29 março, 2009

um zero à esquerda a explicar aritmética a um génio puro

- Pai, cinquenta é mais que mil?
- Não, filhinha...
- Então, é metade de cinco?
- Não, é dez vezes mais que cinco.
- Não, não... CINCOO-ENTAAA, estás a ver, é metade.
- Não, amor, cinquenta é metade de cem.
- Cem é sem números?
- Não. É dez vezes dez. São muitos uns para contar. É um um 
com dois zeros. Com dois zeros à sua direita. É como o dez que tu 
já sabes... que só tem um amiguinho zero a acompanhá-lo.
- E o zero sozinho?
- Ui, esse não tem amigos nenhuns...
- Oh, coitadinho, eu gosto do zero!
- Ele não é coitadinho. Anda sempre a querer namorar com todos
os outros números.
- Então, tem muitas namoradas?
- Sim, sim, pelo menos anda sempre agarradinho a elas.
- Tem mais de mil?
- Se calhar, sim. Talvez um milhão.
- O milhão também é mais que mil?
- Sim. É um um com uma fila enorme de zeros atrás dele.
- Um milhão de namoradas! Também gostavas de ter um milhão 
de namoradas, pai?
- Isso seriam quase todas as namoradas do mundo...
- Assim até podias ter uma namorada chinesa.
- Era capaz de ser interessante...
- Ó pai, tu consegues desenhar um milhão de zeros numa folha?

as teias que a vida tece*


"De repente, não mais que de repente, como escreveu o Poetinha, 
ou melhor, Vinícius de Moraes, o mais carioca dos cariocas, acabo 
de receber a visita de Paulo Barata, um recente amigo intempestivo,
que me trouxe nosso jornal "Poiésis" para que eu firmasse um 
autógrafo para um ótimo poeta português, xará de excelente poeta 
cearense. Mon coeur à nu, mergulho no seu blog e dou de cara com 
um sintagma que é título de meu primogênito livro de poemas: 
"Palavras & Silêncios". Adoro sincronicidades e gozo a teia poética, 
tecida, quem sabe, por Runas, para mim lidas, à beira-mar, num 
encontro inaugural, por Paulo Barata. Todo o meu afeto, Latuf."


* perdoem o pequeno ataque de vaidade, mas estas coisas não nos
acontecem todos os dias...

28 março, 2009

uma casa maravilhosa de amor e saber

27 março, 2009

(como um haiku para a Lula)




Ali o Fado e a Pena —
setas trespassando depressa
meu coração nocturno. 

26 março, 2009

hei-de ir ao campo alegre

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pintura de Joana Rêgo

25 março, 2009

os livros das frases de ontem


"Casas Assombradas" de Lynne Tillman.
O único romance que, de momento, estou a ler. Comprei-o 
recentemente por uns parcos cinco euros, numa das muitas
feiras de saldos que nos aparecem agora nas mais inusitadas 
ocasiões. 
Desconhecia por completo qualquer referência sobre esta obra 
ou a própria autora. Farejei bem. Livro belíssimo. Experiência 
mais que gratificante.


"Poesia 1958-1978" de Ana Hatherly.
Um dos dois mil exemplares deste livro publicado faz exacta-
mente este Março 29 anos e que sobreviveu até hoje ao pó dos 
dias, de armazém para livraria, de prateleira para prateleira, de 
um caixote para uma qualquer pobre e tristonha feira do livro...
Uma obra para se ir respirando. E que cairá muitas vezes aqui 
no blogue.


"Ensaio de uma despedida" de Francisco Brines.
Uma antologia do poeta valenciano de que tanto já gostava
por causa de "A Última Costa", também com tradução de José 
Bento para a Assírio & Alvim.
Um livro para se ir lendo em noites mais ínsones.


"Em Busca do Grande Peixe" de David Lynch.
O livro de um dos meus cineastas preferidos. Um livro de
pequenas reflexões e anotações autobiográficas. Um livro
em grande parte sobre cinema, um olhar bem a partir de 
dentro...
Um livro simples de um artista complexo, quase insondável.
Um livro que gosto mesmo de ter à mão.


"Lacrimae Rerum" de Slavoj Zizek.
Livro também sobre cinema, do autor que anda na boca de
toda a gente. Ensaios sobre Hichcock, Tarkovsky, Kieslowsky
e, precisamente, David Lynch. Primeira edição que deve estar
esgotada...
Comecei-o a ler há muito pouco. Vai ser companhia para muito 
tempo, para ir mastigando e maturando muito lentamente. 
Tenho imensa curiosidade sobre o capítulo dedicado ao cineasta 
russo, provavelmente o meu autor (assim o julguei durante 
muitos anos) favorito... 




24 março, 2009

post desconstrutivo*

"— E tu tens lábio a mais — disse Grace—, faz-te a cara torta."

