22 junho, 2006

no vulcão da minha memória

um pouquinho de uísque. uma espécie de brinde íntimo pelas
vitórias portuguesas, pelas novas façanhas no reino da bola.
um golinho também por Scolari.

e assim, no sabor da noite, lembrar livros antigos.
lembrar meus primeiros livros da tardia juventude.
lembrar livros de que já não sei. não lembrar como acabaram.
nunca sei como acabaram.
abrir. abrir livros antigos. meus mais velhos amigos.
abrir como quem abre as janelas de uma casa abandonada.
alguns cantos das folhas com um pequeno vinco. algumas
páginas com mínimas sujidades. outras, com os marcadores
mais improváveis. será que li para além desta página? estarei
assim tão velho que nada lembro?
lembrar de remexer em meus livros longínquos. lembrar de
sacudir o pó da memória de dias irregressáveis. ler como quem
revive o passado. despertar a lava incontível, o rio quente de
emoções que não se sabem dizer.
pegar em "Debaixo do Vulcão". não sei porquê esta insurrecta
nostalgia do México, terra que nunca sequer pisei, terra apenas
sonhada.
pegar na sorte de abrir.

" O Cônsul bebeu, tremendo, uma boa golada; depois, sentou-se
novamente ao lado dela. - Fui a Oaxaca. Lembras-te de Oaxaca?
- Oaxaca?
- Oaxaca.
- Dir-se-ia que aquela palavra lhe despedaçava o coração; era

como um súbito repique de sinos, sufocado a meio de um tem-
poral, as últimas sílabas de alguém que estivesse morrendo de
sede no deserto. Se ela se lembrava de Oaxaca! As rosas e a
árvore enorme, o pó e os autocarros para Etla e para Nochitlán
e "damas acompañadas de un caballero, gratis". Ou, à noite, os
seus gemidos de amor, que só os fantasmas ouviam, subindo no
velho ar perfumado da terra dos Maias. Fora em Oaxaca que se
haviam descoberto um ao outro. Yvonne ia observando, quase
assombrada, o Cônsul, que parecia menos na defensiva do que
pronto a admitir os acontecimentos, enquanto ia alisando uns
folhetos espalhados em cima do balcão do bar, mudando men-
talmente do papel que representara para com Fernando para o
que desejava representar para com ela: "Não pode ser, não po-
demos ser nós, isto - disse ela repentinamente, no seu coração.
- "Não podemos ser isto - diz-me que não, que não podemos ser
nós!" Divórcio. Que é que semelhante palavra significa realmen-
te? No barco, fora consultar o dicionário a esse respeito e vira:
separação, desunião. E divorciada significava: separada, desu-
nida. Oaxaca significava divórcio. Eles não se haviam divorcia-
do lá, mas, como se penetrasse no âmago da separação e da de-
sunião, fora para lá que o Cônsul se dirigira quando ela se fora.
E, contudo, eles haviam-se amado um ao outro! Mas era como
se esse amor pairasse sobre uma desolada planície de cactos,
longe dali, perdido, tropeçando e caindo, atacado por animais
ferozes, pedindo socorro, moribundo, para, finalmente, suspirar,
numa espécie de paz, absolutamente exausta: Oaxaca..."

excerto de "Debaixo do Vulcão", de Malcolm Lowry

5 Comentários:

Blogger isabel mendes ferreira disse...

numa espécie. de paz. só hoje. no piano. bjo. bom dia.

22 junho, 2006 09:24  
Blogger isabel mendes ferreira disse...

obrigada!!!!!!!!!!

22 junho, 2006 09:57  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

ré menor com lá no baixo!

22 junho, 2006 18:10  
Blogger MOLOI LORASAI disse...

o amel é o detalhe, quero lá saber de vulcão!

22 junho, 2006 18:16  
Blogger Mónica (em Campanhã) disse...

li esse livro depois de uma paixão pelo México mas dele só recordo o cheiro a álcool e o terror da adicção. não conseguiria voltar e lê-lo.

em seu lugar poderia reler indefinidamente (e recomedno para quem um dia se apaixonar pelo país): "México" de Erico Veríssimo e "Lawless Roads" de G Greene.

25 junho, 2006 19:23  

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