24 setembro, 2008

Felicidade, de Henri Michaux

Às vezes, num repente, sem causa visível, percorre-me um
grande arrepio de felicidade.
Vindo dum centro de mim, tão interior que eu o ignorava,
ele leva, embora rodando a extrema velocidade, um tempo
considerável a alcançar as minhas extremidades.
Esse arrepio é perfeitamente puro. Por mais extensamente
que circule dentro de mim, nunca encontra nenhum órgão
inferior, nem qualquer outro, de resto, nem encontra ideias,
nem sensações, de tal modo é absoluta a sua intimidade.
E tanto Ele como eu estamos perfeitamente sós.
Talvez que, percorrendo todas as partes de mim, ele me
pergunte à passagem: «Então, como vai isso? Posso fazer
alguma coisa por si, neste sítio?» É possível. E que à sua
maneira me console as entranhas. Mas eu não sou posto ao
corrente.
Eu gostaria de proclamar a minha felicidade, mas que dizer?
É uma coisa tão estritamente pessoal.
Dentro em pouco, o prazer é demasiado intenso. Sem eu dar
por isso, no espaço de segundos, torna-se um sofrimento atroz,
um assasssinato.
A paralisia! digo cá para mim.
Faço depressa alguns movimentos, rego-me com muita água
ou, mais simplesmente, deito-me de barriga para baixo, e a
coisa passa.



um magnífico texto retirado de "As Minhas Propriedades" (Fenda
Edições), livro que, por este caminho, ainda acaba todo transposto
aqui, neste meu canto blogosférico.


1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Formidável!!! Que texto tão bom!! Venha o resto do livro! :D

29 setembro, 2008 20:02  

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