08 fevereiro, 2009

os mortos do inverno

de "O médico inverosímil" de Ramón Gómez de la Serna



Quando chega este inverno de Madrid que começa nos últimos 
dias de Setembro, há uns seres que se dão como mortos.
São homens de difícil cura. Sentem-se apanhados, prisioneiros, 
mortos. De antemão se entregam.
É muito difícil curar estes doentes que mostram um grande 
medo ao inverno iniciado. Morrem copiosamente. Dizem logo, 
no primeiro dia mais fresco: Que frio vai estar este inverno! Como 
o frio aperta!
Acautelam-se quanto à invernia em que hão-de morrer, mas têm 
a certeza de ver em qualquer enterro o seu próprio funeral.
Quando por acaso me aconteceu ir vê-los, verifiquei que de ante-
mão estavam mortos, que se faziam mortos, que esperavam a hora 
com urgência.
Queriam deixar a braseira e o quarto, que até com enchumaços fica 
cheio de vento e de frio. Mas impedi-los para quê?
Tinham circundado os olhos pelas coisas uma última vez, tinham-se 
despedido de todo, tinham dito adeus para sempre aos amigos.
Estes doentes do início do outono madrileno, que chamam urgente-
mente o médico, não têm remédio nenhum, são mortos voluntários, 
os que encomendam logo os primeiros caixões.
A maneira como tiveram de dar a vida no dia frio foi tão forte que já 
não podem resgatá-la.
— No fim de contas — disse eu para comigo perante estes doentes 
impossíveis — é melhor a cooperação voluntária com a morte do que 
a cooperação obrigatória... O homem que assim se rende à morte é 
porque vai descansar, porque se despede a horas certas, disfrutando 
o panorama da cidade de Madrid coberta pelas nuvens e pelos capuzes 
dos guarda-chuvas.

2 Comentários:

Blogger ~pi disse...

( per-feita

-mente,





~

09 fevereiro, 2009 00:06  
Blogger Pinky disse...

Sim, de facto, preferível a cooperação voluntária... com tempo para todas as despedidas...

11 fevereiro, 2009 00:51  

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