperceptível, movimenta
a perna, rodando-a, para o outro ver. Rosna qualquer coisa de
novo. Desta vez entende-se.
- Filha-da-puta! Viu-me e nem ligou! Molhou-me todo!...
Que se foda! Ela e quem lhe deu o carro!
Um terceiro velho está a fazer o seu pedido ao balcão.
Chega à mesa, de pratinho na mão, o guardanapo a adejar,
ameaçando levantar voo.
- Hoje vai de rabanadas!
- Já é natal outra vez??
Silêncio seco e breve. Depois, responde a queixar-se:
- É o que me impinge ali o Fernandinho. Pedi uma coisa mole,
por causa dos dentes, mas isto é mais caro que os pastéis, são
quarenta escudos.
Come. A fina rabanada está a acabar-se depressa. Os lábios
lambuzados tremem-lhe. A língua escura percorre-os. A manga
puída do casaco completa a tarefa, fazendo desaparecer o último
vestígio de açucar.
- É bom. Mas é um roubo... Uma simples fatia de pão, quarenta
escudos!
Chega um quarto homem. É muito alto, um pouco mais novo
que os demais, caminha resolutamente, sem a menor dificuldade,
por entre as desordenadas mesas da cafetaria. Traz o guarda-
-chuva na mão esquerda, a gabardine fechada, levanta o braço
direito até à altura do queixo, diz como se falasse para um
microfone:
- Boa-tarde, meus senhores!
Depois, com o guarda-chuva empunhado, aponta para o
primeiro velho.
- O senhor faltou aqui há dias.
É o segundo velho que se interpõe, clarificando a questão:
- Ele só vem cá às segundas e às sextas, para distribuir os
prémios.
Suspira, enfadado, o que acabara de chegar.
- Pois, a lotaria! Que números! Puto de azar! Seiscentos e
trinta quatro. Em vez do três havia de ser o sete... Sempre
eram sessenta contos. Caralho de azar! Pobre tem que ser
sempre pobre.
- Sim. Parou de chover agora, resolvi vir por aí abaixo.
Pequeno silêncio naquele canto do café. Um, leva o copo de
cerveja choca à boca. O outro, esmigalha aos poucos um jesuíta
entre os dedos. No fim, chupa-os.
- Mas o que é que havia aqui ontem?
O primeiro velho grunhe uma interjeição qualquer, não
percebe a pergunta.
- O que é que havia ontem? Disseste que tinhas vindo cá.
- Eu não sei se vim cá ontem... Não sei bem se foi ontem. Já
não me lembro dos dias...
Sacode as migalhas das calças. Levanta uma perna a custo,
apoia-a noutra cadeira. Observa a bainha das calças. Está
suja de lama. Diz qualquer coisa imperceptível, movimenta
a perna, rodando-a, para o outro ver. Rosna qualquer coisa de
novo. Desta vez entende-se.
- Filha-da-puta! Viu-me e nem ligou! Molhou-me todo!...
Que se foda! Ela e quem lhe deu o carro!
Um terceiro velho está a fazer o seu pedido ao balcão.
Chega à mesa, de pratinho na mão, o guardanapo a adejar,
ameaçando levantar voo.
- Hoje vai de rabanadas!
- Já é natal outra vez??
Silêncio seco e breve. Depois, responde a queixar-se:
- É o que me impinge ali o Fernandinho. Pedi uma coisa mole,
por causa dos dentes, mas isto é mais caro que os pastéis, são
quarenta escudos.
Come. A fina rabanada está a acabar-se depressa. Os lábios
lambuzados tremem-lhe. A língua escura percorre-os. A manga
puída do casaco completa a tarefa, fazendo desaparecer o último
vestígio de açucar.
- É bom. Mas é um roubo... Uma simples fatia de pão, quarenta
escudos!
Chega um quarto homem. É muito alto, um pouco mais novo
que os demais, caminha resolutamente, sem a menor dificuldade,
por entre as desordenadas mesas da cafetaria. Traz o guarda-
-chuva na mão esquerda, a gabardine fechada, levanta o braço
direito até à altura do queixo, diz como se falasse para um
microfone:
- Boa-tarde, meus senhores!
Depois, com o guarda-chuva empunhado, aponta para o
primeiro velho.
- O senhor faltou aqui há dias.
É o segundo velho que se interpõe, clarificando a questão:
- Ele só vem cá às segundas e às sextas, para distribuir os
prémios.
Suspira, enfadado, o que acabara de chegar.
- Pois, a lotaria! Que números! Puto de azar! Seiscentos e
trinta quatro. Em vez do três havia de ser o sete... Sempre
eram sessenta contos. Caralho de azar! Pobre tem que ser
sempre pobre.
2 Comentários:
Holá, Francisco gracias por tus palabras... besito.
De nada, amiga.
Besos.
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