atrás dos montes
" Trás-os-Montes? tinham dito os amigos em Lisboa, quando a
conversa derivava para a região de onde lhes vinham os avôs
e os bisavôs. "As pessoas lá não andam vestidas de peles? E o
carteiro não entrega as cartas montado numa mula? Se é que
alguma vez chega uma carta!" E desatavam a rir às gargalhadas.
Deixava-os. Na sua imaginação era uma terra que ficava "no
alto das nuvens", uma terra de extremos onde no Inverno os
lobos invadiam as aldeias e onde a pobreza era mais medieval,
a alegria mais convicta e o pitoresco mais cruel.
Sabia muito bem que esta era uma ideia tão vaga e mítica
como a dos seus amigos. No caso dele todavia não se confun-
dia com escárnio, mas com reverência e apreensão. Trás-os-
-Montes, os seus amigos ainda eram incapazes de admitir, era
o "verdadeiro" Portugal, e dissertavam longamente acerca da
"essência profunda" do carácter nacional que se encontrava
entranhada naquela região. Contudo não sentiam a mínima
vontade de viajar até lá.
Para ele esta vontade tornara-se cada vez mais intensa. O de-
sejo de isolamento tinha-se lentamente apoderado dele, que
se sentia demasiado controlado, demasiado preso a padrões
preestabelecidos. "
excerto de "Atrás dos Montes", de Gerritt Komrij, autor holandês
que habita há vários anos em Portugal (não estou certo que conti-
nue cá a viver), romance publicado em 1990 mas apenas editado
em Portugal em 1997.
Tenho o livro desde o inverno desse ano mas contudo nunca o li.
Lembrei-me dele agora. Fascinam-me sempre os olhares estran-
geiros sobre Portugal. Admiro os estrangeiros que são capazes de
olhar e entender o nosso país mais interior, que são sensíveis
à natureza da paisagem e à riqueza humana que, por esse país
outro, ainda vai sobrevivendo. Gosto desses que conseguem furar
a redoma umbiguista que parece cobrir Lisboa.
conversa derivava para a região de onde lhes vinham os avôs
e os bisavôs. "As pessoas lá não andam vestidas de peles? E o
carteiro não entrega as cartas montado numa mula? Se é que
alguma vez chega uma carta!" E desatavam a rir às gargalhadas.
Deixava-os. Na sua imaginação era uma terra que ficava "no
alto das nuvens", uma terra de extremos onde no Inverno os
lobos invadiam as aldeias e onde a pobreza era mais medieval,
a alegria mais convicta e o pitoresco mais cruel.
Sabia muito bem que esta era uma ideia tão vaga e mítica
como a dos seus amigos. No caso dele todavia não se confun-
dia com escárnio, mas com reverência e apreensão. Trás-os-
-Montes, os seus amigos ainda eram incapazes de admitir, era
o "verdadeiro" Portugal, e dissertavam longamente acerca da
"essência profunda" do carácter nacional que se encontrava
entranhada naquela região. Contudo não sentiam a mínima
vontade de viajar até lá.
Para ele esta vontade tornara-se cada vez mais intensa. O de-
sejo de isolamento tinha-se lentamente apoderado dele, que
se sentia demasiado controlado, demasiado preso a padrões
preestabelecidos. "
excerto de "Atrás dos Montes", de Gerritt Komrij, autor holandês
que habita há vários anos em Portugal (não estou certo que conti-
nue cá a viver), romance publicado em 1990 mas apenas editado
em Portugal em 1997.
Tenho o livro desde o inverno desse ano mas contudo nunca o li.
Lembrei-me dele agora. Fascinam-me sempre os olhares estran-
geiros sobre Portugal. Admiro os estrangeiros que são capazes de
olhar e entender o nosso país mais interior, que são sensíveis
à natureza da paisagem e à riqueza humana que, por esse país
outro, ainda vai sobrevivendo. Gosto desses que conseguem furar
a redoma umbiguista que parece cobrir Lisboa.
1 Comentários:
eu também...até porque é raro perder-se o "umbiguismo".
beijo.
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial