31 março, 2008

pai, quando eras pequenino, já querias ser pai?

- Eu quando for grande quero ser professora, rimadora
e mãe. Pai, sou a melhor rimadora, não sou?

30 março, 2008

porto sem abrigo

Ora bem. Parece - segundo as notícias, ou melhor, segundo
as estatísticas, ou melhor ainda, segundo as notícias sobre as
estatísticas - que vivo na cidade mais pobre da Península Ibérica.
Eu que nem desconfiava. Eu que apenas pressentia viver na
cidade mais estranha de toda a península, quiçá, uma das mais
inclassificáveis e indefiníveis da Europa.
Ora mal. Parece então que o Porto está cada vez mais pobre. E
assim se esfuma a cidade invicta e nobre. Assim morre. Um
triste fado. Não sei se a cidade voltará a fazer das tripas coração.
Se haverá forças. Se haverá gente para isso. Não parece haver.
Empurradas ou não, as pessoas foram paulatinamente saindo da
cidade velha e decadente. Procuraram casas mais baratas. Ou
casas com melhores condições. Ou procuraram esse sonho muito
lusitano de viver ao pé do mar. Ou então ao pé dos grandes cen-
tros comerciais.
Para além daqueles, inúmeros, que vejo (vemos todos) partir
para Lisboa para empregos na administração pública, para o
governo, para as televisões, para os jornais, para as indústrias
criativas da publicidade, do cinema, do teatro, da música e por
aí fora. E partem cada vez mais cedo. Sangria cruel.

Mas a verdade é que a gente do Porto é também a gente de
Matosinhos e é a gente de Gaia. Só por cegueira não se pode
ver isso. Ou não se quer. A cidade não pode morrer asfixiada
por essa maldita Circunvalação, não pode ficar eternamente
confinada e condenada a fronteiras que hoje já não fazem,
quanto a mim, qualquer sentido. E também não pode ficar
refém de ciúmes e disputas vãs, entre autarcas de pouca
visão e medíocre ambição. A cidade tem que expandir-se.
Assumir o destino lógico e natural de tornar-se uma verda-
deira metrópole europeia de média dimensão.

Quanto ao mais, nada de novo por viver na cidade mais po-
bretanas deste recanto luminoso da Europa. Desde que me
conheço que vivo no país mais pobre da Península Ibérica.
Estou a habituado a ver-me como pobre. Não é por isso que
alguma vez quis, ou alguma vez quererei, ser espanhol. Nem
alinhar, tão-pouco, nessas cantilenas espúrias contra mouros
e afins.

29 março, 2008

Viva Michelle!!

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Esta menina-prodígio vai dar-me, vai dar-nos muitas alegrias.
Esta jovem portuguesa vai ser o nosso Ronaldo do ténis
mundial. A nossa Sharapova. O feito de há pouco mais de quatro
horas é perfeita e maravilhosamente notável.
Que grande pena não se poder ter visto o jogo na tv, eu que
acompanhei em directo online, ao segundo, a marcha épica (e
angustiante) do marcador....
Há anos que sigo o percurso desta extraordinária miúda e cedo
comecei a alimentar o desejo de um dia poder vê-la (ao vivo, seria
então o cúmulo!) a ganhar um dos torneios do grande slam.
Há muito que aqui queria colocar uma foto de Michelle Larcher
de Brito. Está feito. Como hei-de, um destes dias, homenagear
também a Vanessa Fernandes. Talvez a nossa mais completa e
imparável atleta.

