31 outubro, 2008

um dos meus trovadores


micah p. hinson - beneath the rose

Projecto de vida eterna

um poema de Francisco Brines, com tradução de José Bento,
mais uma vez retirado de "A última Costa", um dos meus
mais preciosos livros.



E depois de acabar, voltar ao mundo
após uma curta eternidade, já sereno
voltar de novo ao mundo, a este que sei,
com uma repetida juventude, e junto a mim
seu corpo como fora em sua idade de ouro
perdida, e assim admitir que a vida é infindável
como não pôde ser (agora já eterna),
porque houve um adeus, e o tempo envelhecia
não o tempo, que em si é sempre eterno,
mas o que ele tocava: o mundo,
e aquele que, por sabê-lo, mais sofria.

30 outubro, 2008

zapping days, #10

Photobucket
© 2008

29 outubro, 2008

O círculo

um outro texto retirado de "Em Busca do Grande Peixe" da
autoria de David Lynch.



"Gosto do ditado: «O mundo é como tu és.» E acho que os filmes
são como nós somos. É por isso que, embora os fotogramas de
um filme sejam sempre os mesmos - o mesmo número, na mesma
sequência, com os mesmos sons -, cada projecção é diferente.
A diferença é por vezes subtil, mas está lá. Depende do pú-
blico. Existe um círculo que vai do público para o filme e
regressa. Cada pessoa está a olhar e a pensar e a sentir e a
conceber o seu próprio sentido das coisas. E é provavelmente
diferente daquilo por que eu me apaixonei.
Não se sabe como é que ele vai atingir as pessoas. Mas, se se
pensasse em como é que vai atingir as pessoas, ou se vai
magoar alguém, ou se vai fazer isto ou se vai aquilo, então
teria de se deixar de fazer filmes. Simplesmente fazemos estas
coisas pelas quais nos apaixonamos e nunca sabemos o que vai
acontecer."

28 outubro, 2008

zapping days, #9

Photobucket
© 2008

27 outubro, 2008

revivendo o que não vivi

Isto do You Tube causa-me arrepios...
É como se pudesse passear agora pelo século XX e revivesse o
que nem sequer podia ter vivido.
Isto do You Tube exarceba-me a nostalgia, qual doença viciosa.
E assim ficava a vida toda.
Letal e melancolicamente fascinado por esta janela aberta para
esse labirinto do passado, tão presente...


Leonard Cohen & Judy Collins, "Suzanne"

contra a crise estas coisas


Nancy Sinatra & Dean Martin, "Things"

26 outubro, 2008

haiku, de Yoshino Yoshiko

Como quem remenda
peúgas, remendo a mente
e prossigo a vida.

25 outubro, 2008

imagens na minha terra

Photobucket
© Porto, 2008

24 outubro, 2008

zapping days, #8 (gould variations)*

* Dedicado à menina de Elsinore.

Como se devolvesse o meu olhar sempre extasiado pelo fluir
vicioso e infatigável deste virtual universo (ou real, já não me
interessa). Os meus olhos que desde há cinco anos se habitu-
aram a espreitar pelas janelas rebeldes da tua ca(u)sa.
Cinco curtos anos. Uma mão cheia de tudo o que há-de vir.
Voa gaivota, voa. Que no voo serás sempre livre.

Photobucket
© 2008

a passada da vida

excerto de um texto de David Lynch do livro "Em Busca do
Grande Peixe" acabado de publicar em Portugal pela Estrela
Polar


"Há cinquenta anos, as pessoas diziam: «Está tudo a acelerar.»
Há vinte anos, continuavam a dizer: «Está tudo a acelerar.»
Parece ser sempre assim. E parece-o sobretudo agora. É de
doidos. Quando se vê muita televisão e se lê muitas revistas,
pode parecer que o mundo inteiro nos está a passar ao lado.
Quando estava a fazer Eraserhead, que levou cinco anos a
completar, pensava que estava morto. Pensava que o mundo
ia ficar tão diferente antes de eu o acabar. Dizia a mim
mesmo: Estou aqui preso nesta coisa. Não consigo acabá-la.
O mundo está a deixar-me para trás. Tinha parado de ouvir
música e, de qualquer forma, nunca via televisão, não queria
ouvir histórias sobre o que se estava a passar, porque ouvir
aquelas coisas era como morrer."

