31 outubro, 2006

chico qualquer

voltou a música desse bolero fatal.
imaginei que essa actriz cantava para mim.
inventei que fazia cinema.
sonhei que me sussurrava palavras dançarinas:
eu te amo, te amo, amo...
beijos ferinos de mil perdões.
o amor palavra lavrada
no corpo belo da mulher.

contra as vitrines do hotel de subúrbio,
um beijo leve dos futuros amantes.
outros sonhos por atear,
outros sons por desatar,
filme sempre em aberto,
blues breve de triste tom,
minha singular canção,
eu, um chico qualquer.

(poema nascido das palavras de alguns dos títulos das 33 canções
do show Carioca de Chico Buarque)

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© Porto, Outubro 2006

deus vivo

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© Porto, Outubro 2006

A vida vale por noites assim. Noites como que sopradas por
doces arcanjos, com todas as coisas a parecerem roçar a per-
feição. Não pedíriamos nem mais nem menos.
Calor na rua, calor na sala. A cidade com um morno sabor a
trópicos. Verão no Outono.
Gente bonita. Mulheres muito belas, mulheres lindas de todas
as idades. Gerações várias a cruzarem-se no mesmo local, a
comungarem o mesmo espírito de festa, a partilharem o mesmo
amor por essa música de pura expressão popular, por essas
canções que nos cativam, moldam, alimentam, definem há já
mais de quarenta anos.
A celebração de um deus vivo. A presença humaníssima de um
homem incomum. Uma voz que seguimos e amamos, ao longo de
todos estes anos, sempre como se fosse a primeira vez, nós os
amantes da língua portuguesa. Um homem na verdadeira e plena
flor da idade: um homem como árvore madura.

Uma sala rendida. Um coliseu seu.
Esse palco. Nosso porto de emoções.

30 outubro, 2006

East 59th Street

um poema de J.M. Fonollosa

Um dia a mulher dar-se-á conta
de que o homem é adorno ou mão-de-obra
ou apenas de esperma primário armazém.
De que essencial é ela para a espécie.

Não desatemos a rir com sornice e picardia
enchidos de importância. É clitórica.

A fálica deificação é nela
hipocrisia. É mito varonil.
E é o varão que o impõe quem o adora.

Um dia a mulher lerá a história
e saberá quem ela é, e quem o homem.

Relegará o varão a mão-de-obra
e à sua inclinação pelo sexo priapista.
E a nu porá a sua real supremacia.
O que até agora fez ocultamente.

(do livro Cidade do Homem: New York
Edições Antígona, tradução de Júlio Henriques)

29 outubro, 2006

um mês de rádio mistério

um mês da minha rádio mistério.
amor pela transmissão.
transmissão do amor.
discreta dança dos meus segredos.
espero que dancem.

28 outubro, 2006

um poema à hora do pequeno-almoço

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© 2006

POEMA, de Frank O'Hara

Café instantâneo com natas ligeiramente amargas
e um telefonema para o além
que não parece estar a aproximar-se.
«Ah pai, quero ficar bêbedo muitos dias»
da poesia de um novo amigo
a minha vida precariamente sustida nas mãos
videntes de outros, as suas e minhas impossibilidades.
É isto amor, agora que o primeiro amor
finalmente morreu, no qual não havia impossibilidades?

27 outubro, 2006

a chave

Deixo-te a chave do amor
nos versos de um breve poema
Toma conta
do meu coração
Enquanto puder
durar a metáfora

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© Porto, 2006

26 outubro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #5

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© 2006 (miniaturas sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims)

25 outubro, 2006

view my incomplete profile

Há uns tempos atrás fui aqui na blogosfera desafiado, pela
Alice e mais tarde pela [t]eresa para para dizer umas seis ou
sete coisas sobre mim. Logo nessa altura alinhavei a maior
parte do arrazoado de palavras que se segue aqui em baixo.
Saiu tudo demasiado ao sabor da pele, caótico, aleatório, básico,
cru, incongruente, revelador, secreto, extenso, chato, porven-
tura ridículo e superficial. Indeciso, descontente, preferi guardar
em draft. Um dia eliminaria praticamente tudo, até sobrarem
sete curtas e limpas frases. Esse dia nunca chegou. Eu prometera
não quebrar a corrente. E aqui estou chegado, com o fardo em
brutas mãos. Não salvar mais como draft. Aí vai disto. Enter.
Como quem joga tudo no lixo.