28 março, 2008

somos todos primos uns dos outros

"Pode ser uma reunião de família estranha. Os candidatos às
presidenciais americanas têm mais em comum do que pen-
sam: Barak Obama é um primo afastado de Brad Pitt e
Hillary Clinton é parente de Angelina Jolie. Investigadores
da New England Historic Genealogical Society, a mais antiga
e a maior organização genealógica sem fins lucrativos dos
EUA, encontraram algumas ligações de parentesco extraordiná-
rias entre os três principais candidatos - os rivais democratas
Obama e Hillary Clinton e o Republicano John McCain, noticia
a Associated Press (AP). Clinton, que é descendente franco-
-canadiana pelo lado da sua mãe, é prima afastada das canto-
ras Madonna, Celine Dion e Alanis Morissette. Os primos de
Hilary Clinton incluem também o escritor Jack Kerouac e
Camilla Parker-Bowles, mulher do príncipe Carlos. Por sua
vez, Obama, filho de uma mulher do Kansas e de um homem
do Quénia, pode chamar "primo" a seis presidentes dos EUA.
Obama tem uma linhagem presidencial prolífera com carac-
terísticas democráticas e republicanas. Os seus primos incluem
o Presidente George W. Bush e o seu pai George Bush, Gerald
Ford, Lyndon Johnson, Harry S. Truman e James Madison.
Outros parentes famosos de Obama incluem o vice-presidente
Dick Cheney, o ex-primeiro ministro inglês Winston Churchill
e o general Robert E. Lee. Do lado republicano, o estudo in-
dica que McCain é primo em sexto grau da primeira dama,
Laura Bush.
O genealogista Christopher Child, que passou os últimos três
anos a traçar a linhagem dos candiadtos, disse à AP que en-
quanto os candidatos se concentram muitas vezes em apontar
diferenças entre eles, as suas demonstrações de linhagem são
mais parecidas do que eles pensam."
(notícia saída ontem no jornal Público)

Serei eu primo de quem? Quantos primos meus visitarão este
blogosférico rincão? Serás tu, Moloi, meu primo tropical?
Já agora, se pudesse escolher, gostava de ser primo do
Alexandre O'Neill e da Laurie Anderson...

27 março, 2008

porto she said

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© Portishead, Coliseu do Porto, 26/03/2008

excerto em carne viva

«Há muitos anos, pensava em fazer um exame de olhos espe-
cial a todas as mulheres que me agradassem, a fim de decidir
quem seria "a mulher da minha vida". Olharíamos um para o
outro olhos nos olhos, aproximaríamos lentamente os olhos,
mais perto, ainda mais perto, até os meus olhos tocarem os
dela, mas tocar realmente, não apenas as sobrancelhas, ou as
pestanas, mas o olho mesmo, as pupilas e a sua humidade, as
lágrimas surgiriam logo, é assim que o corpo é feito, mas nós
não cederíamos, nem nos curvaríamos às regras dos reflexos
e da burocracia do corpo, até que das lágrimas e da dor subi-
riam até nós, inundando-nos, fragmentos das imagens mais
foscas e antigas das nossas duas almas. Veríamos as formas
quebradas dentro do outro, é o que eu quero agora, ver a
escuridão do outro, porque não, porque nos havemos de
resignar, Miriam, porque não havemos de pedir, uma vez na
vida, para chorar com as lágrimas do outro.»

(de "Em Carne Viva" de David Grossman)

25 março, 2008

mineral suspensão




meu olhos minerais. parados como que a ouvir. stop.
nenhum sinal animal. apenas o silêncio a vir. stop.
minha traiçoeira respiração. alucinado momento. stop.

tudo aqui cruzar. escape. stop. porque senão entope.
deer stop. dear song. stop. ponto. final.
(voz deliciosa à solta.)


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© 2008

24 março, 2008

café portugal

um texto de Filipa Leal
(encontrado no primeiro número de uma nova revista de
distribuição gratuita, intitulada precisamente "um café")

O Que Sente O Escritor Feliz No Café Portugal

O escritor feliz nunca tinha pensado em emigrar. Mesmo
quando percebia que, apesar do seu esforço, a família e os
amigos continuavam a pensar que não há escritores felizes,
ele preferia habitar esse país de gente desconfiada, de gente
feliz. Só quem desconfia pode ser feliz, pensava, só quem
desconfia. E lembrava-se daquela frase do grande roman-
cista brasileiro que escreveu: "Eu quase que nada sei, mas
desconfio de muita coisa". Isso mesmo. Gostava de Portugal
com a sua desconfiança, com os seus portugueses.

