25 outubro, 2006

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Há uns tempos atrás fui aqui na blogosfera desafiado, pela
Alice e mais tarde pela [t]eresa para para dizer umas seis ou
sete coisas sobre mim. Logo nessa altura alinhavei a maior
parte do arrazoado de palavras que se segue aqui em baixo.
Saiu tudo demasiado ao sabor da pele, caótico, aleatório, básico,
cru, incongruente, revelador, secreto, extenso, chato, porven-
tura ridículo e superficial. Indeciso, descontente, preferi guardar
em draft. Um dia eliminaria praticamente tudo, até sobrarem
sete curtas e limpas frases. Esse dia nunca chegou. Eu prometera
não quebrar a corrente. E aqui estou chegado, com o fardo em
brutas mãos. Não salvar mais como draft. Aí vai disto. Enter.
Como quem joga tudo no lixo.

1. Fui um lindo bebé, ao que parece, mas isso são todos os bebés.
Depois, um rapazito magricelas. Um trinca-espinhas. Mais tarde,
diziam que eu tinha cara de menina. Ainda mais tarde, bem já
mais que um adolescente, diziam que tinha cara de menino.
Depois, por fim, um gajo giro. E por aí fora, até ao tipo bem con-
servado e coisas assim, como se eu aparentasse sempre uns bons
dez anos menos. Não há, claro, mérito meu algum nisso.
Na verdade, sinto-me um puto. É como se o b.i. mentisse sobre
as coisas essenciais.
Ia a pé para a escola sozinho.
Hoje as minhas filhas vão de popó. Sinais dos tempos.
Cresci a jogar futebol na rua. Tenho orgulho disso. Logo soube,
todavia, que nunca seria como o meu ídolo Johan Cruift, eu que
até me achava parecido com esse elegante e mágico holandês,
mas na tv a preto-e-branco eu não me dava conta que ele era
louro. Um dia, ainda miúdo, comprei a sua autobiografia e houve
uma frase que nunca esqueci, «que todo o golo era uma questão
de sorte».
Hoje envelheço sentado frente a computadores e monitores de
toda a espécie. Se corresse os 100 metros, o Obikwelu já tinha
cortado a meta e eu ainda estava a arrancar. E numa corrida de
fundo, qualquer catraio de dez anos já era bem capaz de me
ganhar...
Perdi todos os amigos. Os amigos das ruas da infância. Os amigos
dos liceus da vida. Os amigos da universidade perdida. Os amigos
forçados da tropa. Os amigos de todas as encruzilhadas, de todos
os acasos, de todas as esquinas da vida.
Restam-me alguns amigos das artes e os colegas de ofício.

2. Reconheço-me no perfil genérico do sagitário. Sou um gajo
dual, se isso se pode assim dizer ou entender. Dual era também
a marca do primeiro e único gira-discos da minha vida. Veio da
Alemanha trazido por uns tios emigrantes. O primeiro 45 rpm
da família foi o Chiquitita dos Abba. Não sei já onde encontrá-lo.
Nunca mais quis saber dos Abba, embora esteja bastante tentado
a comprar o novo disco da Anne Sofie von Otter.

3. Nunca usei gravata. Nem calças vermelhas. Nem bigode.
Mas o Chico Buarque usou e admito que lhe ficava a matar (tudo
lhe fica, aliás). A barba cresce-me devagar, tenho sempre portanto
um aspecto algo suspeito.
Nunca fui um playboy nem um beach boy. Na minha juventude
ninguém sonhava ser surfista mas sim em ser o rei da pista.
Andei demasiados anos com um crachá ao peito da Joy Division.
Mas sou, apesar de tudo, um apaixonado da vida.
Não falo agora de amores outros.

4. Devo ter um coração bom. Durmo tão pouco e ele lá vai dando,
por ora, motorzinho diligente, conta do recado. Parece uma boa e
simpática pensão de putas. Há sempre um cantinho para alojar
mais alguém.

5. Sei que a terra gravita em volta do sol mas poucas mais noções
tenho já de geografia. Já mal sei os o nomes e a ordem dos plane-
tas do nosso sistema solar. Esqueci as constelações um dia apren-
didas.
Olho o céu, contudo, sempre deslumbrado. Olho o céu e lembro-
-me de deus. Lembro-me muitas vezes de deus e sempre concluo
que não acredito nessa ideia dos homens. Porquê tão inculcada
dúvida?
O tempo ensina mas também rouba. A vida torna-me (em) tudo
vago, a memória difusa, uma esponja demasiado lassa.