1. Fui um lindo bebé, ao que parece, mas isso são todos os bebés.
Depois, um rapazito magricelas. Um trinca-espinhas. Mais tarde,
diziam que eu tinha cara de menina. Ainda mais tarde, bem já
mais que um adolescente, diziam que tinha cara de menino.
Depois, por fim, um gajo giro. E por aí fora, até ao tipo bem con-
servado e coisas assim, como se eu aparentasse sempre uns bons
dez anos menos. Não há, claro, mérito meu algum nisso.
Na verdade, sinto-me um puto. É como se o b.i. mentisse sobre
as coisas essenciais.
Ia a pé para a escola sozinho.
Hoje as minhas filhas vão de popó. Sinais dos tempos.
Cresci a jogar futebol na rua. Tenho orgulho disso. Logo soube,
todavia, que nunca seria como o meu ídolo Johan Cruift, eu que
até me achava parecido com esse elegante e mágico holandês,
mas na tv a preto-e-branco eu não me dava conta que ele era
louro. Um dia, ainda miúdo, comprei a sua autobiografia e houve
uma frase que nunca esqueci, «que todo o golo era uma questão
de sorte».
Hoje envelheço sentado frente a computadores e monitores de
toda a espécie. Se corresse os 100 metros, o Obikwelu já tinha
cortado a meta e eu ainda estava a arrancar. E numa corrida de
fundo, qualquer catraio de dez anos já era bem capaz de me
ganhar...
Perdi todos os amigos. Os amigos das ruas da infância. Os amigos
dos liceus da vida. Os amigos da universidade perdida. Os amigos
forçados da tropa. Os amigos de todas as encruzilhadas, de todos
os acasos, de todas as esquinas da vida.
Restam-me alguns amigos das artes e os colegas de ofício.

2. Reconheço-me no perfil genérico do sagitário. Sou um gajo
dual, se isso se pode assim dizer ou entender. Dual era também
a marca do primeiro e único gira-discos da minha vida. Veio da
Alemanha trazido por uns tios emigrantes. O primeiro 45 rpm
da família foi o Chiquitita dos Abba. Não sei já onde encontrá-lo.
Nunca mais quis saber dos Abba, embora esteja bastante tentado
a comprar o novo disco da Anne Sofie von Otter.

3. Nunca usei gravata. Nem calças vermelhas. Nem bigode.
Mas o Chico Buarque usou e admito que lhe ficava a matar (tudo
lhe fica, aliás). A barba cresce-me devagar, tenho sempre portanto
um aspecto algo suspeito.
Nunca fui um playboy nem um beach boy. Na minha juventude
ninguém sonhava ser surfista mas sim em ser o rei da pista.
Andei demasiados anos com um crachá ao peito da Joy Division.
Mas sou, apesar de tudo, um apaixonado da vida.
Não falo agora de amores outros.

4. Devo ter um coração bom. Durmo tão pouco e ele lá vai dando,
por ora, motorzinho diligente, conta do recado. Parece uma boa e
simpática pensão de putas. Há sempre um cantinho para alojar
mais alguém.

5. Sei que a terra gravita em volta do sol mas poucas mais noções
tenho já de geografia. Já mal sei os o nomes e a ordem dos plane-
tas do nosso sistema solar. Esqueci as constelações um dia apren-
didas.
Olho o céu, contudo, sempre deslumbrado. Olho o céu e lembro-
-me de deus. Lembro-me muitas vezes de deus e sempre concluo
que não acredito nessa ideia dos homens. Porquê tão inculcada
dúvida?
O tempo ensina mas também rouba. A vida torna-me (em) tudo
vago, a memória difusa, uma esponja demasiado lassa.

