14 agosto, 2006

murros no estômago

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© Porto, Agosto 2006


"Paula Luttringer nasceu na Argentina e deixou-a em 1977, depois de
ter estado retida num dos campos de interrogatório e tortura clan-
destinos que cobriam o país, criados pela ditadura militar do general
Videla, que governou a Argentina de 1976 a 1983. O triunvirato mili-
tar que Videla dirigia e pôs fim ao governo de Isabelita Perón tinha
um objectivo imediato e letal: exterminar a guerrilha urbana, onde se
destacavam os Montoneros e que criara a insegurança de vidas e
bens das classes ricas e dirigentes. A prazo, a vasta hierarquia mili-
tar ocupou todos os lugares do governo, das Universidades e Colé-
gios, dos meios de comunicação, da diplomacia internacional, dos
sindicatos, das empresas; mas de imediato impunha-se o sanea-
mento radical dos elementos e dos simpatizantes da guerrilha, ar-
mada e não-armada, de forma a que o Campeonato do Mundo de
Futebol, a realizar na Argentina em 1978 não levantasse qualquer
suspeita de oposição ao regime militar, que, sabia-se, viera oferecer
alguma esperança aos argentinos, cansados da insurreição da es-
querda militante. Após as habituais execuções sumárias nas ruas,
das perseguições de contra-golpe e aparentemente estabelecida a
ordem, sem qualquer publicidade, o regime militar cria um verdadeiro
Estado paralelo que não compromete o oficial, encarregado do geno-
cídio de todo o universo contestatário; um genocídio clandestino,
efectuado através de interrogatórios de familiares, amigos e conhe-
cidos dos elementos da esquerda e da guerrilha, que seriam ou não
implicados pelos militares. Foram criados mais de 240 centros de de-
tenção clandestinos, em quartéis, bases militares, comissariados da
polícia, prisões militares, onde mais de 100.000 homens e mulheres,
capturados e encapuzados foram torturados e humilhados, de forma
a rapidamente darem indicações que permitissem a captura doutros
suspeitos. Sabe-se que 30.000 dos argentinos eufemisticamente
considerados pelo Estado como "desaparecidos", foram executados.
Para os outros, a memória do lugar e do rosto dos torturadores não
existia, ficou a ideia do "poço" onde estavam mergulhados e do
medo e humilhação sofridas uma humilhação que não fez o seu luto,
porque, no fim da ditadura, o exército em geral foi amnistiado e a
convivência diária com os antigos torturadores retirou o sentido da
dignidade e da vida aos que sobreviveram.
Em 1992, Paula Luttringer regressou do Uruguai e começou a foto-
grafar os testemunhos da história da ditadura. Mostrou-o à Argen-
tina e ao mundo, desde 1998, com "El Matadero" e, desde 2000,
com o projecto "El Lamento de los Muros".
Esta colecção de imagens é um testemunho de uma realidade que
não tem lugar, que não pode ter lugar, porque a memória dela apenas
se guardou nas lacunas do sentir. A fotógrafa interrogou e recolheu
estes testemunhos de cinquenta mulheres que tinham estado presas
no tempo da ditadura de Videla. As imagens evocam os lugares que
se sabe foram prisões clandestinas.
Mostram, como só as fotografias o fazem, a ausência do inenarrável,
um vazio que se preenche com os testemunhos de quem não esquece
e a quem não deixam esquecer. Como aquela imagem onde uma som-
bra opressora se projecta sobre um muro de betão e a luz parece
moldar a permanência frágil de uma memória de dor."

Maria do Carmo Serén, Centro Português de Fotografia

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