Quando viajava, perguntavam-lhe muito por eles, pelos
portugueses de Portugal. (Portugal devia estar contente por
haver gente que era dele, como acontece no amor. Também
por isso não emigrava.) O escritor feliz costumava dizer que
os portugueses eram seres estranhos. Mas como gostava de
metáforas, acrescentava: uma espécie de aves com raízes. E
sorria.

É preciso lembrar que o escritor feliz só tinha três vícios:
escrever, amar e viajar. Viajar era aquele que planeava melhor
e com mais antecedência, por ser o único que não era grátis.
E, no entanto, tão fundamental. Não para a escrita. Funda-
mental para também ele poder desconfiar.

Na ideia do escritor feliz, viajar era uma espécie de coragem,
uma temporária emigração. Admirava muito aqueles que
conseguiam mudar de laços, de braços, mas depois punha-se
a pensar: serão felizes?

Pensando bem, o escritor feliz gostava mesmo era de regressar.
Por isso partia, para voltar a sentir Portugal com o seu cheiro:
pão, uvas, mar, esteva, canela, coentros.
O escritor feliz gostava mesmo era de voltar a sentir Portugal
com o seu cheiro a eucalipto, mas sobretudo com o seu cheiro
a café.

É que Portugal, pensava, é isso mesmo: um café, de certo
modo, habitável.

23 março, 2008

que se estenda agora a alegria



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© 2008

22 março, 2008

serralvess

ia a meio do pomar quando ouço alguém a dizer que o
chão era igual ao do prado.

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© 2008 (MACS, exposição "Em Viagem 70-76", Robert Rauschenberg)

21 março, 2008

pólen só

po e sia
pó len itivo
dia equi
nó cio
uma flor
esta festa
a dor me
cida te
cida de
mor te
besta
pó e
cio

20 março, 2008

poema perdido em 1993

um poema de Pedro Sena-Lino
(para assobiar e. e. cummings)


vamos embebedarmo-nos e fugir para o teu corpo
na primavera mentem-se os invernos no eterno verão

levo a adolescência que perdemos dentro à tua boca
vamos subir as árvores um do outro e
meter todos os invernos no corpo eterno verão

vamos absolutos para o nu de Deus
trago nos bolsos tempo para nenhum nós
e vinte mil adiadas erecções

vamos rasgar ruas onde havia mãos
e esconder outonos nos fundos das pernas
caber o segredo que não sabemos nós
a natureza segunda das folhas
e o nome nu de todas as estações

vamos soltar cobras onde havia medo
e matar os dias só duas palavras

mas agora vamos bebermo-nos de ti
e fugir para o corpo bem fora de nós

19 março, 2008

das rosas



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© 2008

18 março, 2008

a memória é coisa infinita

meu segundo livro de llansol, dias depois do primeiro.
(ou talvez tenha sido este mesmo o primeiro, já não recordo se
presente de aniversário ou oferenda natalícia.)
mão amante escreveu palavras que parecem hoje impossíveis.
dias distantes e finitos.
esse gosto de marcar os livros com palavras nossas. esse
gesto de torná-los assim obra também nossa.
esses livros tão secretos.
esses livros prenhes de palavras alares.