6. Tive as minhas fases. A fase Pessoa, claro, como nós todos.
A fase Henry Miller e a fase Kafka. Depois, intensamente, a fase
Lobo Antunes. E obssessiva e apaixonadamente a fase Duras.
E também, como um devoto, a fase Llansol. Mais tarde, a fase
Tabucchi e a fase Chatwin. Hoje sacio-me um pouco por aqui e
acoli. Ando sempre a jurar a mim mesmo, angustiado, que agora
vou ler ou reler apenas os clássicos.
E tenho os meus amigos de sempre: Tom Waits, Caetano, Zeca,
Leonard Cohen, Velvet, Serge Gainsbourg, Brel, Nick Cave, Nina
Simone, Laurie Anderson, Carmen Miranda.
Levaria para uma ilha deserta o meu ipod com as vozes de todas
as mulheres. Todas as mulheres que amei.

7. Gosto de pensar-me como um provocador de imagens. Ou,
ainda, um povoador das imagens. Através dos sons, das arestas
e das frestas das palavras, de toda a sorte de metáforas.
Síntese ou sintaxe das imagens como festa dos sentidos.
Oficiante de luz e trevas.
Não morrerei cumprido, se um dia não chegar a pôr os pés em
nova iorque.
Homem da cidade que sou.
Filho do ocidente.

24 outubro, 2006

meu homónimo poeta

Aqui vos deixo, do poeta brasileiro Francisco Carvalho:

MITO DE SÍSIFO

Não me queixo de Deus.
Sou o que fiz de mim.
As nuvens são negras ou azuis
porque minha ilusão as quis assim.

Não me queixo de Deus.
Seco-me aos ventos do desamparo.
Semeei caminhos e encruzilhadas.
O futuro é uma senda do homem.

Sísifo conduz uma pedra pelos declives do abismo
sem que o céu se importe com isso.
Também nós carregamos uma pedra,
acorrentados à liberdade
.


Há algum tempo já que sabia da existência de um grande poeta
do Brasil com o mesmo nome que o meu, mas não tinha ainda
lido nada sobre ele nem, sobretudo, conseguido encontrar algum
dos seus poemas.
Agora, devido a esses acasos felizes dos blogues, encontrei uma
entrevista sua acompanhada de três poemas, ele que tem uma
vida literária de mais de cinquenta anos e com cerca de trinta
livros publicados.
Poeta do Ceará, da cidade de Russas, é um autor que, para
além das estritas fronteiras do meio literário, é, pelo que me
apercebo, praticamente desconhecido no seu próprio país, como
o será também, naturalmente, em Portugal.
Lá como cá, a interioridade paga-se caro. Um poeta nordestino,
lá dessas secas terras da fome, um homem que por destino esteja
longe do eixo dominante Rio-Minas-São Paulo, tem sempre,
obviamente, mais dificuldade em fazer ouvir a sua voz poética.
Apesar da longa obra e de ter já ganho diversos prémios, foi ape-
nas através de um disco recente do cantor Raimundo Fagner que
musicou cinco poemas seus, que a sua poesia se tornou um pouco
mais conhecida e divulgada. São dele estas palavras:
"É preciso reconhecer que a poesia é hoje um teatro sem plateia.
Uma ribalta às moscas."



23 outubro, 2006

o sexo iluminado

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© Porto, 2006

22 outubro, 2006

carvalho-escarlate não era mau nome



Porque é que me chamas francisco
e não me chamas carvalho-escarlate?

Porque é que me chamas rei sombra
se não tenho cara de dom duarte?

Porque é que me chamas meu doce
se meus lábios não te sabem a chocolate?

Porque é que me chamas o teu herói
se eu nunca soube como conquistar-te?

Porque é que me chamas nu singular
se o amor é plural na sua arte?

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© 2006

21 outubro, 2006

país do meu enamoramento

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© Porto, 2006

20 outubro, 2006

meunomehojepodeserdagmar



" Os chineses não levam muito a sério o primeiro nome, mu-
dam-no com facilidade. E a ligação entre a alcunha e o nome é
forte. Na China tradicional era comum os homens, sobretudo,
mudarem de nome próprio duas ou três vezes. Estava ligado à
assunção da masculinidade, à vida adulta... Conheci um homem,
que já morreu, que quando os comunistas foram para o poder
passou a chamar-se Crítica Saudável. Ele era a favor das mu-
danças que estavam a acontecer na China, mas não era comu-
nista. A mudança de nome era uma maneira de marcar uma
posição. "

(João de Pina-Cabral, antropólogo português, numa entrevista à
revista Pública.)