6. Tive as minhas fases. A fase Pessoa, claro, como nós todos.
A fase Henry Miller e a fase Kafka. Depois, intensamente, a fase
Lobo Antunes. E obssessiva e apaixonadamente a fase Duras.
E também, como um devoto, a fase Llansol. Mais tarde, a fase
Tabucchi e a fase Chatwin. Hoje sacio-me um pouco por aqui e
acoli. Ando sempre a jurar a mim mesmo, angustiado, que agora
vou ler ou reler apenas os clássicos.
E tenho os meus amigos de sempre: Tom Waits, Caetano, Zeca,
Leonard Cohen, Velvet, Serge Gainsbourg, Brel, Nick Cave, Nina
Simone, Laurie Anderson, Carmen Miranda.
Levaria para uma ilha deserta o meu ipod com as vozes de todas
as mulheres. Todas as mulheres que amei.

7. Gosto de pensar-me como um provocador de imagens. Ou,
ainda, um povoador das imagens. Através dos sons, das arestas
e das frestas das palavras, de toda a sorte de metáforas.
Síntese ou sintaxe das imagens como festa dos sentidos.
Oficiante de luz e trevas.
Não morrerei cumprido, se um dia não chegar a pôr os pés em
nova iorque.
Homem da cidade que sou.
Filho do ocidente.

16 Comentários:

Blogger alberto serra disse...

amigo. um dia lerei a tua autobiografia. num desses raros alfarrabistas que perpetuam com cuidados de parteira a memória dos coleccionadores de utopias.abraço

25 outubro, 2006 12:34  
Anonymous Anónimo disse...

come to china. come to beijing.before new york.

25 outubro, 2006 12:50  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

nunca passou pela cabeça de Moloi que o desejo de conhecer New York seja uma utopia e que Francisco Carvalho seja o novo Camilo Peçanha da literatura portuguesa...

25 outubro, 2006 13:44  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

que haja o ópio da auto-ilusão para todos!

25 outubro, 2006 13:59  
Blogger francisco carvalho disse...

Beijinhos para lee yutao.

25 outubro, 2006 14:04  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

é nestas horas que Moloi invoca Guevara, Guevarita, Claudia, Claudita, help us!

25 outubro, 2006 14:05  
Anonymous Anónimo disse...

uma delícia ler o francisco. muito obrigada de coração. um beijinho, alice

26 outubro, 2006 09:42  
Blogger Cláudia Rocha Gonçalves disse...

ja te salvo!
tu fazes de um exercício para a cusquice, um belo texto de.. leitura?
aquilo és simplesmente tu, mas ha qq coisa de especial. talvez sejas especial. ou fases com que as palavras te ponham mais em cima!

:D

26 outubro, 2006 10:48  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

tô à espera, Guevarita...

26 outubro, 2006 10:51  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

Guevarita, penso que é a segunda hipótese que me salva, desculpe.
O seu fiel escudeiro,
Moloi.

26 outubro, 2006 10:59  
Anonymous Anónimo disse...

i want to see your complete profile. Beijing , you know surely, is the capital of my country: CHINA. I don´t live in Chinatown.

26 outubro, 2006 13:59  
Anonymous Anónimo disse...

Bastava isto e o ponto 7 (Devemos manter a coerencia, principio chinês e do raio laser.


Há uns tempos atrás fui aqui na blogosfera desafiado, pela
Alice e mais tarde pela [t]eresa para para dizer umas seis ou
sete coisas sobre mim. Logo nessa altura alinhavei a maior
parte do arrazoado de palavras que se segue aqui em baixo.
Saiu tudo demasiado ao sabor da pele, caótico, aleatório, básico,
cru, incongruente, revelador, secreto, extenso, chato, porven-
tura ridículo e superficial. Indeciso, descontente, preferi guardar
em draft. Um dia eliminaria praticamente tudo, até sobrarem
sete curtas e limpas frases. Esse dia nunca chegou. Eu prometera
não quebrar a corrente. E aqui estou chegado, com o fardo em
brutas mãos. Não salvar mais como draft. Aí vai disto. Enter.
Como quem joga tudo no lixo.

26 outubro, 2006 16:33  
Blogger Pinky disse...

Foi a que mais gostei (desta corrente que circulou na blogosfera) das que li: frontalmente Sagitariana.

27 outubro, 2006 14:11  
Blogger feniana disse...

we love you francisco :)

30 outubro, 2006 15:04  
Anonymous Anónimo disse...

por estes textos e por outros que começou a fazer parte da minha rotina ha ja algum tempo visitar o nusingular! obrigada Francisco!
beijinho
Joana Rêgo

13 novembro, 2006 19:12  
Blogger francisco carvalho disse...

Obrigado eu, Joana!
Foi para mim um privilégio receber as tuas palavras.
Que continues a gostar de vir por aqui.
Beijos.

15 novembro, 2006 01:00  

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