30 novembro, 2009

deste outono

Novembro, som absoluto,
com as suas sílabas suaves,
as vogais pairando na aragem,
e na luz lenta dourada outros
sons soltos consoantes.



Fiama Hasse Pais Brandão
retirado da "Obra Breve"

29 novembro, 2009

viver na escrita dos outros

"Quando em noites de insónia acontece pensar naquilo
que éramos e nos vem à memória uma ou outra imagem
feliz, subitamente ficamos conscientes da vertigem do
tempo. Nessas noites entro em mim própria e procuro
saber qual a razão que me fez tomar certa atitude, o
que me leva a escrever e ficar dependente das palavras.
Penso no poema onde a sobrevivência pela escrita é
possível. Escrever é como estar vivo; existe o apelo
abísmico e a luz do sol."


Isabel de Sá
em "Escrevo para desistir" (&etc, 1988)

28 novembro, 2009

(mais) da rosa fixa

"Sempre assim foi. Desgraça dos
que não podem, uma e outra vez
amados vitalmente, reconhecer a
distância que medeia entre a hu-
mana matéria e a outra e a outra."




Maria Velho da Costa,
"Da rosa fixa" (1978)

27 novembro, 2009

a solidificação: a solidão

os corpos gasosos movem-se
em correntes de ar
que solidificadas são
grossas paredes a separar
os outros corpos
a separar todos
os débeis estados da matéria





de Luiza Neto Jorge

26 novembro, 2009

"Nestas circunstâncias o beija-flor vem sempre aos milhares"

Este é o quarto Augusto. Avisou que vinha. Lavei os sovacos e os pezinhos. Preparei o chá. Caso ele me cheirasse... Ai que enjôo me dá o açúcar do desejo.


a eterna Ana Cristina César
de "A teus pés" (editora ática, 1999)

21 novembro, 2009

"Como a cigarra, também eu no Inverno quero dançar. O
mundo pode acabar e eu não quero morrer sem ter fodido.
Nunca fodi. Sei como é: vi muitos filmes, li muitos livros.
Mas gosto do saber de experiência feito. Nunca nenhum
homem me beijou na boca nem nenhuma mulher. Tenho
41 anos. Não me acho velha. Acho-me feia e gorda. E afinal
já me acho velha por me achar feia e gorda. Não, acho-me
velha por ter 41 anos e por nunca ter fodido. Acho que se
pode dizer: fode ou morre. Como se diz na Faculdade:
publica ou perece."

Adília Lopes, do livro "Irmã Barata, Irmã Batata" (2000)

15 novembro, 2009

o olhar da pintora

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fotos de Joana Rêgo, Índia 2009

14 novembro, 2009

consTrUção

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© 2008

13 novembro, 2009

batalha sem fim

"Que acontece quando se esfumam todos os sonhos de
perfeição pessoal e social? Quando o ser humano não
aspira a superar o seu egoísmo, a melhorar em termos
morais, a criar uma comunidade que premeie o mérito e
a virtude? Quando não há ideais, para onde se dirige o
impulso humano? Apenas para o poder e para o dinheiro.
O poder transforma-se num fim em si próprio. Quem não
avança em direcção ao bem avança para o poder. Em
todos os campos: política, finanças, magistratura, meio
universitário, televisão. Deixa de ter importância o que se
faz e como, por haver a ideia de que o poder e o dinheiro
permitem corromper as almas. Todos os meios passam a
ser lícitos para trepar: acordos transversais, chantagens,
sociedades secretas, licenças públicas, subornos interna-
cionais.(...)
Vivemos numa época de cinismo, de avidez, de associa-
ções secretas, de bloqueios sectários, de comportamentos
não revelados nos jornais e na televisão. São estas as for-
ças que estragam e degradam a luta política porque,
quando faltam ideais, só restam um poder contra outro e
a mentira. É preciso muita força para resistir, para conti-
nuar a agir com rectidão e rigor quando os outros não o
fazem.(...)
A história demonstra-nos que, a determinada altura, os
corruptos acabam por se autodestruir. A ineficácia torna-
-os mais fracos e, apesar de um certo grau de inércia, os
homens revoltam-se, procuram novas orientações e voltam
a ter esperança e a construir."