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como é possível, num país de tantos e ilustres letrados, esta
mulher ser afinal tão pouco lida? num país de tamanhos
autores, de imensos poetas publicados, de tantos bloguistas
tão bons escrevedores?
como posso eu que não sou nenhum doutor, que não sei
teorizar sobre nada, que não frequentei Letras, que sou um
pouco avesso e muito ignaro das ortoxias e das regras da
língua, que não tenho memória sequer para um versito meu,
como posso ser dono de tantas primeiras edições de tiragens
tão pequenas, de escassos dois mil exemplares?
como ao longo destes anos todos foi sempre possível ver à
venda os seus livros ao desbarato, em inúmeros mercados e
feiras de livros em saldos?
como, apesar da sua genialidade, sempre me pareceu que
praticamente ninguém lhe ligava nenhuma?
como posso eu - deixem-me fazer esta pergunta insuportável -,
filho de operários vindos dos pobres campos minhotos, sentir
que faço parte de uma qualquer elite? como posso eu que tão
pouco leio, sentir essa pontinha de vaidade?

17 março, 2008

(sem tempo para mais) deixo esta canção

16 março, 2008

fabulous four

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© 2005

14 março, 2008

fazer-se luz

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© 2008

13 março, 2008

este meu amor pela pop francesa

12 março, 2008

as palavras do corpo

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© 2008



pedem-me doze palavras.
palavras de que goste especialmente.
ah, mas eu gosto das palavras todas! mesmo das mais ordinárias,
mesmo das que não sei o exacto significado.
então, que doze palavras escolher?
palavras belas? palavras malcriadas?
palavras raras ou palavras caras?
palavras que eu não uso? palavras que eu não sei?
palavras de vagas ou intensas ressonâncias poéticas?
palavras que me vêm com inelutável marca eugeniana
como cal, sal, sombra ou lume?
as palavras que ferem ou as palavras que se oferendam?
palavras que sejam metáforas de outras?
que sejam apenas sinais?

resolvo-me, enfim. deixo vir as palavras de dentro.
da sopa de letras de que somos feitos.
palavras do corpo. palavras que ressoam na memória
do corpo. que ecoam no desejo de outras falas.
deixo vir as palavras à boca. as palavras nuas.
palavras com sabor. palavras com cor. palavras de todos
os sentidos. palavras sentidas.
as palavras saem da boca.
doze palavras do meu coração aberto. eu que talvez
tenha demasiado o coração ao pé da escrita.

as palavras do corpo.
as palavras que nos saem do corpo.
caídas assim na ferida oferecida do mundo.

11 março, 2008

o inverno ardendo de seios primaveris

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© 2008

"Os seios no inverno estão bem guardados, escondidos nas
suas tocas; mas dão a sensação de primavera quando se
desnudam... No outono adapatam-se ao meio ambiente;
tornam-se mais sensíveis, sentem uma grande ternura pelo
que acontece... Na primavera assomam à primavera, sentem-
-se cheios do orvalho matinal da primavera, sentem-se
arejados, sentem-se cobertos de rosas e com uma frescura
floral... No verão sentem-se crestados pelo sol, cozidos,
tostados pelo calor e, durante a noite escura, quando ninguém

as vê, as mulheres abrem as portas das varandas e tiram os
seios para fora ao fresco da noite.
Abrir de um lado o vestido ou o manto para mostrar um seio é

um gesto ingénuo e malandro, cheio de graça.
Oh, como é atraente essa mulher que vai embaraçada pelos
seus seios demasiado vivos, tão vivos como ela não esperava
que ficassem debaixo da blusa nova! Isto não torna a aconte-
cer; mas hoje já não pode voltar atrás e continua o seu caminho
assustada com a maneira como se destacam e agitam e a

desnudam os seus seios!
Nunca são mais suaves os seios nem saem mais para fora,

mais do que se estivessem nus, do que sob uma mantilha de
crepe.
Os seios livres nas blusa largas, sobretudo as vermelhas,
in-
citam à liberdade, aconselham-na, conduzem a ela, pedem-na,
proclamam-na."


