(em lenta câmara)
"Jane era a guardiã dos filmes da família. Costumava vê-los sozinha,
quando não tinha mais de sete anos. Ia buscar o projector de 8mm,
montava-o, punha o quarto às escuras. A família, antes dela nascer.
A família, depois dela nascer. Todos a correr para a câmara, quando
o pai gritava acção. O pai dizia que gostava que tudo tivesse muito
movimento. O passeio a West Point, antes dela nascer. A ida ao
Canadá, quando ela tinha oito anos. A irmã, quando era adolescente
e detestava ser fotografada. Essa irmã em bebé, um anjinho a sorrir
para a câmara, papá. A outra irmã a chorar, o sol a iluminar-lhe o
cabelo brilhante. Está sentada numa cadeira estofada, quase toda à
sombra, lágrimas pela cara abaixo, a boca vermelha e lassa de fadi-
ga. A luta entre a irmã e a mãe. A mãe afastando a câmara com a
mão, fugindo com a cabeça para o lado. O pai bronzeado, depois de
uma viagem que tinha feito sozinho às Bermudas, quando a mãe
estava grávida dela. Cenas dessa gravidez. Ela move-se pesadamente
em direcção à câmara, as filhas correndo para ela, saltando em frente
dela. São pequenas e activas, ela é grande, os movimentos contidos,
forçados. Em câmara lenta, é claro que os movimentos e gestos
revelarão mais, como se houvesse ali a mão de Proust e não apenas
a da tecnologia. Jane não põe o projector em câmara lenta quando é
pequenina. À velocidade normal, viu-se a si própria, seis meses de
idade, a tomar o biberão dado pela mãe que está olhar para a câmara,
papá, de modo a que o biberão não se enfie pela boca de Jane, mas
acena perto dele."
(excerto de "Casas Assombradas" de Lynne Tilman)
quando não tinha mais de sete anos. Ia buscar o projector de 8mm,
montava-o, punha o quarto às escuras. A família, antes dela nascer.
A família, depois dela nascer. Todos a correr para a câmara, quando
o pai gritava acção. O pai dizia que gostava que tudo tivesse muito
movimento. O passeio a West Point, antes dela nascer. A ida ao
Canadá, quando ela tinha oito anos. A irmã, quando era adolescente
e detestava ser fotografada. Essa irmã em bebé, um anjinho a sorrir
para a câmara, papá. A outra irmã a chorar, o sol a iluminar-lhe o
cabelo brilhante. Está sentada numa cadeira estofada, quase toda à
sombra, lágrimas pela cara abaixo, a boca vermelha e lassa de fadi-
ga. A luta entre a irmã e a mãe. A mãe afastando a câmara com a
mão, fugindo com a cabeça para o lado. O pai bronzeado, depois de
uma viagem que tinha feito sozinho às Bermudas, quando a mãe
estava grávida dela. Cenas dessa gravidez. Ela move-se pesadamente
em direcção à câmara, as filhas correndo para ela, saltando em frente
dela. São pequenas e activas, ela é grande, os movimentos contidos,
forçados. Em câmara lenta, é claro que os movimentos e gestos
revelarão mais, como se houvesse ali a mão de Proust e não apenas
a da tecnologia. Jane não põe o projector em câmara lenta quando é
pequenina. À velocidade normal, viu-se a si própria, seis meses de
idade, a tomar o biberão dado pela mãe que está olhar para a câmara,
papá, de modo a que o biberão não se enfie pela boca de Jane, mas
acena perto dele."
(excerto de "Casas Assombradas" de Lynne Tilman)
2 Comentários:
Deixei-te um convite no meu blogue.
Mas onde foste tu desencantar aquele Joaquim, rapariga?...
Já me lixaste.
Não sei. Dá-me tempo.
;)
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