"Outros pedaços maiores são comidos ao almoço."

"Acolhe-te a uns olhos, jovens só,
e com eles descobre o mundo que perdeste."

"Nos tempos antigos, a emulsão não era lá muito boa, por isso
havia menos informação no ecrã."

"Com efeito, nos filmes de Hitchcock, também encontramos
motivos visuais, ou de outro tipo, que se impõem através
de uma compulsão estranha e que se repetem de filme para
filme, em contextos narrativos totalmente diferentes."


*E cá estou, Ângela, a subverter as regras, a não seguir, uma vez
mais, a corrente como mandariam exactamente as modas...
De qualquer modo, gostei bastante do desafio. Foi com prazer
que meti as mãos nos livros espalhados pelos quatro cantos do
escritório mais desordenado do mundo, à procura da famigerada
página 161...
Escolhi então assim, não um mas cinco dos meus livros mais à mão.
Livros tanto recém-começados como livros nunca mais acabados,
ou ainda livros lentamente degustados.
Podiam ser dois ou três mais, mas ou não gostei da quinta frase
calhada em sorte, ou o livro nem sequer tinha a página requerida.
Poesia, ensaio e romance. Para a frente e para trás. O já lido e o
puramente desconhecido. Prazeirentos passeios por caminhos já
palmilhados ou uma espécie de saltos supersónicos para o futuro...

Hoje não vou dizer a que obras pertencem tais quintas frases.
Tentarei fazê-lo o mais breve possível. Ficam aqui como que a
marinar.
Até lá, quem sabe, podem divertir-se a tentar adivinhar...
;)

lenine

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© Cinema Batalha, Porto, 21/Março/09

22 março, 2009

palvars

Silêncios. Palavras. Silêncio. Vontade de palavras.
Silêncios que despedaçam palavras.
Palavras que digam destes silêncios.
Palavras, sempre palavras. Silêncios palavrosos.
Labiata. Dor que não desata. Lenine. Lenitivos
musicais. Samba. Rock. Orquídea. Sala cheia. Nenhuma revolução.
Palavras. Dizê-las neste silêncio à toa. Como festa minha.
Dizer sol. Dizer frio. Norte. Porto perdido.
Indigentes. Maltrapilhos de toda a espécie. Santa Catarina.
Dizer. Dizer. Gritar o nexo do silêncio. Todos os sentidos
misturados. Palavras. Todas as palavras. Signos. Muito ou
pouco secretos, isso que me interessa.
Palavras. Fotos. Não há espaço memória. Noite. Batalha. Entorse. 
Tópicos. Borrões. Flashes. Tango. Mulheres. Sempre a palavra 
mulher. Sempre a palavra a salivar. As mulheres tão belas. Sempre.
A sala cheia. O canto pleno. Noite fria. Frio? Inverno? Verão? 
Calor. Calores. Equinócios. Aqui o ócio. Aqui o registo descurado
das coisas. Conversas amenas. Estocolmo. O lá e o aqui. Banhos de 
mar. Banhos em março. Pele, pele, pele, pele. Palavras coladas à pele. 
Sabores latinos. Menos dez graus. Tags. Noite na terra. Os cabelos. 
Os sorrisos. Que digo? Noite em mim. Noite sobre esta vontade de 
palavras. Nunca digito bem palavras à primeira. Fica sempre palavars. 
Ou então palvars. Ou mais frequentemente palvras. Pálpebras. 
Cerro-as. Revistas. Posts. Blogues. Erro meu. Tanta coisa por ler. 
A querer ler. Tanta coisa que me cala. Uncut. Easi. Ler. Courier. Wired. 
So tired. Encerro-me.


20 março, 2009

mais uma tisana

de Ana Hatherly


A impossível travessia da ilusão é uma espécie de resíduo
cadente o que fica desse lugar de conjectura que é o sujeito.
Pai-mãe-eu são meros pontos de partida para a invenção do
raciocínio diz a moderna ciência. Portanto: evitemos as
precisões inúteis: ser é ser retratado. Diz-se.




19 março, 2009

uma espécie de pedra filosofal

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© 2009

17 março, 2009

essa voz de sonho



Partiste tão cedo, Mr. Bashung. Na verdade, eu conhecia-te mal,
só há pouco comecei a ouvir-te. Mas esse álbum que comprei há
meia dúzia de anos, o magnífico L'Imprudence, tenho-o como
um dos discos da minha vida...


16 março, 2009

dias coloridos

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© 2009

15 março, 2009

aprendizado

Ela teria a certeza de que não seria
Um boi amarelo.
Um boi amarelo não existe.

Também não seria uma esfinge.
Nem sequer o mar azul.
O que era, não sabia.
Mas sentia.



um poema de Paulo Luiz Barata dedicado à minha filha mais
nova, do seu último livro Senya Semotyka.