19 outubro, 2006

argento vers l'argent

Sofia e Asia. Filhas ambas de nomes conhecidos do mundo do
cinema. Dois sobrenomes de muito peso. Coppola e Argento.
Filhas da fama, portanto.
Ambas actrizes, ainda crianças. E ambas intérpretes em filmes
dos próprios pais.
Mais tarde, também, ambas tornaram-se realizadoras.
Uma dirigiu a outra, agora a ver em Marie-Antoinette.

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"J'étais assez jalouse de son calme. Je n'arrêtais pas de me de-
mander comment elle faisait pour tenir cet énorme plateau tout
en restant en permanence d'un calme olympien. Je me suis ra-
contée qu'elle avait dû être beaucoup aimée quand elle était
petite, beaucoup encouragée. Je pense qu'elle a eu une vie plus
facile que moi, en particulier grâce à l'argent."

(excerto da entrevista de Asia Aria Maria Vittoria Rossa Argento,
les inrockuptibles, nº565)

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(à excepção da imagem do lado direito do díptico de cima,
fotos da rodagem de Marie Antoinette, o novo filme de
Sofia Carmina Coppola, a estrear hoje em Portugal.)

18 outubro, 2006

meus nomes

francisco. como o pai. como o avô. francisco josé. o inverso do
pai. chico. chico penico. chico-magro. chiquinho. chico-da-
-fábrica. chico-canoa. chico-da-palmirinha. chico penico caiu ao
poço. chico-chicão. francisco josé como o cantor dos olhos
castanhos. chico lingrinhas. chico penico caiu ao poço encheu-se
de merda. francisco, outra vez, como um novo baptismo. francis.
furriel carvalho. lady francis. chico penico caiu ao poço encheu-se
de merda até ao pescoço. paco. paquito. chiquitito. francis oak.
dj chike. francisco nu singular.


17 outubro, 2006

negro azul da noite



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© 2006

16 outubro, 2006

enquanto

Enquanto os morcegos na noite nascente
lutam suicidas contra a luz eléctrica,
e os cães ladram segredos à lua em aparição,
enquanto famílias inteiras suspendem o apetite
perante um beijo faminto na tv,
enquanto as palavras violentas de uma canção
sublimam no éter a beleza do acaso,
as palavras, as minhas palavras, afogam-se por inércia,
e o corpo cresce-me em desespero.

Reparem: falo em desespero.
Como um animal a esquartejar,
abandono as mãos lúcidas
derramando a dor espessa
sem o mínimo grito.
No corpo há sempre razão.
Só depois, o medo da noite,
o medo de perder num sono profundo
todos os rostos que conhecemos.

15 outubro, 2006

sombras e penumbra

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© 2006

14 outubro, 2006

o seu blues foi ouvido

espera, um poema de Silvia Chueire

na madrugada pende por um átimo ou um século.
uma palavra.
não há música.
esperam um gesto meu?
como se eu fosse capaz de mover o mundo.
como se eu fosse capaz fazer ouvir.

faço apenas gestos
nuns versos,
com algum compasso.
é meu, o grito que traço.

(do livro por favor, um blues, COSMORAMAedições, 2005)

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© Capela de Fradelos, Porto, 13 Outubro 2006

Há pouco mais de duas horas, Silvia Chueire, belíssima carioca
nascida em 1952, médica psiquiatra de profissão, blogger
dedicada, fez desta esquecida capela da cidade altar para a sua
poesia, na apresentação do seu primeiro e até hoje único livro
editado (e ainda por publicar no Brasil).
Noite bonita. Celebrou-se o corpo, o poder sagrado do sexo, a
alegria e melancolia da vida, os mistérios e ministérios do amor.
Incendiada noite para lembrar sempre: ter-se celebrado o mais
remoto fogo das palavras, na casa que se diz de deus.

