Sintra numa rima pelintra
© Sintra, Fevereiro 2006
- Paizinho, esta terra é no norte ou no sul?
- É no sul. Em tempos, foi terra de mouros.
- E ali naquele palácio havia princesas muito belas?
- Havia mouras encantadas...
- E o que aconteceu, não gostavam delas?
- Houve muitas batalhas, depois perderam a guerra.
- Mas essas pessoas fugiram ou ficaram por cá?
- Talvez tenham ficado os mais fracos. Ou os mais sábios.
- Mas morreu muita gente?
- Sim, mas desse tempo já pouca memória existe.
- Nem acredito que já houve tanta desgraça nesta linda serra!
- É verdade...E cheia de encantamentos e escondidos tesouros...
- E no palácio, quem ficou lá depois a morar?
- Um princípe meio adoentado mas muito belo.
- E o que há ali mais acima, um castelo?
- Sim, e escondeu-se por lá um rei bastante louco.
- Porquê? Tinha medo de governar?
- Não, mas para ele o país contava pouco.
- Porquê? Só pensava em festas e em dinheiro?
- Sim e gastou tudo a construir estes palácios faustosos.
- A rainha não o proibia?
- A rainha desaparecera sem deixar rasto, como por magia.
- Se calhar é por isso que ali há ainda tanto nevoeiro.
- Talvez seja por lá haver fantasmas...ou algum maldito segredo.
- Não é nada, pai! Para que me queres meter medo?
- Esses fantasmas são bonzinhos, a rainha é que era má.
- Isso já parece é a história da branca de neve!
- Eu acho que é muito mais triste.
- Então, o príncipe não casou com a princesa mais bela?
- Não, casou com uma feiosa que por aqui estava à janela.
- Naquele palacete azul?
- Sim, o das janelas partidas...
- E agora, será que é uma casa assombrada?
- Não, essa é a casa em frente.
- Não parece nada...
- Diz-se que existe lá um terrível mistério...
- Mas está tão bem pintada, o telhado tão bem arranjadinho!
- Ouvem-se sons estranhos, vindos de um poço muito profundo.
- Deve ser preciso ter coragem para lá viver...
- Viveu lá um vampiro que nunca arranjou namoradas...
- Nunca beijou ninguém nos lábios?
- Não, nunca saboreou tal favor.
- Boa, assim morreu sem morder qualquer pescocinho!
- Coitado...ficou só capa e ossos...
- Ainda bem que os maus acabam sempre a sofrer!
- Mas olha que ele finou-se a amaldiçoar todo o mundo...
- Começo a não acreditar nestas tuas histórias doidas varridas!
- Mas tu ajudas-me a inventá-las, meu amor!
- Começo a sentir que escrever histórias é uma mentira breve.
- Fico triste por dizeres isso. É que isso eu não sinto.
- Eu sintro. E não te minto.
- A sério?
8 Comentários:
mundo intra a partir de Sintra (uma das teses da Eubiose)
'uma mentira breve' deliciosa.
será?
E essa serra, onde morreu tanta gente, onde há um palácio, um principe adoentado, uma rainha desaparecida, um vampiro que morreu virgem, há-de ser o cenário para o filme de Paul Auster.
Sim, Patrícia, também andei por lá a pensar nisso. Só que na Praia das Maçãs são tantas as casas fantásticas...
Falarei um dia mas de Sintra não posso deixar de dizer: Palácio da Regaleira. Com visita e explicação. A não perder.A não perder, mesmo!
Cenário e texto fino para mais um conto dos irmãos Grimm. Filme que vi ontem e aconselho.
e a não perder também mais um texto do francisco.
E eu... que lá vivo e da minha janela a avisto, e dela nunca me canso da minha Cintya Amada...
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