a teus pés, Cacela
nesse dia, de facto, e ainda que seja pouco elegante
escrevê-lo, o céu estava plúmbeo. um cinzento vasto e
sufocante. um cinzento escondendo a linha do horizonte.
as crianças ficaram no carro, a dormir como anjos.
turistas rondavam as paredes seculares, os gatos com
o sono desarrumado pelos motores dos carros, e o céu
prestes a chorar. grossas lágrimas. cálidas. sedentas
da nossa sede. quem choraria nele?
lembrei de um nome com o mar lá dentro. terá ela olhado
este mar? banhou-se por aqui? terá aquele que morreu...
e suspendi as palavras...
terá o mar a capacidade de salvar?
lembrei de tanta coisa, como se um enxame de lembranças
me perturbasse os sentidos, lembrei de coisas sem apa-
rente nexo, lembrei o turbilhão da vida cantado pela
Jeanne Moreau, essa mulher estranhamente bela por quem,
lembro agora, apaixonei-me na infância...
e lembrei tanto a Ana Cristina. e também o labiríntico
Pessoa. lembrei até de meu intrépido amigo Moloi. e lem-
branças ainda, como relâmpagos surdos, da fama dos templá-
rios, da triste sorte dos cátaros, do infame fado dos judeus
fugidos a todas as Inquisições, dos nossos loucos marinheiros
antepassados que, por esses mares adentro, partiram para
desventurar o mundo...
como um tolo a falar de coisas que na verdade ignora,
como um pobre pássaro com medo de voar sobre o futuro,
dei por mim a pensar sobre o destino de paz que tantos
profetizam para este país...
dei por mim a gritar palavras inauditas e inaudíveis para o fio
frágil do horizonte...
depois o veio o sábio silêncio, a ria lá em baixo, na sua formosa
placidez, semeada de pequenos barcos como que eternizados
no tempo, a água de um verde tranquilo exalando seu perfu-
me moçárabe, o voo suspenso do pombo...
ah, gostava tanto que a Ana Cristina César pudesse ter
contemplado este mar de Cacela!...
(mas não com esse céu de tropical tempestade. de má
bonança.)
os seus pés no sal feliz da vida.
© Cacela Velha, Julho 2006
escrevê-lo, o céu estava plúmbeo. um cinzento vasto e
sufocante. um cinzento escondendo a linha do horizonte.
as crianças ficaram no carro, a dormir como anjos.
turistas rondavam as paredes seculares, os gatos com
o sono desarrumado pelos motores dos carros, e o céu
prestes a chorar. grossas lágrimas. cálidas. sedentas
da nossa sede. quem choraria nele?
lembrei de um nome com o mar lá dentro. terá ela olhado
este mar? banhou-se por aqui? terá aquele que morreu...
e suspendi as palavras...
terá o mar a capacidade de salvar?
lembrei de tanta coisa, como se um enxame de lembranças
me perturbasse os sentidos, lembrei de coisas sem apa-
rente nexo, lembrei o turbilhão da vida cantado pela
Jeanne Moreau, essa mulher estranhamente bela por quem,
lembro agora, apaixonei-me na infância...
e lembrei tanto a Ana Cristina. e também o labiríntico
Pessoa. lembrei até de meu intrépido amigo Moloi. e lem-
branças ainda, como relâmpagos surdos, da fama dos templá-
rios, da triste sorte dos cátaros, do infame fado dos judeus
fugidos a todas as Inquisições, dos nossos loucos marinheiros
antepassados que, por esses mares adentro, partiram para
desventurar o mundo...
como um tolo a falar de coisas que na verdade ignora,
como um pobre pássaro com medo de voar sobre o futuro,
dei por mim a pensar sobre o destino de paz que tantos
profetizam para este país...
dei por mim a gritar palavras inauditas e inaudíveis para o fio
frágil do horizonte...
depois o veio o sábio silêncio, a ria lá em baixo, na sua formosa
placidez, semeada de pequenos barcos como que eternizados
no tempo, a água de um verde tranquilo exalando seu perfu-
me moçárabe, o voo suspenso do pombo...
ah, gostava tanto que a Ana Cristina César pudesse ter
contemplado este mar de Cacela!...
(mas não com esse céu de tropical tempestade. de má
bonança.)
os seus pés no sal feliz da vida.
© Cacela Velha, Julho 2006
5 Comentários:
provavelmente o único lugar do sul onde gosto de ir...embora ande um pouco ausente....
excelente canto/cântico....já não falo das fotos....
alguém por aqui já deixou subentendido que roubo demais....;)
beijo.
efectivei o roubo....:) está afixado no coração masai (profile Piano)....
obrigado.
beijo.
não percam o blog FRANCIS OAK IMAGES!
www.moloi-francis.blogspot.com
as lembranças em enxame a perturbarem-nos os sentidos - uma boa imagem (sei do que falas)
o texto é belíssimo - e nem me atrevo a comentar emoções alheias - mas...ah, meu amigo...a primeira frase é PERFEITA. podia ser bem o coemeço de um romance.
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