29 janeiro, 2011

encomenda

de Joaquim Castro Caldas





sábado é limpinho
visto-me para chegar atrasado
a um enterro ao domingo
por causa de um amigo
que me pergunta
o que é que fazes hoje

olha hoje preparo-me
para um engarrafamento
na próxima sexta ao fim da tarde
quero ver se não perco

só então já tontinho
rompo essa selva vilã
de gorilas que separam
o povinho do clã
e de chuveiro em punho
pergunto às avarias
como é que vão as coisas
lá pelo mundo
logo de manhã

e a menina do outro lado
responde que não é preciso
a gente sair do quentinho
e que já nos trazem a casa
à noite o mundo

19 janeiro, 2011

visão clara

"[...] Os ataques especulativos a economias periféricas mostram
como o jogo do dinheiro não olha a sentimentalismos. Falo por
mim, falo por muitos que como eu servem a res publica:
temos de arcar com dois acontecimentos extraordinários.
Primeiro, passámos a ser considerados despesa; segundo,
pagamos do nosso salário a ganância dum capitalismo que,
escorado no economês, nos convenceu de que tem de levar em
juros o que produzimos para, mais adiante, nos vir salvar.
Querem que adiante já o dinheiro do meu funeral?"


(excerto do parágrafo final do excelente artigo — mais um! —
"A nossa vida no reino do economês" de Luís Fernandes,
no Público de um destes dias)

10 janeiro, 2011

o amor?

de Eucanaã Ferraz




Não, não é uma flor
(pelo puríssimo prazer
de não-ser). Mas

você quer tentar
novamente, está bem.
Pense nele como: bicho.

Abeire-se dele, do abdômen,
aborde mais, chegue
à borda, toque

com o bordo, dobre
as costelas (algo de barco
no bicho).

Ele ri de você
ao vê-lo assim: curvado,
tal qual um sinal

de interrogação, abelha
vasculhando abestalhada
o que possa ser bicho-barco-flor

ou uma abertura para isso, disso,
fissura , fresta,
furo

(você o pensa como: poço?).
Não vale a pena
se abespinhar.

Faça melhor:
abisme-se
caindo.

em admirações tamanhas
que de lá não possa sair.
Afinal, o amor é isso

(se fosse), pelo despenhadeiro prazer
de jamais oferecer garantias,
arras, bula.

07 janeiro, 2011

silente começo

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