este Philiph Roth é impagável!
"[...] ‹‹Como está, Alex?›› Ao que eu evidentemente respondo
‹‹Bem, muito obrigado››. A tudo o que me dizem nas minhas
primeiras vinte e quatro horas de Iowa, respondo ‹‹Muito
obrigado››. Até aos objectos inanimados. Se tropeço numa
cadeira, imediatamente lhe digo ‹‹Desculpe, muito obrigado››.
Deixo cair o guardanapo ao chão, inclino-me, muito vermelho,
para o apanhar, e eis que me oiço dizer ‹‹Muito obrigado›› ao
guardanapo — ou será ao chão que me dirijo? A minha mãe
havia de se orgulhar do seu cavalheirozinho! Cortês até com a
mobília! E depois, há uma expressão em inglês, ‹‹Bom dia››, ou
pelo menos foi o que ouvi dizer; essa saudação nunca teve para
mim utilidade de maior. Porque é que havia de ter tido? Ao
pequeno-almoço, em casa, sou conhecido pelos outros
pensionistas com ‹‹Sr. Azedo›› ou ‹‹Trombudo››. Mas de
repente, aqui no Iowa, imitando os habitantes do sítio, trans-
formo-me num verdadeiro geyser de bons-dias. É a única coisa
que aquela gente sabe dizer — sentem o sol bater-lhes na cara, e
parece que se desencadeia uma espécie de reacção química: Bom
dia! Bom dia! Bom dia!, entoado sobre uma meia dúzia de
melodias diferentes! Depois desatam todos a perguntar uns aos
outros se ‹‹dormiram bem››. E a perguntar-me a mim! Será que
dormi bem? Nem sei ao certo, deixe-me lá pensar — a pergunta
para mim é uma surpresa. Dormi bem? Dormi, sim! Acho que
sim! Eh — e o senhor?›› ‹‹Como uma pedra››, responde Mr.
Campbell. E pela primeira vez na vida sinto em toda a sua pleni-
tude a força de uma imagem. Este homem, que é promotor imo-
biliário e vereador da Câmara de Davenport, diz que dormiu como
uma pedra, e eu vejo realmente uma pedra. Percebo logo! Imóvel,
pesado, como uma pedra! ‹‹Bom dia››, diz ele, e ocorre-me então
que a palavra ‹‹dia››, no sentido em que ele a emprega, se refere
especificamente às horas entre as oito da manhã e o meio-dia.
Nunca tinha pensado nisso antes. Ele quer que as horas entre as
oito e o meio-dia sejam boas, isto é, agradáveis, divertidas, pro-
veitosas! Estamos todos a desejar-nos uns aos outros quatro horas
de prazer e trabalho frutuoso. Caramba, é estupendo! Hem, que
coisa mais simpática! Bom dia! E o mesmo se aplica a ‹‹Boa
tarde››! e ‹‹Boa noite››! Meu deus! A língua inglesa é uma forma
de comunicação! O acto de conversar não é apenas um fogo
cruzado em que se dispara e se é atingido! Em que se tem de
baixar a cabeça para sobreviver e atirar a matar! As palavras não
são apenas bombas e balas — não, são pequenos presentes, con-
tendo um sentido! [...]"
em "O Complexo de Portnoy" de Philip Roth
‹‹Bem, muito obrigado››. A tudo o que me dizem nas minhas
primeiras vinte e quatro horas de Iowa, respondo ‹‹Muito
obrigado››. Até aos objectos inanimados. Se tropeço numa
cadeira, imediatamente lhe digo ‹‹Desculpe, muito obrigado››.
Deixo cair o guardanapo ao chão, inclino-me, muito vermelho,
para o apanhar, e eis que me oiço dizer ‹‹Muito obrigado›› ao
guardanapo — ou será ao chão que me dirijo? A minha mãe
havia de se orgulhar do seu cavalheirozinho! Cortês até com a
mobília! E depois, há uma expressão em inglês, ‹‹Bom dia››, ou
pelo menos foi o que ouvi dizer; essa saudação nunca teve para
mim utilidade de maior. Porque é que havia de ter tido? Ao
pequeno-almoço, em casa, sou conhecido pelos outros
pensionistas com ‹‹Sr. Azedo›› ou ‹‹Trombudo››. Mas de
repente, aqui no Iowa, imitando os habitantes do sítio, trans-
formo-me num verdadeiro geyser de bons-dias. É a única coisa
que aquela gente sabe dizer — sentem o sol bater-lhes na cara, e
parece que se desencadeia uma espécie de reacção química: Bom
dia! Bom dia! Bom dia!, entoado sobre uma meia dúzia de
melodias diferentes! Depois desatam todos a perguntar uns aos
outros se ‹‹dormiram bem››. E a perguntar-me a mim! Será que
dormi bem? Nem sei ao certo, deixe-me lá pensar — a pergunta
para mim é uma surpresa. Dormi bem? Dormi, sim! Acho que
sim! Eh — e o senhor?›› ‹‹Como uma pedra››, responde Mr.
Campbell. E pela primeira vez na vida sinto em toda a sua pleni-
tude a força de uma imagem. Este homem, que é promotor imo-
biliário e vereador da Câmara de Davenport, diz que dormiu como
uma pedra, e eu vejo realmente uma pedra. Percebo logo! Imóvel,
pesado, como uma pedra! ‹‹Bom dia››, diz ele, e ocorre-me então
que a palavra ‹‹dia››, no sentido em que ele a emprega, se refere
especificamente às horas entre as oito da manhã e o meio-dia.
Nunca tinha pensado nisso antes. Ele quer que as horas entre as
oito e o meio-dia sejam boas, isto é, agradáveis, divertidas, pro-
veitosas! Estamos todos a desejar-nos uns aos outros quatro horas
de prazer e trabalho frutuoso. Caramba, é estupendo! Hem, que
coisa mais simpática! Bom dia! E o mesmo se aplica a ‹‹Boa
tarde››! e ‹‹Boa noite››! Meu deus! A língua inglesa é uma forma
de comunicação! O acto de conversar não é apenas um fogo
cruzado em que se dispara e se é atingido! Em que se tem de
baixar a cabeça para sobreviver e atirar a matar! As palavras não
são apenas bombas e balas — não, são pequenos presentes, con-
tendo um sentido! [...]"
em "O Complexo de Portnoy" de Philip Roth
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