13 outubro, 2006

ondas pressagas

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© Porto, Setembro, 2006


"GÉNESE" um poema de Sebastião Alba

Foi assim
Todo o mar que eu via
se precipitou logo no meu coração
Que é de sal

E os peixes cristalizaram
com os olhos mortos
para as suas manhãs refractadas

Escutando bem
ouve-se como ao pé duma estátua
música parada.

12 outubro, 2006

o planeta nada bacana

não ter ouvidos apenas para Mozart ou Bach.
sobretudo não querer tapar os ouvidos.
e não fechar nunca os olhos.

11 outubro, 2006

virginie despentes de viva voz

J'écris de chez les moches, pour les moches, les vieilles, les
camionneuses, les frigides, les mal-baisées, les imbaisables,
les hystériques, les tarées, toutes les exclues du grand mar-

ché à la bonne meuf. Et je commence par là pour que les cho-
ses soient claires: je ne m'excuse de rien, je ne viens pas me
plaindre. Je n'échangerais ma place contre aucune autre, par-
ce qu'être Virginie Despentes me semble être une affaire plus
intéressante à mener que n'importe quelle autre affaire.
Je trouve ça formidable qu'il y ait aussi des femmes qui ai-
ment séduire, qui sachent séduire, d'autres se faire épouser,
des qui sentent le sexe et d'autres le gâteau du goûter des
enfants qui sortent da l'école. Formidable qu'il y en ait de
très douces, d'autres épanouies dans leur féminité, qu'il y en
ait de jeunes, très belles, d'autres coquettes et rayonnantes.
Franchement, je suis bien contente pour toutes celles à qui
les choses telles qu'elles sont conviennent. C'est dit sans la
moindre ironie. Il se trouve simplement que je ne fais pas
partie de celles-là. Bien sûr que je n'écrirais pas ce que
j'écris si était belle, belle à changer l'attitude de tous les
hommes que je croise. C'est en tant que prolotte de la fé-
minité que je parle, que j'ai parlé hier et que je recommence
aujourd'hui. Quand j'étais au RMI, je ne ressentais aucune
honte d'être une exclue, juste de la colère. C'est la même en
tant que femme: je ne ressens pas la moindre honte de ne
pas être une super bonne meuf. En revanche, je suis verte de
rage tant que fille qui intéresse peu les hommes, on cherche
sans cesse à me faire savoir que je ne devrais même pas
être là. On a toujours existé. Même s'il n'était pas question
de nous dans les romans d'hommes, qui n'imaginent que
des femmes avec qui ils voudraient coucher. On a toujours
existé, on n'a jamais parlé. Même aujourd'hui que les
femmes publient beaucoup de romans, on rencontre ra-
rement de personnages féminins aux physiques ingrats ou
médiocres, inaptes à aimer les hommes ou à s'en faire aimer.
Au contraire, les héroines contemporaines aiment les
hommes,les rencontrent facilement, couchent avec eux en
deux chapitres, elles jouissent en quatre lignes et elles
aiment toutes le sexe.
La figure de la loseuse de la féminité m'est plus que sympa-
thique, elle m'est essentielle. Exactement comme la figure
du loser social, économique ou politique. Je préfère ceux qui
n'y arrive pas très bien, moi-même. Et que dans l'ensemble
l'humour et l'inventivité se situent plutôt de notre côté.
Quand on n'a pas ce qu'il faut pour se la péter, on est sou-
vent plus créatif. Je suis plutôt King Kong que Kate Moss,
comme fille. Je suis ce genre de femme qu'on n'épouse pas,
avec qui on ne fait pas d'enfant, je parle de ma place de
femme toujours trop tout ce qu'elle est, trop agressive, trop
bruyante, trop grosse, trop brutale, trop hirsute, toujours
trop virile, me dit-on. Ce sont pourtant mes qualités viriles
qui font de moi autre chose qu'un cas social parmi les autres.
Tout ce que j'aime de ma vie, tout ce qui m'a sauvée, je le
dois à ma virilité.
C'est donc ici en tant que femme inapte à attirer l'attention
masculine, à satisfaire le désir masculin, et à me satisfaire
d'une place à l'ombre que j'écris. C'est d'ici que j'écris, en
