o libertino fez da sua vida um espectáculo
"(...)
Alberto Serra - Mas isto é um texto obsceno assim, por exemplo,
na linha de um Miller, ou não?
Luiz Pacheco - Eu, nessa altura, já conhecia bem o Miller...
Ó pá, mas obsceno?! O senhor pega aí... Conhece o Blitz?
AS - Sim, sim.
LP - Eu recebo aqui o Blitz [lar de idosos em Palmela] por-
que há uma rapariga lá que me manda, entrevistou-me,
é a Cláudia Galhós. No Blitz há uma coisa que é:
"Mensagens... Amorosas. Polémicas"... São coisas...
«Os cornos do teu pai!», «Vai fazer halteres nos cornos
do teu pai!»... É uma linguagem de malta nova que - por-
que um gosta de um grupo e outro gosta de outro - só usa
a coisa mais desbragada que há. Portanto, aqui [apontando
para o livro sobre a mesa] não há assim grande desbraga-
mento de linguagem. Nem situações. Mas isso hoje caiu
tão na banalidade...
AS - Sim, mas na altura era um texto maldito, quer dizer, à luz
da literatura que então se fazia, indiscutivelmente que era um
texto provocador.
LP - Sim. Não foi por acaso que eu guardei o texto tanto
tempo comigo. Porque desde 61 a 70, quando aquilo é publi-
cado... E depois, publico uma edição muito pequenina...
AS - E a PIDE nunca lhe andou em cima disso, por causa...?
LP - Não, foi proibido mas isso já estava tudo arrumado! Eu
tenho o meu sistema, que é o que eu estou agora a usar
aqui, que é fazer chegar o livro à casa do possível leitor
sem a PIDE dar por isso.
AS - Foi o que lhe safou.
LP - Pois, o que safou... E eu não ia às livrarias.
AS - Mas você fala aqui, em broches, em coisas... quer dizer,
há explicitamente referências que nenhum na altura, que eu me
lembre... que na nossa literatura não havia!?
LP - Sim, não havia. Mas isso é uma vantagem que vai, que
vai... É uma vantagem que... vamos, classifica o texto! Ou
data o texto.
AS - E que lhe dá também importância.
LP - E que lhe dá também importância, não é? Dá também
importância...
AS - Nessa época, coisas assim só tínhamos da Anaïs Nin ou
do Henry Miller?
LP - Não, da Anaïs Nin nem havia muito. Do Miller havia,
mas era lá fora, não é?! Era lá fora, não era aqui em Braga...
E qual é a vantagem?... Ou melhor, qual é a especificidade
de eu pôr isso na primeira pessoa? Ou de eu contar isso
como uma coisa... Porque eu podia em vez de Braga...
punha Praga, em vez de Lolita punha não sei quantas!... É
fácil disfarçar, não é?
AS - Pois. E porque é que não disfarçou?
LP - Não, porque isso era para ser dado como... Primeiro,
como uma confissão. Depois, como desafio. E também
como exemplo.
AS - Exemplo de quê?
LP - Ó pá! Era uma ideia que agora já nem vale a pena ter.
O libertino faz da sua vida um espectáculo. E isto [pousando
pesadamente a mão sobre o livro], é um espectáculo!
AS - Em que sentido?
LP - No sentido de ser uma coisa que se vê, que tem qual-
quer significado, tem qualquer lição.
AS - E qual é a lição que se pode tirar daqui?
LP - Ó pá!, isso agora cada um tira a sua! Isso, faz favor... "
Com a generosa autorização do autor, o jornalista e também
poeta Alberto Serra, editei e passei para o papel, isto é, para
este caderno virtual uma pequena parte de uma entrevista
televisiva com Luiz Pacheco (na sua totalidade, cerca de uma
hora, só infimamente vista e nunca publicada) feita em Abril
de 1998 em Palmela, no quarto do lar, atulhado dos seus livros,
onde vivia, aquando a reedição de "O Libertino Passeia por Braga,
a Idolátrica, o Seu Esplendor".
2 Comentários:
e é uma riqueza!
ser
conFrontação
e depois
naturalmente
morrer.
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