e as flores ficaram sem sentido
Domingo bonito de sol. Dia sempre custoso de trabalho. Dia
também do aniversário da minha mãe. Após o almoço, resolvo
passar pelo cemitério. Há muito que estou sem lá ir. Como as
lojas das floristas estão fechadas, a única solução é comprar um
ramo simples no Pingo Doce, ali não muito distante. Trago um
arranjo muito simples, de flores várias, por mim desconhecidas,
em tons violáceos. Saio do supermercado e dirijo-me a pé para
o cemitério. Apesar da brisa fresca, está um dia de calor. Podia
ser Verão. Não vejo muitas pessoas, o lugar, aliás, está relativa-
mente deserto. Penso que toda a gente deve estar a gozar o
domingo junto do mar. E penso que as minhas miúdas não têm
muita sorte com o pai que lhes caiu em rifa.
Nisto, segundos depois, já a chegar perto do portão do cemitério,
logo reparo que está fechado. Custa-me a acreditar que possa
ser verdade. Eu que imaginava que muitas viúvas e tantos so-
litários, por esse país fora, tinham por hábito domingueiro ficar
a velar e mesmo a falar com os seus mortos. Ligo ao meu pai
(ele também no seu passeio dos tristes ao pé do mar, ou prova-
velmente sentado dentro carro, a olhar pastosamente para
ontem, esperando ansioso a hora do jogo do seu Porto) que me
confirma que, aos domingos e dias feriados, os cemitérios não
abrem as portas pela tarde. Conformado, rio-me da situação.
Eu, o menino ateu e laico, que aos dez anos de idade, depois
de quatro anos infindáveis de catequese e comunhões inti-
midantes, passou do lado esquerdo da rua para o lado direito
da mesma rua, que trocou para sempre o silêncio assustador
da igreja e as orações de frases tão irreais, pelo ruído dos pitões
de borracha sobre a terra saibrosa, as alegres perseguições
atrás de uma bola de mau couro, a chutar alegremente todos
os sonhos da infância, assim o mundo parecia avançar mais
feliz e eu com ele...
Eu, ranhosa ovelha do católico rebanho, acabei então a dar
com o nariz na porta de um cemitério, por ignorância. E vim-
-me embora a cogitar que, curiosamente, nem os cemitérios
podem combater os grandes templos de consumo...
também do aniversário da minha mãe. Após o almoço, resolvo
passar pelo cemitério. Há muito que estou sem lá ir. Como as
lojas das floristas estão fechadas, a única solução é comprar um
ramo simples no Pingo Doce, ali não muito distante. Trago um
arranjo muito simples, de flores várias, por mim desconhecidas,
em tons violáceos. Saio do supermercado e dirijo-me a pé para
o cemitério. Apesar da brisa fresca, está um dia de calor. Podia
ser Verão. Não vejo muitas pessoas, o lugar, aliás, está relativa-
mente deserto. Penso que toda a gente deve estar a gozar o
domingo junto do mar. E penso que as minhas miúdas não têm
muita sorte com o pai que lhes caiu em rifa.
Nisto, segundos depois, já a chegar perto do portão do cemitério,
logo reparo que está fechado. Custa-me a acreditar que possa
ser verdade. Eu que imaginava que muitas viúvas e tantos so-
litários, por esse país fora, tinham por hábito domingueiro ficar
a velar e mesmo a falar com os seus mortos. Ligo ao meu pai
(ele também no seu passeio dos tristes ao pé do mar, ou prova-
velmente sentado dentro carro, a olhar pastosamente para
ontem, esperando ansioso a hora do jogo do seu Porto) que me
confirma que, aos domingos e dias feriados, os cemitérios não
abrem as portas pela tarde. Conformado, rio-me da situação.
Eu, o menino ateu e laico, que aos dez anos de idade, depois
de quatro anos infindáveis de catequese e comunhões inti-
midantes, passou do lado esquerdo da rua para o lado direito
da mesma rua, que trocou para sempre o silêncio assustador
da igreja e as orações de frases tão irreais, pelo ruído dos pitões
de borracha sobre a terra saibrosa, as alegres perseguições
atrás de uma bola de mau couro, a chutar alegremente todos
os sonhos da infância, assim o mundo parecia avançar mais
feliz e eu com ele...
Eu, ranhosa ovelha do católico rebanho, acabei então a dar
com o nariz na porta de um cemitério, por ignorância. E vim-
-me embora a cogitar que, curiosamente, nem os cemitérios
podem combater os grandes templos de consumo...
6 Comentários:
estranho é que as almas
tenham horários...
e que
se obriguem ao ritmo dos
´vivos`...
~
mas não creio que as flores
não tivessem encontrado
um sentido - em si mesmas...? :)
o sentido das flores é contrário ao dos ponteiros do relógio, caro francisco. um grande beijinho *
estas mulheres são danadas para ensinamentos!
Francisco, tens lá uma correntezinha. Tinha de passar a alguém, e pensei que tu tens espírito de sacrifício...
:)
Ai, Isabela, que és danada para a brincadeira!
;)
Mas olha que o meu espírito de sacrifício não anda lá muito em alta. Na verdade, também não aprecio muito estas blogosféricas correntes. Nem é assim que gosto de dizer de mim.
Ainda por cima, era bem mais fácil falar das coisas com que me importo.
Vamos a ver, amiga, não prometo nada. De qualquer forma, foi um prazer - não o nego - ser acorrentado por ti.
;)
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