ontem como hoje
Mais um excerto da carta escrita por Carl Israel Ruders, em
Lisboa a 30 de Dezembro de 1798.
"(...) Junto à Torre de Belém havia, à nossa chegada, algumas em-
barcações que, por causa das festas, não tinham conseguido a cha-
mada Praktika, ou verificação das certidões de sanidade. Pela
mesma razão, nós tivemos também de ficar no mesmo sítio até ao
terceiro dia depois do Natal, ou seja, até ao dia 27, quando, na
companhia do Comandante, fui a terra e apresentei o meu passa-
porte, tendo conseguido autorização para visitar a cidade. Não é
possível imaginar uma cidade mais majestosa do que Lisboa, tal
como esta se apresenta ao navegante que chega. Todas as suas
colinas, enfeitadas por edifícios notáveis a vários níveis, que,
juntos, formam um vasto anfiteatro causam no espectador uma
profunda impressão. O grande número de navios de todas as
partes do mundo, o número ainda maior de barcos a remos e
veleiros de vários modelos que atravessam o rio vindos de inú-
meros pontos diferentes e o constante movimento de carga e
descarga dos navios, tudo isto, em contraste com a alta margem
oposta, escalvada e despovoada, de Além-Tejo, aumenta a ale-
gria do navegante que chega após a experiência monótona que
é uma passagem pelo mar Espanhol. Mas este rio, que, graças ao
comércio, constitui a riqueza de Lisboa, e que com as suas marés
facilita as comunicações com as localidades vizinhas, é muitas ve-
zes perigoso, sobretudo nesta época do ano. Não raramente, os
golpes de vento repentinos, vindos das altas margens, fazem que
os barcos batam uns nos outros, ficando danificados em maior ou
menor grau. Há também exemplos de navios grandes se terem
virado, quando na carga há mercadorias pesadas soltas. O grande
número de cabos com que estão amarrados enredam imediata-
mente os barcos que neles tocam, e dizem que é difícil salvar uma
pessoa que caia à água. Aqui em Lisboa há em todas as pontes
um grande número de barcos a remo. Os homens que os condu-
zem conhecem a fundo estas águas e a arte de navegar. Com eles,
raramente há acidentes. Já experimentei, porém, à minha custa,
a necessidade de combinar com eles o preço da passagem antes
de embarcar, porque eles tentam enganar os forasteiros, são nor-
malmente exigentes e obstinados e têm um feitio rude.
Todas as embarcações que chegam são obrigadas a ancorar
junto à Torre de Belém, que tem duas baterias e está rodeada de
água por todos os lados, e só podem continuar até à cidade depois
de inspecção prévia. Em caso de desobediência, são ameaçadas
por balas de canhão, que, para começar, são disparadas à frente
da proa. Aqui estão preparados os visitadores. Uma dessas
pessoas é imediatamente colocada a bordo depois de o Capitão
apresentar os seus papéis no forte. O rio, que aqui é bastante
estreito, tem na sua margem esquerda um edifício, altíssimo e
de um comprimento de várias centenas de alnas, cuja arqui-
tectura é uma mistura de gótico e de árabe. É um mosteiro para
frades da ordem dos Jerónimos, com uma grande e magnífica
igreja, onde estão sepultadas muitas pessoas da família real. O
edifício, fundado em 1491 pelo rei Manuel, foi acabado pelo seu
filho e sucessor João III. De ambos os lados há casas mais pe-
quenas. Um pouco mais adiante está o Real Jardim de Animais,
onde se encontra um grande número de animais ferozes. Ao
lado do jardim passa o caminho para a Ajuda, onde podem ser
visitados o Real Jardim Botânico e os Gabinetes de Arte e
História da Natureza, assim como a bela igreja que o marquês
de Pombal mandou construir em memória do assassínio aqui
preparado contra o rei José I. (...)"
Lisboa a 30 de Dezembro de 1798.
"(...) Junto à Torre de Belém havia, à nossa chegada, algumas em-
barcações que, por causa das festas, não tinham conseguido a cha-
mada Praktika, ou verificação das certidões de sanidade. Pela
mesma razão, nós tivemos também de ficar no mesmo sítio até ao
terceiro dia depois do Natal, ou seja, até ao dia 27, quando, na
companhia do Comandante, fui a terra e apresentei o meu passa-
porte, tendo conseguido autorização para visitar a cidade. Não é
possível imaginar uma cidade mais majestosa do que Lisboa, tal
como esta se apresenta ao navegante que chega. Todas as suas
colinas, enfeitadas por edifícios notáveis a vários níveis, que,
juntos, formam um vasto anfiteatro causam no espectador uma
profunda impressão. O grande número de navios de todas as
partes do mundo, o número ainda maior de barcos a remos e
veleiros de vários modelos que atravessam o rio vindos de inú-
meros pontos diferentes e o constante movimento de carga e
descarga dos navios, tudo isto, em contraste com a alta margem
oposta, escalvada e despovoada, de Além-Tejo, aumenta a ale-
gria do navegante que chega após a experiência monótona que
é uma passagem pelo mar Espanhol. Mas este rio, que, graças ao
comércio, constitui a riqueza de Lisboa, e que com as suas marés
facilita as comunicações com as localidades vizinhas, é muitas ve-
zes perigoso, sobretudo nesta época do ano. Não raramente, os
golpes de vento repentinos, vindos das altas margens, fazem que
os barcos batam uns nos outros, ficando danificados em maior ou
menor grau. Há também exemplos de navios grandes se terem
virado, quando na carga há mercadorias pesadas soltas. O grande
número de cabos com que estão amarrados enredam imediata-
mente os barcos que neles tocam, e dizem que é difícil salvar uma
pessoa que caia à água. Aqui em Lisboa há em todas as pontes
um grande número de barcos a remo. Os homens que os condu-
zem conhecem a fundo estas águas e a arte de navegar. Com eles,
raramente há acidentes. Já experimentei, porém, à minha custa,
a necessidade de combinar com eles o preço da passagem antes
de embarcar, porque eles tentam enganar os forasteiros, são nor-
malmente exigentes e obstinados e têm um feitio rude.
Todas as embarcações que chegam são obrigadas a ancorar
junto à Torre de Belém, que tem duas baterias e está rodeada de
água por todos os lados, e só podem continuar até à cidade depois
de inspecção prévia. Em caso de desobediência, são ameaçadas
por balas de canhão, que, para começar, são disparadas à frente
da proa. Aqui estão preparados os visitadores. Uma dessas
pessoas é imediatamente colocada a bordo depois de o Capitão
apresentar os seus papéis no forte. O rio, que aqui é bastante
estreito, tem na sua margem esquerda um edifício, altíssimo e
de um comprimento de várias centenas de alnas, cuja arqui-
tectura é uma mistura de gótico e de árabe. É um mosteiro para
frades da ordem dos Jerónimos, com uma grande e magnífica
igreja, onde estão sepultadas muitas pessoas da família real. O
edifício, fundado em 1491 pelo rei Manuel, foi acabado pelo seu
filho e sucessor João III. De ambos os lados há casas mais pe-
quenas. Um pouco mais adiante está o Real Jardim de Animais,
onde se encontra um grande número de animais ferozes. Ao
lado do jardim passa o caminho para a Ajuda, onde podem ser
visitados o Real Jardim Botânico e os Gabinetes de Arte e
História da Natureza, assim como a bela igreja que o marquês
de Pombal mandou construir em memória do assassínio aqui
preparado contra o rei José I. (...)"
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