04 agosto, 2007

agosto

um poema do espanhol Eloy Sánchez Rosilio,
traduzido por Joaquim Manuel Magalhães.


Como é possível que transcorra lenta
diante dos meus olhos esta tarde de hoje
e que tão sem olhá-la e sem dizê-la
a deixe partir para todo o sempre?

Nunca mais voltará. Devagar passa
esta tarde do mundo em que é agosto
e na qual estou vivo e nada temo.
Quase não avança, mas vai avançando.

Eu sei bem que é um milagre irrepetível.
E contudo ignoro-a: não se ocupam
dela meus olhos nem o papel recolhe
sua clamorosa luz, seu mar tão plácido.

"Ainda haverá muitas tardes como esta",
pensa o meu erro em tempo de abundância,
porquanto agosto se mostra interminável
e é fácil esbanjar quando se tem.

Assemelho-me aos ricos que dissipam
sua incontornável fortuna a mãos cheias
e um dia despertam e não há nada,
nem uma moeda resta nos seus bolsos.

Sem que me dê conta chegará setembro.
Ir-se-á com seus prodígios o verão
e verei de repente a minha pobreza.
Mas será já muito tarde para tudo.


Ah, como gosto tanto de poesia assim despretensiosa, destas
palavras eivadas de uma simplicidade profunda; de vozes
assim espartanas e desamparadas...

2 Comentários:

Blogger Pinky disse...

Gostei muito...
E muito sábio, o poema...

05 agosto, 2007 19:27  
Blogger hfm disse...

da beleza da depuração.

06 agosto, 2007 10:11  

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