13 novembro, 2006

o morcego e a bela castanha

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© Novembro, 2004


[-Escreves tu uma frase que eu escrevo outra, está bem
filhinha? Vamos ver se conseguimos imaginar e escrever
uma pequena historieta a duas mãos. -Começo eu, pai!]

Era uma vez um morcego-bebé que, numa bela tarde de sol de
novembro, caiu apaixonado por uma linda castanha. A castanha
era muito bonita, realmente. Ela era a princesa das castanhas.
Talvez fosse princesa mas ninguém tinha a certeza, pois ela não
trazia nenhum vestido faustoso, nem qualquer espécie de tiara
ou coroa sobre a cabeça. Pelo contrário: ela não trazia mesmo
nadinha no corpo. Estava nuazinha. Parecia que estava a bron-
zear-se ao sol. E já devia mesmo ter apanhado muito sol, pois
estava muito morenita. O morcego-bebé e a princesa castanha
tiveram muita vergonha um do outro. Mas não sabemos se che-
garam a ficar corados.

[-Ó pai, tu escreves frases muito compridas e coisas um pouco
idiotas. A história assim vai ficar meia-maluca. -Mas é mesmo
isso que eu quero, filha. Como aquela história dos Brincalhões
que tu gostas tanto, lembras-te?, daquele livro muito engra-
çado que tantas vezes já te li à noite, do senhor Mack quase a
pisar o cócó quando ia a levar os seus filhotes à escola.]


A princesa pensou para si mesma que não gostaria de beijar
coisinha tão feia e peluda. Ai não, não! Logo ela que tinha uma
pele tão bem cuidada e sedosa. Dura por fora, sim, mas doce por
dentro. Logo ela que era uma menina tão solar. E ali aquele
atrevidito serzinho, parecendo tão perdido de si mesmo, tão
orelhudinho, com patinhas de um negro tão horrendo. Não, ela
não quereria nada com esse morceguito de hábitos tão noctíva-
gos, de intenções algo vampirescas.

[-Ó papá, assim não vale, estragas a história toda com essas pa-
lavras difíceis que eu nunca ouvi na vida! Não quero jogar mais
este jogo. Vamos lá acabar com a estúpida história.]


Não, não se beijaram, nem foram felizes para sempre. O verão
de São Martinho não é propício a amor tão surreal.

[Continuo a não gostar, até já estava a parecer que ia acabar
tão bem e depois vieste com essa treta do sujo real. Para mim,
e disso devo avisar já os futuros leitores, a história é apenas
tua, não tenho nada a ver com ela, eu até queria que eles se ca-
sassem e tivessem muitos filhos no final. -Mas filha, não me
parecia nada lógico que os morcegos gostassem de casar com
castanhas, e depois dormissem com elas, e que depois tivessem
tantos filhos que desse até para fazer um magusto. Seria talvez
um pouco aberrante. -Mas foste tu, papá, quem disseste que a
nossa historinha não tinha que ter qualquer semelhança com a
realidade, tal como aquele aviso que aparece no final dos
filmes.]


A castanha, bem assadinha primeiro, acabou assim depois, feita
papa na minha barriga e quanto ao morcego não sei, não sei o que
o Douro e o Nilo, ou algum gato mais danadinho, lhe pudessem
ter feito, nem toda a gente, quanto mais inocentes animais, sabe
brincar com bebés...

[-O meu pai é tolo. -Na verdade, filhita, eu não sabia como dar
um fim a isto... -Então, não tinhas nada que falar dos cães dos
avós. -Isto, filhota, eu sei que não é propriamente uma história
para crianças, é uma espécie de história infantil para meninos

mais crescidos, um pouco tonta e infeliz, é certo, mas que espe-
ro, quem sabe, venhas a gostar de lê-la no futuro, e possamos
então rir os dois à gargalhada de tanto disparate que fizemos
juntos. Ó pai, mas o futuro é muito longe!]

8 Comentários:

Blogger hfm disse...

Belo!
Como eu gostei de ler: "O futuro é muito longe!"

13 novembro, 2006 11:08  
Blogger Carla de Elsinore disse...

é um privilégio da infância, pensar que o futuro é muito longe.

13 novembro, 2006 11:22  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

Guimarães Rosa
"A Hora e a Vez de Augusto Matraga"

Mas o melhor conto brasileiro tem procurado atingir também a dimensão metafísica e, num certo sentido, atemporal, das realidades vitais: Guimarães Rosa foi mestre na passagem do fato bruto ao fenômeno vivido, da descrição à epifania, da narrativa plana à constelação de imagens e símbolos; mas tudo isso ele o fez com os olhos postos na mente sertaneja, remexendo nas relações mágicas e demoníacas que habitam a religião brasileira.
A invenção romanesca de Guimarães Rosa guarda fundas analogias com o "materialismo" animista do vaqueiro e do jagunço. A sua perspectiva parece ser o transplante letrado de uma certa visão primitiva ou arcaica das coisas à qual ele procurou ser poeticamente fiel.
Mas a solução-Guimarães Rosa não pôde impor-se como único modelo. A sua extrema originalidade nascia de uma conjunção rara, talvez irrepetível: o diálogo de uma solerte cultura lingüística e literária com as mais caudalosas fontes de psique e da mitologia sertaneja.

Alfredo Bosi
Crítico Literário

13 novembro, 2006 15:55  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

quando Pacheco Pereira diz que novecenta por cento da blogoesfera é lixo, isto é terrível: pode ser transposto para: 90 por cento da sociedade é lixo. Quando Moloi assistiu a sua palestra em Vila do Conde ficou horrorizado. Como o poder do intelecto pode ser negativo...

13 novembro, 2006 21:34  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

o privilégio é todo meu!

13 novembro, 2006 22:31  
Blogger [ t ] disse...

E a filha não tem blogue? :)

(deixei o blogocírculo por uns tempos e não respondi a um comentário seu, relacionado com a escolha dos posts no meu blog,tem todo o presente, apenas porque 'o futuro é muito longe!')

15 novembro, 2006 14:04  
Blogger subtilezas disse...

se não tem deveria ter. o meu rapaz tem um. adora fotografar. será indicado andarmos a criar seres sensiveis e pensantes, estimular esses lados,para quando crescerem se transformarem em inadptados, como eu, pelo menos?...
adorei o conceito do sujo real, muito bom!
as palavras são mesmo complicadas de explicar

15 novembro, 2006 15:59  
Blogger Silvia Chueire disse...

No sentido menos estrito ela tem razão, o futuro é muito longe, aliás o futuro nunca é.

Um abraço,

Silvia

22 novembro, 2006 12:04  

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