um tango com árvores nos cabelos
© Porto, Julho 2006
Quarta-Feira passada, abdicando de acompanhar meu amigo
Moloi na sua penúltima noite no Porto, para ir ver o brasileiro
Ed Motta, assisti no TECA à estreia de María de Buenos Aires,
uma óperita com música de Astor Piazzolla e libreto de Horace
Ferrer. Uma obra-prima que ambos concluíram nos dois primei-
ros meses de 1968 e que, na sua apresentação na capital argen-
tina, não parece ter sido recebida de forma muito entusiástica.
A música desta espécie de opereta, como quase sempre em
Piazzolla, é simplesmente bela e genial. A letra de Ferrer foi
para mim uma autêntica surpresa, de uma carnalidade feérica,
surreal, ou mesmo hiper-realista, atravessada de versos subli-
mes, uma espécie de tango torrencial de palavras ardentes que
cantam e exaltam a vida na mítica cidade porteña, terra a que
sonho um dia também aportar.
Aqui no Porto, sob a direcção musical do excelente Walter
Hidalgo, o espectáculo foi largamente aplaudido, embora senti
que muitos lá estivessem, um pouco talvez como há quase qua-
renta anos, à espera de mais movimento, sobretudo o de corpos a
dançar a sensualidade do tango, e terão de lá saído um pouco de-
sanimados.
De referir ainda o belíssimo cartaz desdobrável do espectáculo,
abundante de preciosa informação, do qual transcrevo a seguinte
e divertida curiosidade histórica.
"(...)
O próprio Piazzolla recordou com orgulho uma visita de artistas
brasileiros ( a Buenos Aires, para apresentarem o seu próprio
espectáculo) - Vinicius de Moraes, Baden Powell, Elis Regina, o
Quarteto em Cy, o pianista Oscar Castro-Neves, entre outros -
que aplaudiram de pé enquanto o resto do público permanecia
sentado. Vinicius de Moraes lançou um sonoro "filho da puta!" -
a sua habitual expressão de aprovação, não invulgar entre mú-
sicos. "Foi a coisa mais simpática que jamais me chamaram em
toda a vida", disse-lhe Piazzolla durante o intervalo. Depois do
espectáculo, Piazzolla, Ferrer e Amelita saíram com alguns dos
brasileiros e invadiram o apartamento do médico e músico
Eduardo Lagos, na rua Paraguay, chegando mesmo a arrancar
o médico da cama - para sua alegria. Toda a gente cantou e to-
cou. Vinicius proclamou a necessidade urgente de criar uma ilha
especial para filhos da puta. Posteriormente, concordou em fa-
zer uma tradução para o português de María de Buenos Aires -
algo que, tanto quanto sabemos, não chegou a fazer. (...)"
4 Comentários:
mais cinco:) tb lá estive. e subscrevo-te, se posso...
Grande Piazzolla. Uma noite toca na linha sobre os carris.
"gente com sorte"
sorrisos e música.
um ramo.
se o cartaz é lindo a tua recriação, é como eu digo, é de artista
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