(excerto de "Seios" de Ramón Gómez de la Serna)

10 março, 2008

olhar como se fosse a pintar

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© 2008 (fotografando a instalação de Pascal Nordmann, "l'esprit des lieux")

09 março, 2008

é domingo no mundo

um poema de João Alexandre Lopes


Não sinto nada ao domingo. Nada me comove.
Nada me demove de não sentir.
Resisto ao apelo dos grãos do café
entre magotes de pessoas,
ao passeio de carro, devagar, para gozar o panorama,
como devem ser os passeios ao domingo.
Não há um ritmo que me incendeie,
uma montra luminosa que me ilumine.
Fico por casa, na serenidade do jornal de domingo,
quieto quieto. Era capaz de passar o dia
abraçado a ele, página após página.
Nacional, local, mundo.
É domingo no mundo.
Em Paris sobe-se uma vez mais à torre Eiffel
de encontro ao céu de domingo,
que neste dia não haverá de ser diferente
do céu que cobre o jardim de terra
plantado junto ao museu do Louvre.
Nem uma praia das Caraíbas escapa ao domingo:
recebe os rapazes e raparigas lentos e torpes
mais tarde do que é habitual: é domingo,
e só muito tarde dão descanso à praia,
cheios de areia dominical nos pensamentos.
Abstenho-me de sentir ao domingo,
apesar de ser domingo no mundo.

08 março, 2008

cantar a iemanjá pela manhã




A casa vazia num morno silêncio. As mulheres da casa deixaram
o homem a dormitar sozinho pela manhã de sábado.
Depois do pão seco torrado com manteiga, do leite com café de
sempre e dos restos do ípsilon de ontem, sento-me ao computa-
dor sem qualquer vontade de 'blogar'. Nenhum novo comentário.
Nenhum pequeno mimo. Na moldura da janela, uma gaivota risca
um voo oblíquo descendente. É estranho como esta imagem é
afinal tão urbana, tão quotidiana que nem costumamos reparar
nela. Gaivotas lá fora no azul envergonhado deste inverno em
despedida. Uma jovem mulher de roupão branco, sacode à janela
o edredon de plumas também branco. Tudo é alvo no meu olhar.
(Todo o pensamento leve?)

Sábado de manhã num dia em que sem tem que trabalhar à tarde
e pela noite fora. É uma pequena tristeza que vem.
Manhã assim da minha preguiça. Não me apetece produzir
nenhum 'post'. Resolvo-me pela via mais fácil. Ponho a tocar o
ipod. Como quase sempre, está em modo aleatório. Escolherei
para o blog a primeira música a rolar. Tom Waits. Espera Tom,
mas hoje não. Portishead. Também não, ainda por cima o
Francisco José Viegas 'postou' um vídeo da Beth Gibbons. Beirut,
não. Ursula Rucker, não, não. À quinta, um sonzinho breve de
chuva e uns delicados acordes num violão convencem-me. É
mesmo isto, ir para o chuveiro a cantar à deusa iemanjá. Seguir
estes estrangeiros profundamente tocados pela música e palavras
dessa parceria genial, essa espécie de prece do amor... Se uma
japonesa canta assim inspirada, eu também cantarei. Uma doce
tristeza que me vem.

07 março, 2008

a ave que se aninha no meu olhar

Eis a lua cheia -
há ali também uma ave
que procura o escuro.

da poetisa japonesa Chiyojo (1703-1775)

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© 2008

05 março, 2008

o meu primeiro livro de llansol

houve um tempo em que li muito a llansol.
li sofregamente. li como um verdadeiro apaixonado. não queria
outra coisa.
lia maravilhado. estontecido. lia mesmo o que não entendia.
lia, com espanto juvenil, uma escrita que se me afigurava de um
labor divino. uma escrita profunda e singularmente pura, tecida
das mais sábias revelações. sublime prática poética. sageza subtil
que eu não encontrava em mais ninguém na nossa mátria língua.