23 outubro, 2008

zapping days, #7 (gould variations)

Photobucket
© 2008

22 outubro, 2008

sol do meu outono


© 2008

21 outubro, 2008

chapéus há muitos

Photobucket
© Porto, Agosto 2008

20 outubro, 2008

zapping days, #6

Photobucket
© 2008

o preço da fama

No mesmo dia em que o pai, ao lado do agónico senhor do
mundo, pisava o solo de Camp David o filho era esparramado
na capa impiedosa do 24 Horas.

19 outubro, 2008

zapping days, #5

Photobucket
© 2008

18 outubro, 2008

entre sorrisos e o impossível esquecimento

Esta semana, em momentos diferentes, ouvi a Agustina Bessa-Luís
exclamar que não suportava os poetas (ou coisa semelhante) e o
Glenn Gould dizer que odiava o público. Sorri com ambos.
Dois seres tão geniais. Não o disseram por soberba ou por um sen-
timento de irredutível superioridade. Disseram-no tão natural-
mente como respiravam. Parece ser da nossa condição ter sempre
que odiar alguém ou detestar alguma coisa, por mais mesquinhos
e inofensivos que possam ser esses sentimentos.

Curiosamente, esta mesma semana, o escritor Milan Kundera
passava à imortalidade não propriamente pelas melhores razões.
Ao que parece, por ter sido um bom filho-da-mãe nos seus verdes
anos.

16 outubro, 2008

A faca não corta o fogo

para soletrar amorosamente até ao fim dos dias,
o imperdível novo livro de Herberto Helder



«a acerba, funda língua portuguesa,
língua-mãe, puta de língua, que fazer dela?
escorchá-la viva, a cabra!
transá-la?
nenhum autor, nunca mais, nada,
se a mão térmica, se a técnica dessa mão,
que violência, que mansuetude!
que é que se apura da língua múltipla:
paixão verbal do mundo, ritmo, sentido?
que se foda a língua, esta ou outra,
porque o errado é sempre o certo disso»

15 outubro, 2008

inside

Photobucket
fotos cedidas por Joana Rêgo, Bienal de Veneza, 2007

14 outubro, 2008

frase capital

Photobucket
© Porto, Junho 2008

13 outubro, 2008

zapping days, #4

Photobucket
© 2008

12 outubro, 2008

QUE SE FREUD

um poema de Joaquim Castro Caldas


aos 20 já fodes
ainda não te fodem

aos 30 ainda fodes
mas já te fodem

aos 40 nem odes
nem ais de cima

aos 50 já não fodes
mas ainda te fodem

aos 60 dizem-te
que sabes da poda

aos 70 não te fodem
porque já se fodem

aos 80 que se Freud
porque a morte




* Em memória dessas noites míticas do Pinguim e minha
homenagem tardia a esse poeta franzino de olhos vivíssimos,
a essa voz exaltada que lembro iluminar-se, provocadora, por
entre os risos imberbes e o fumo serpenteado dos cigarros
atentos da audiência sempre festiva. Essa voz que não pedia
licença a nenhuma academia. Essa voz sem pudor dos palavrões
mais tonitruantes. Essa voz de uma lua em fúrias. Essa voz
dessas vozes que sempre fazem falta.

11 outubro, 2008

zapping days, #3

Photobucket
© 2008

10 outubro, 2008

o êxtase material

Ter e não ler, eis minha sempiterna questão. E nenhum
êxtase material nisso. E nenhum êxito. Apenas meu costu-
meiro fado. Tudo para as calendas sempre adiado, em nome
de um Tempo verdadeiramente Livre...
Não sei quando, não sei onde, não sei em que ano, não sei
quanto custou, não sei a razão de tê-lo adquirido, não sei
porque o quis na lígua original, não sei se o terei folheado,
não sei se terá havido alguma convincente sugestão de
leitura. Sei que tinha em casa, por ler, um livro dele. O novo
e inesperado Nobel da Literatura.
Não sei os nomes que estavam a jogo. Apenas ouvira vaga-
mente falar em Roth e no nosso Lobo Antunes. Ficara a
torcer por qualquer dos dois. A meio da manhã apercebo-me
que estava já escolhido: na rádio dizia-se que era o francês
J.M.G. Le Clézio.
Agora emendo a falta. Fui procurar o livro. Um conjunto de
meditações escritas em 1967. O ar dos tempos em que nasci.
Mais um para a pequena montanha sobre a mesinha de cabe-
ceira.
Perdoem-me aqueles que não entendem bem o francês, estive
tentado a ser eu a traduzi-lo mas, para além do tempo e tra-
balho que me exigiriam, fiquei com receio que aparecesse por
cá algum tradutor encartado a desancar na minha ingenuidade.
Tomai então, assim. E bebei.