13 março, 2009

demasiados segredos

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© 2009

12 março, 2009

saberes infantis

— Há lá um menino, pai, que bate em toda a gente. Quer-se dizer,
está sempre a bater nas meninas... 
— Ai é... mas vocês não podem deixar que isso aconteça...
— Ah, porque é que eu sou rapariga!... — suspirou a mais nova, 
cinco anos quase, belos e puros.
— Mas assim és muito mais gira! Os rapazes são horríveis! São
todos feios... — exclamou prontamente a mais velha, pouco mais
de cinco anos à frente da irmã, a levarem-na já para não muito
longe dessa terra estranha e exaltante que é a puberdade.
— O papá também é horrível?
— Não, o papá não...
— E o avô, é horrível?
— Os rapazes da nossa família não são. Mas ser rapariga é muito
mais fixe...

11 março, 2009

poema?

de Fiama Hasse Pais Brandão



Como dar ao espírito o que seja
do espírito e ao olho o que seja do olho?
Porquê desfigurá-lo pois,
chamando-lhes miticamente
Verbo ou Voz cega?

10 março, 2009

divinos até na blogosfera

A propósito de uns sinais algo estranhos deixados pelo meu amigo 
Moloi, deixei-me perder ontem, horas a fio, pelo blogue do Caetano 
Veloso. Não foi a primeira vez que tal me aconteceu; aliás, é meu
costume também, de vez em quando, fazer demoradas incursões no 
blogue do Tom Zé. Ali me enlevo com a sua genuidade e o seu vigoroso 
bom-humor. Curiosamente linkei-os ao mesmo tempo há uns poucos 
meses, quando a propósito de uma entrevista dada pelo segundo, 
ficaram um pouquito de candeias às avessas...

Dois músicos que eu tanto amo e que são também escritores notáveis. 
Eu o sabia já pela leitura dos seus livros — e todos o sabemos pelas 
suas mais geniais canções! —, mas é de realçar também, para além da 
evidente qualidade literária, a abertura de espiríto, a incansável busca 
criativa, a postura cívica, as reflexões políticas, a permanente interro-
gação das coisas do mundo, até mesmo a humildade com que vão 
alimentando, muito assiduamente, esses seus espaços abertos aos 
outros. 
É admirável a forma como se desvelam e se entregam ao diálogo
efectivo com os seus inúmeros fãs e até com o seus, por vezes nada 
amigáveis, detractores. Como não se isolam do mundo numa redoma 
fantasiosa e falaciosa, o que a muitos acontece. Como terrenamente 
assumem os seus gostos e os seus gestos, os amores e os desencantos, 
as glórias e as fraquezas. Deuses que não enganam, que são homens 
como outros quaisquer.
Não haverá nada assim parecido, quanto ao universo musical diz
respeito, no nosso luso e envergonhado recanto...

E nessas horas, afinal ganhas, as coisas que por lá descobri!
Primeiro, que Caetano parece ter um novo disco quase a sair, com um 
título um tanto estranho....
Segundo, que parece ter descoberto agora a Lula Pena que tanto adoro 
e que, imerecidamente, é ainda muito pouco conhecida.
Terceiro, que o David Byrne e a Cindy Sherman formam um casal, facto 
porventura com barbas mas que eu desconhecia por completo. 
Pensei logo no Lou Reed e na Laurie Anderson... Que admirável mundo 
esse, o de Nova Iorque! Cupido parece divertir-se à brava por lá!
E por último, o mais incrível mas não tão estranho assim... 
Quem foi que quis passar propositadamente este Carnaval em Salvador, 
só para conhecer a bela Daniela Mercury?
Nem mais nem menos que a famosa ensaísta norte-americana 
Camille Paglia, que a descobriu num dvd e assim parece ter 
encontrado a nova "Madonna", agora numa doce versão tropical...




09 março, 2009

alocução pagã

de Francisco Brines
da antologia "Ensaio de uma despedida", selecção e tradução 
de José Bento, ed. Assírio & Alvim, 1987




Porventura julgais vós que por crer
na imortalidade,
terá que ser-vos dada?
É obra da fé, do egoísmo
ou da desolação.
E se existe, não importa não ter nela acreditado:
respostas ignorantes são todas as humanas
se a morte interrogamos.

Continuai vossos ritos ostentosos, oferendas aos deuses
ou grandes monumentos funerários,
as cálidas preces, vossa esperança cega.
Ou aceitai o vazio que virá,
onde nem sequer soprará um vento estéril.
O que terá de vir será de todos,
pois não há merecimento no nascer
e nada justifica nossa morte.

