07 agosto, 2007

na sombra dos livros

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© 2007

"(...) Ela sentia-se aberta em dois mundos, porque, embora
em pequeno, se produzia o fenómeno de quando se rompem
por um estreito as duas ancas continentais que antes for-
mavam um só mundo.
Agora teria de manter um novo equilíbrio de mulher para se
governar a si mesma. Já nunca mais estaria aglutinada dentro
de si como quando era a fechada e inextensa virgem.
Pegada à terra, sentindo o latir das suas costas contra a
terra dura, havia sentido um fenómeno que cresce em cada
mulher, no momento decisivo, é como toda a natureza, e o
fenómeno fora como o rachar da terra em greta imensa, em
barranco com vórtice, ficando já para sempre a anca direita
muito longe da anca esquerda, de tal modo que se se pu-
sessem a adejar a compasso, o seu adejo seria o de umas
asas muito separadas e longínquas.
Os próprios ossos haviam sido removidos do seu sítio, como
barco que se abre em duas metades ao encalhar. Os íleos ti-
nham-se desconjuntado como cadernos de um livro que se
dobra ao avesso.
Mas gozava no meio de tudo o primeiro prazer de morrer.
Bauziri, rude, surdo, mudo, dentro do recolhimento ensimes-
mado, não via as luzes do céu, mas só os negros declives.
A natureza esperava em vão que irrompesse em beijos; mas
o negro não sabia o que a natureza lhe ditava.

O beijo era desconhecido naquelas regiões. O beijo é uma
descoberta simples, mas que pode ser impossível onde não se
descobriu.
A rapariga, esbelta, saturada, tendo sobre si o fruto de to-
das as suas primaveras, necessitava do beijo; mas o beijo
não podia irromper, porque era desconhecido!

Vítima sem beijos, fazia pena a sua vitimação.
Nada era certeiro nem podia saborear a vítima se estava
ausente o beijo. Ia rebentar como um botão prestes a romper,
e, no entanto, não rebentava na muda refrega, que parecia
esperar pela intervenção dos guardas do bosque.
Aquela seca refrega carecia de amor, porque carecia de
beijos, e o seu anseio era como o dos cães que mostram a
sua gratidão mudos de beijos.

Nem um beijo emudecia o assalto. Ao longe sentia-se que toda
a natureza aguçava os ouvidos, como masculino animal que
pressente a fêmea em gozo.
Sentiam medo, no meio das suas paralisias, de ter excitado o
olfacto por toda a ferocidade do bosque, que pressente o
gozo como um fruto mais para morder, como uma direcção
a seguir por entre os matagais que o desencaminham.

Ainda mordia o lábio saliente de Luma, como uma argola por
onde a submetia por completo. Ainda a agarrava como nadador
que domina a que se presta aos seus ensinamentos de natação.
Depois acalmou-se a cena, descansaram um bocado e levanta-
ram-se como animais que sacodem a terra pegada ao pêlo."



extracto de A Virgem Pintada de Vermelho, uma "falsa
novela negra" do grande, absolutamente grande
Rámon
Gomez de la Serna , um dos meus companheiros dos dias
de férias já lá idos...

2 Comentários:

Blogger Helena (em stª Apolónia) disse...

muito bonito.

07 agosto, 2007 23:09  
Blogger francisco carvalho disse...

É, não é!? É mesmo sublime.
E quanto às imagens, já as vês?
Olha que este blogue não é nada sem elas.
;)

08 agosto, 2007 01:09  

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