"Toute littérature n'est que pastiche d'une autre littérature.
En remontant ainsi dans le temps, jusqu'où arrive-t-on?
Jusqu'à quelles oeuvres cachées, quels chants et quelles
légendes des premiers temps des hommes? La continuité
est en tout. Rien ne vien la briser. Tout est répercussion. En
face d'une telle force de persévérance, l'idée du passé, du
présent, ou de l'avenir semble un peu ridicule. La véritable
notion humaine, celle qui finalement se rapproche le plus de
ce qu'on conçoit aussitôt de la vie, c'est l'eternité. La perdu-
rabilité des choses, des êtres, et même des idées est évidente.
Comme il y a des instincts, des gestes qui se lèguent, il y a des
mots. Est-ce cela le progrès? Est-ce qu'une pensée, d'un individu
à l'autre, d'un siécle à l'autre s'affine? Elle change, cela est sûr,
elle s'adapte. Mais progresse-t-elle? Elle vit, tout simplement,
selon un cycle immuable et pourtant imprévisible. Elle vit. Elle
a SA vie. Curieuse éternité dont la conception même est diffi-
cile. Individus tout entiers braqués, mais collés aussi dans la nuit
cellulaire. Etrange sphère vers quoi tout aspire, mais où le mor-
cellement est désespérant. Je suis moi. Les autres sont les autres.
On m'a fait moi. Je pense avec ces bribes qui semblent vraies:
le temps, l'éspace, la réalité, les couleurs. Alors que la vérité, la
seule vérité, c'est l'éternel, l'immense, l'absolu, l'invisible.
La grande beauté religieuse, c'est d'avoir accordé à chacun de
nous une ÂME. N'importe la personne qui la porte en elle,
n'importe sa conduite morale, son intelligence, sa sensibilité.
Elle peut être laide, belle, riche ou pauvre, sainte ou païenne.
Ça ne fait rien. Elle a une ÂME. Étrange présence cachée,
ombre mystérieuse qui est coulée dans le corps, qui vit derrière
le visage et les yeux, et qu'on ne voit pas. Ombre de respect,
signe de reconnaissance de l'espèce humaine, signe de Dieu dans
chaque corps. Les idiots sont idiots, mais ils ont une ÂME. Le
boucher à la nuque épaisse, le ministre, l'enfant qui ne sait pas
parler, ont chacun leur ÂME. Quelle est la vérité dans ce mys-
tère? Comment est-elle, cette âme invisible et inconnaissable,
qui n'a rien à voir avec la fortune, la beauté ou l'intelligence?
Quelle est cette chose sérieuse qui habite tous les hommes,
et qui fait qu'ils sont eux-mêmes? Ce fantôme sans couleur et
sans forme qui est glissé dans le fourreau de la chair, et qui
est digne, et QUI REND TRAGIQUE?"

J.M.G. Le Clézio, "L'extase matérielle" (éditions Gallimard)

09 outubro, 2008

zapping days, #2

Photobucket
© Setembro, 2008

08 outubro, 2008

zapping days, #1

Photobucket
© Setembro, 2008

04 outubro, 2008

enjoado de metáforas

nenhum anjo encarna no meu coração.
enjoado de metáforas,
quero sentar-me às portas do céu.
trago essa história de deus atravessada
desde sempre.

com o traseiro aninhado numa nuvem pardacenta
quero ver como o vasto e lúcido insano
cospe sobre o esterco do mundo.
quero estar na raiz dessa chuva ulcerosa
de luciferinas palavras,
sem qualquer particular vibração
espiritual.

a raiva, a raiva, a raiva...
a raiva, a lágrima, a ferida, a ira, a glabra chuva, a saraiva.
como pedra enlouquecida de lume.

nenhum deus descarna minha mão
no lugar inebriante do poema.