andré jordan
* (...) Os portugueses são... judeus. Da minha observação e
intuição, eu diria que há muito poucos portugueses que não
sejam judeus. Muitos haverá que desconhecem essa origem e
que nem se apercebem que os seus nomes - Mendes, Pinto,
Pereira, etc. - revelam a presença de sangue judeu nas suas
famílias. Acontece que em Portugal e no Brasil (talvez por ser
filho de Portugal) não há o anti-semitismo que conheço noutros
países e também não há racismo. (...)
(...) Eu ainda estou aprendendo Portugal. Tem sido, ao longo de
quase quarenta anos, um aprendizado fascinante. Quando não
se cresceu num lugar e quando não se fez aquelas amizades da
infância e da juventude que dão o conhecimento e a confiança
que se pegam naturalmente à nossa pele (e que eu tenho, por
exemplo, em relação ao Brasil e, particularmente, ao Rio de
Janeiro), é necessário um tempo mais longo para aprendermos a
conhecer esse lugar. Quando vivemos um ano num país, julga-
mos que o conhecemos; ao cabo de cinco anos, percebemos que
não sabemos nada dele. E é aí que começamos verdadeiramente
a aprender, com a consciência de que nunca vamos ter a chave do
segredo, mas com o desejo de aproveitar e usufruir do que fomos
apreendendo. A sina de uma pessoa internacional como eu sou, é
ter uma visão muito aguda das qualidades e dos defeitos dos
vários povos. Há um aspecto da sociedade portuguesa e dos por-
tugueses que, para mim, é absolutamente precioso e é a razão
principal que me levou a vir para cá e a viver aqui - o respeito
humano. Por algum motivo, que ainda não descobri qual é, os
portugueses têm um profundo respeito pelos outros, o que consi-
dero ser a característica mais importante das relações humanas
em Portugal. As pessoas não querem ferir os outros, não gostam
de ofender os outros. Nos negócios isto é, por vezes, um handicap,
uma limitação vista como falta de frontalidade, o que não é total-
mente justo como avaliação. Por que é que é assim, por que é que
os portugueses são o único povo no Ocidente que ainda é assim?
Esse é um mistério que continuo a investigar, quero descobrir a
razão desta atitude, deste respeito profundo, desta espécie de
consideração pelo próximo praticado a todos os níveis. Sou disso
tetemunha, todos os dias. Mesmo quando somos pessoalmente
atacados, é quase como se fôssemos em abstracto. Não é uma
atitude sempre muito eficaz, mas acho que Portugal vai encon-
trando a sua maneira de ser eficaz. É também "à sua maneira"
que Portugal, depois da abertura que o 25 de Abril trouxe, se faz
ao mundo. Essa maneira mantém-se e é um traço distintivo.
Lembro-me que, quando fui a primeira vez a Hong Kong fiquei
desapontado, e até furioso, porque me parecia estar em Nova
Iorque com pessoas de olhos rasgados. Na Nova Iorque da
minha juventude, onde vivi bastante tempo com a minha mãe,
cada chauffeur de táxi era um artista que nos entretinha com mil
histórias divertidas; dominava o humor judeu porque, como gra-
cejava a irmã da minha segunda mulher - "Anybody born in New
York is jewish". Hoje em dia os nova-iorquinos foram pratica-
mente expulsos e perdeu-se aquele tom tão característico e pró-
prio da cidade. Nas salas de espera de qualquer aeroporto já não
consigo identificar as nacionalidades das pessoas pelos sapatos e
pela roupa; com a mundialização das marcas, são elas que
marcam a atitude geral dos corpos. Mas continuo a reconhecer
um português pelo seu olhar."
* entrevista de Maria João Seixas na revista Pública de 6 de Novembro.
intuição, eu diria que há muito poucos portugueses que não
sejam judeus. Muitos haverá que desconhecem essa origem e
que nem se apercebem que os seus nomes - Mendes, Pinto,
Pereira, etc. - revelam a presença de sangue judeu nas suas
famílias. Acontece que em Portugal e no Brasil (talvez por ser
filho de Portugal) não há o anti-semitismo que conheço noutros
países e também não há racismo. (...)
(...) Eu ainda estou aprendendo Portugal. Tem sido, ao longo de
quase quarenta anos, um aprendizado fascinante. Quando não
se cresceu num lugar e quando não se fez aquelas amizades da
infância e da juventude que dão o conhecimento e a confiança
que se pegam naturalmente à nossa pele (e que eu tenho, por
exemplo, em relação ao Brasil e, particularmente, ao Rio de
Janeiro), é necessário um tempo mais longo para aprendermos a
conhecer esse lugar. Quando vivemos um ano num país, julga-
mos que o conhecemos; ao cabo de cinco anos, percebemos que
não sabemos nada dele. E é aí que começamos verdadeiramente
a aprender, com a consciência de que nunca vamos ter a chave do
segredo, mas com o desejo de aproveitar e usufruir do que fomos
apreendendo. A sina de uma pessoa internacional como eu sou, é
ter uma visão muito aguda das qualidades e dos defeitos dos
vários povos. Há um aspecto da sociedade portuguesa e dos por-
tugueses que, para mim, é absolutamente precioso e é a razão
principal que me levou a vir para cá e a viver aqui - o respeito
humano. Por algum motivo, que ainda não descobri qual é, os
portugueses têm um profundo respeito pelos outros, o que consi-
dero ser a característica mais importante das relações humanas
em Portugal. As pessoas não querem ferir os outros, não gostam
de ofender os outros. Nos negócios isto é, por vezes, um handicap,
uma limitação vista como falta de frontalidade, o que não é total-
mente justo como avaliação. Por que é que é assim, por que é que
os portugueses são o único povo no Ocidente que ainda é assim?
Esse é um mistério que continuo a investigar, quero descobrir a
razão desta atitude, deste respeito profundo, desta espécie de
consideração pelo próximo praticado a todos os níveis. Sou disso
tetemunha, todos os dias. Mesmo quando somos pessoalmente
atacados, é quase como se fôssemos em abstracto. Não é uma
atitude sempre muito eficaz, mas acho que Portugal vai encon-
trando a sua maneira de ser eficaz. É também "à sua maneira"
que Portugal, depois da abertura que o 25 de Abril trouxe, se faz
ao mundo. Essa maneira mantém-se e é um traço distintivo.
Lembro-me que, quando fui a primeira vez a Hong Kong fiquei
desapontado, e até furioso, porque me parecia estar em Nova
Iorque com pessoas de olhos rasgados. Na Nova Iorque da
minha juventude, onde vivi bastante tempo com a minha mãe,
cada chauffeur de táxi era um artista que nos entretinha com mil
histórias divertidas; dominava o humor judeu porque, como gra-
cejava a irmã da minha segunda mulher - "Anybody born in New
York is jewish". Hoje em dia os nova-iorquinos foram pratica-
mente expulsos e perdeu-se aquele tom tão característico e pró-
prio da cidade. Nas salas de espera de qualquer aeroporto já não
consigo identificar as nacionalidades das pessoas pelos sapatos e
pela roupa; com a mundialização das marcas, são elas que
marcam a atitude geral dos corpos. Mas continuo a reconhecer
um português pelo seu olhar."
* entrevista de Maria João Seixas na revista Pública de 6 de Novembro.
1 Comentários:
Decididamente, ele precisa de mais alguns anos cá.
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