08 março, 2009

passeio breve pelas inaugurações

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© Porto, Março 2009

07 março, 2009

a ouvir the whitest boy alive um certo poema de ode&ceia




Que música nos devolve
águas nossas
que não conhecíamos?


(Casimiro de Brito, 
"Ode&Ceia", Poesia 1955-1984)

06 março, 2009

acasos

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© 2009

04 março, 2009

agora é fácil

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Agora é fácil, é mesmo só comprá-la — e saboreá-la depois,
claro, com todo o vagar e prazer — para dar assim um último 
sentido a todo o árduo e difícil labor dum grupo de professo-
res e alunos que durante muitos meses imaginou, pôs mãos à 
obra e meticulosamente foi dando corpo a esta nova revista, 
de nome tão feliz, a EASI.
Mas deixo-vos antes, em vez das minhas desinspiradas palavras, 
o inicío do texto de apresentação da revista, nas palavras da sua 
directora, a minha amiga (e não escondo aqui o meu orgulho, 
Xana!) — Alexandra Serapicos:

"Há quem afirme que os criadores costumam ser monotemáticos,
outros dizem que os temas são um tema, sempre o mesmo tema.
Há ainda quem tenha escrito que "a ruína, como o medo ou o 
amor, é um sentimento". Memória, repetição, mestres, apropria-
ção são tema desta revista que aqui agrupamos num só nome : 
REFERÊNCIAS.

A EASI é uma publicação anual da área de Som e Imagem da 
Escola das Artes da Universidade Católica do Porto, que com este 
número inaugura a sua existência. Porque somos escola, o corpo 
editorial desta publicação é constituído por alunos e professores. 
Também por sermos escola quisemos que a maioria dos contributos 
viesse de fora, pelo que convidámos a comunidade externa (aca-
démica e profissional) a colaborar e procurámos que o conjunto 
desses contributos fosse transdisciplinar, transgeográfico e trans-
geracional. O resultado é heterogéneo, reflexo em parte da hete-
rogeneidade da equipa que durante um ano se ocupou deste pro-
jecto. O tema proposto neste primeiro número revela também, e 
por último, a nossa condição/identidade escolar."

Acrescento ainda que, de um ou outro modo, colaboraram nesta 
revista: Álvaro Domingues, António Barreto, António Olaio, Carlos 
Zíngaro, Carlos Sena Caires, Deb Verhoeven, Edgar Pêra, Francisco 
Providência, Jan Svankmajer, Joan Fontcuberta, Joana Quental,
Joclécio Azevedo, José Miguel Ribeiro, José Tolentino Mendonça,
Josep Quetglas, Lluís Ortega, Maria Filomena Molder, Marius 
Watz, Miguel Leal, Moisés Puente, Nuno Portas, Omar Cleunam,
Paulo Rosária, Pedro Serrazina, Ramon Faura, Rui Carlos Costa,
Rui Mota Cardoso, Rui Penha, Sahra Kunz e Wim Wenders.


Amanhã, pelas 21h45, no Passos Manuel, será feita a apresentação 
pública desta notável e original publicação e contará com as 
intervenções do geógrafo e professor Álvaro Domingues e do 
artista plástico e músico António Olaio, seguidas de uma conversa 
entre todos os presentes, moderada pela historiadora de arte Laura 
Castro. 
Apareçam. 

03 março, 2009

ai pai, estou farta que me penteies as rifas!

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02 março, 2009

isto não

de Gerrit Kouwenaar
(tradução de Fernando Venâncio)



Isto não é bonito
isto não é legível
isto não é para crianças

isto não é linguagem cifrada
isto não dignifica o povo

isto é o lado de dentro
da tua porta de fora, isto
deves conhecer: a tua mão
colada ao trinco

no capacho debaixo dos pés
o jornal o semanário o mensário
o anuário

está calor e está a nevar
está a morrer em paz, a letra
comeu tudo, nada
é mentira, nada é passado, nada
foi digerido — 

01 março, 2009

viva Manoel de Barros que concebeu poemas sem pecado

Viva o Porto de Dona Emília Futebol Clube!!
— Vivooo, vivaaa, urrra!
— Correu de campo dez a zero e num vale de botina!
plong plong, bexiga boa
— Só jogo se o Bolivianinho ficar no quíper
— Tá bem, meu gol é daqui naquela pedra
plong plong, bexiga boa
— Eu só sei que meu pai é chalaneiro
mea mãe é lavandeira
e eu sou beque de avanço do Porto de Dona Emília
o resto não tô somando com qual é que foi o índio
que frechou São Sebastião...
— Ai ai, nem eu
Uma negra chamou o filho e mandou comprar duzentos
de anil
— Vou ali e já volto já
Mário-Maria do lado de fora fica dando pontapés
no vento



(retirado de "Poemas Concebidos Sem Pecado"
de Manoel de Barros)