(título e excertos da crónica de Francesco Alberoni
publicada no "i" de 3 de Novembro)

11 novembro, 2009

a canção

"Os porcos malhados do vizinho grunhem ruidosamente.
Sãu uma vara de porcos nas nuvens. Passam por cima
do pátio. A varanda está coberta por uma teia de folhas.
Cada folha faz uma sombra.
Na travessa ao lado ouve-se cantar uma voz de homem.
A canção flutua por entre as folhas. À noite a aldeia é
muito grande, pensa Windisch, "e por todo o lado está o
seu fim.."
Windisch conhece a canção: "Uma vez fui a Berlim, a ver
a linda cidade. Olari-olará-lá-lá pela noite fora." A va-
randa fica mais alta quando está assim escuro. Quando as
folhas têm sombra. Faz força no pavimento para subir.
Sobre um pau. Quando crescer demais, então o pau par-
te-se. A varanda cai no chão. No mesmo sítio. Depois de
amanhecer já não se vê que a varanda cresceu e caíu.
Windisch sente a pancada nas pedras. À sua frente está
uma mesa vazia. Está um pavor em cima da mesa. O
pavor está nas costelas de Windisch. Windisch sente o
pavor como uma pedra no bolso do casaco.
A canção flutua por entre a macieira: "Hás-de mandar-me
a tua filha, hei-de fodê-la uma vez. Olari-olará-lá-lá
pela noite fora."
Windisch mete a mão fria no bolso do casaco. No bolso
do casaco não está pedra nenhuma. Entre os seus dedos
está a canção. Windisch acompanha em voz baixa: "Meu
senhor, isso não está certo, minha filha não é p'ra foder,
Olari-olará-lá-lá pela noite fora."
Como a vara de porcos lá em cima nas nuvens é tão
grande, as nuvens arrastam-se por cima da aldeia. Os
porcos estão calados. A canção está só na noite: "Ó mãe,
deixa-me lá, para que é o meu buraco. Olari-olará-lá-lá
pela noite fora".
O caminho de volta a casa é longo. O homem caminha na
escuridão. A canção não pára. "Ó mãe empresta-me a tua,
a minha é pequena demais. Olari-olará-lá-lá pela noite
fora." A canção é pesada. A voz é grave. Há uma pedra na
canção. Corre água fria sobre a pedra. "Não ta posso em-
prestar, amanhã teu pai precisa dela. Olari-olará-lá-lá
pela noite fora."
Windisch tira a mão do bolso do casaco. Perde a pedra.
Perde a canção.
"Amalie", pensa Windisch, "afasta as pontas dos pés ao
andar sobre a terra."


Herta Müller,
"O homem é um grande faisão sobre a terra"

10 novembro, 2009

nas esquinas da história

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Berlim, 1990

09 novembro, 2009

restos da festa

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Berlim, 1990

07 novembro, 2009

so many feelings

O rádio do carro. O governo sombra a fechar - evocando o grande
António Sérgio - com uma música dos The Sound. I can't escape
myself
. Há quanto tempo não ouvia esta música (esta frase precisava
de um ponto de exclamação, mas hoje não estou para sinais
que gritem demasiado). Esta música que eu não sabia perdurar ainda
tanto dentro de mim, tão gravada nos meus ossos. O ritmo nervoso
e contagiante, a melodia abrindo dores inomeáveis. O rádio no carro,
na manhã incerta, a caminho do hospital. Não sei o que o futuro me
reserva, mas sei que não posso escapar aos meus sentimentos.

05 novembro, 2009

príncipes de uma noite feliz

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© 2 Nov 09, Kings of Convenience, Teatro Circo, Braga

01 novembro, 2009

morrem os que me fizeram

Não sei já com que idade comecei a ouvir o António Sérgio.
Sei que nunca mais fui o mesmo. E que nunca mais deixei
de surfar no som da frente.
Abraço forte, António.
E um imenso obrigado.

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