houve um tempo em que não tinha dinheiro para livros.
abandonara a faculdade e, por consequência, acabara-se a
paternal mesada. tudo o que lia era praticamente emprestado ou
oferecido. o pouco dinheiro que ganhava num ou noutro trabalho
pontual, guardava-o para as infindáveis noites de sexta ou sábado
passadas com os amigos nos cafés, num tempo em que cem
escudos davam para uma suave bebedeira de três ou quatro
cervejas. ou, muita vezes também, para umas horas a jogar bilhar.
ou, então, para os filmes. os muitos filmes, num tempo em que ir
ao cinema era ainda uma espécie de acontecimento social.

houve um tempo em que cometi um ou outro católico pecado.
(porque dessa culpa nunca me livrei...)
um tempo em que roubei alguns livros. assim nasceu o meu
primeiro livro da Llansol.
hoje não consigo perceber como fui capaz. bem sei que nunca
consegui sentir esses actos como verdadeiros furtos mas antes
como frutos de uma verdadeira causa amante.
não me sinto arrependido. tudo era aprendizagem. fez parte do
meu crescimento. ainda por cima, fazia-o em dupla com uma
namorada de então, o que exarcebava a vertigem cleptómana e
nos dava aos dois uma espécie de aura de bonnie & clide de
intenções romântica e benignamente literárias e, portanto,
perfeitamente desculpáveis.
aqui deixo a imagem do livro, por mim fotomontado, para vos
dar conta do seu número tão baixo numa edição de apenas dois
mil exemplares e da anotação algo garbosa que nele lavrei.


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04 março, 2008

o que é um baibai?

um poema de Angélica Freitas

baibai es un adiós.
un farewell sin pañuelos.
tem gente que escreve haikai,
três linhas à bashô.
baibais também seguem modelos.

quem escreve baibais sabe que acabou
-se o que era doce.


(retirado do nº10 da revista "Águas Furtadas")

03 março, 2008

um gato para llansol, o secreto sol da nossa língua

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© 2008 (s/ fotografia original de António Pedro Ferreira)
In Memoriam
Maria Gabriela Llansol, 1931-2008

02 março, 2008

levado na corrente

Eu bem tento fugir mas acabam sempre por apanhar-me. Mais
uma onda blogosférica que não tenho como não surfar, ainda por
cima desafiado por Miss Spring, bloguista que muito estimo (e
assim cumpro a primeira regra, assinalar quem me acorrentou).
Pedem-me que partilhe seis insignificâncias sobre a minha pobre
pessoa... Mas as nossas insignificâncias têm tanto significado!

Adoro praias desertas. Praias quase secretas. Ter a sensação
de gozar, como um deus solitário, a beleza da vida sobre a terra.
Gosto de salas de cinema quase vazias.
E não gosto nada do cheiro das pipocas nas salas de cinema.
Quase me levam perto do sufoco.
Gosto mesmo muito pouco de batatas cozidas. Quando criança,
com elas quase inteiras por mastigar na boca, alegava necessidade
de ir à casa de banho e ia despejá-las, quase aos vómitos, na
abençoada sanita...
Detesto não me lembrar dos nomes das pessoas. Eu que prati-
camente não esqueço um rosto.
Não gosto nada de barrar o pão com manteiga gelada, pouco
derretida.
Não sei porquê, fascina-me a beleza, como que insólita, das
mulheres ruivas. O anjélico tom de pele.
Não gostaria de morrer sem antes ter visto Tom Waits ao vivo.
(É melhor parar por aqui. Estarão cumpridas as regras. Agora,
era bem capaz de seguir desfiando o rol das minhas insignificân-
cias, afinal tão significativas.)

Passo então a palavra, isto é, a corrente, ou seja, a batata quente à
Carla (desafio com desafio se paga, amiga!), aos três maquinistas
da Linha do Norte, à regressada Eduarda e à menina Pink (e para
cumprir devidamente todas as regras, tenho que ir a correr
deixar-vos um aviso nas caixas de comentários dos vossos blogues).
E peço-vos perdão.

01 março, 2008

leitosa luz

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© 2008 (Centro Português de Fotografia, exposição "Fast City
& Days of Nights" de Morten Andersen)