tant femme non séduisante, mais ambitieuse, attirée par
l'argent que je gagne moi-même, attirée par le pouvoir, de
faire et de refuser, attirée par la ville plutôt que par l'intéri-
eur, toujours excitée par les expériences et incapable de me
satisfaire du récit qu'on m'en fera. Je m'en tape de mettre la
gaule à des hommes qui ne me font pas rêver. Il ne m'a ja-
mais paru flagrant que les filles séduisantes s'éclataient
tant que ça. Je me suis toujours sentie moche, je m'en
accommode d'autant mieux que ça m'a sauvée d'une vie de
merde à me coltiner des mecs gentils qui ne m'auraient
jamais emmenée plus loin que la ligne bleue des Vosges.
Je suis contente de moi, comme ça, plus désirante que
désirable.
J'écris donc d'ici, de chez les invendues, les tordues, celles
qui ont le crâne rasé, celles qui ne savent pas s'habiller,
celles qui ont peur de puer, celles qui ont les chicots pourris,
celles qui ne savent pas s'y prendre, celles à qui les hommes
ne font pas de cadeau, celles qui baiseraient avec n'importe
qui voulant bien d'elles, les grosses putes, les petites sa-
lopes, les femmes à chatte toujours sèche, celles qui ont des
gros bides, celles qui voudraient être des hommes, celles qui
se prennent pour des hommes, celles qui rêvent de faire
hardeuses, celles qui n'en ont rien à foudre des mecs mais
que leurs copines intéressent, celles qui ont un gros cul,
celles qui ont les poils drus et bien noirs et qui ne vont pas se
faire épiler, les femmes brutales, bruyantes, celles qui
cassent tout sur leur passage, celles qui n'aiment pas les
parfumeries, celles qui se mettent du rouge trop rouge, celles
qui sont trop mal foutues pour pouvoir se saper comme des
chaudasses mais qui en crèvent d'envie, celles qui veulent
porter des fringues d'hommes et la barbe dans la rue, celles
qui veulent tout montrer, celles qui sont pudiques par
complexe, celles qui ne savent pas dire non, celles qu'on
enferme pour les mater, celles qui font peur, celles qui font
pitié, celles qui ne font pas envie, celles qui ont la peau
flasque, des rides plein la face, celles qui rêvent de se faire
lifter, liposoucer, péter le nez pour le refaire mais qui n'ont
pas l'argent pour le faire, celles qui ne ressemblent plus à
rien, celles qui ne comptent que sur elles-mêmes pour se
protéger, celles qui ne savent pas être rassurantes, celles qui
s'en foutent de leurs enfants, celles qui aiment boire jusqu'à
se vautrer par terre dans les bars, celles qui ne savent pas se
tenir; aussi bien et dans la foulée que pour les hommes qui
n'ont pas envie d'être protecteurs, ceux qui voudraient l'être
mais ne savent pas s'y prendre, ceux qui ne savent pas se
battre, ceux qui chialent volontiers, ceux qui ne sont pas am-
bitieux, ni compétitifs, ni bien membrés, ni agressifs, ceux qui
sont craintifs, timides, vulnérables, ceux qui préféreraient
s'occuper de la maison plutôt que d'aller travailler, ceux qui
son délicats, chauves, trop pauvres pour plaire, ceux qui ont
envie de se faire mettre, ceux qui ne veulent pas qu'on
compte sur eux, ceux qui ont peur tout seuls le soir.
Parce que l'idéal de la femme blanche, séduisante mais pas
pute, biem mariée mais pas effacée, travaillant mais sans
trop réussir, pour ne pas écraser son homme, mince mais
pas névrosée par la nourriture, restant indéfiniment jeune
sans se faire défigurer par les chirurgiens de l'esthétique,
maman épanouie mais pas accaparée par les couches et les
dévoirs d'école, bonne maîtresse de maison mais pas
bonniche traditionnelle, cultivée mais moins qu'un homme,
cette femme blanche heureuse qu'on nous brandit tout le
temps sous le nez, celle à laquelle on devrait faire l'effort de
ressembler, à part qu'elle a l'air de beaucoup s'emmerder
pour pas grand-chose, de toute façon je ne l'ai jamais
croisée, nulle part. Je crois bien qu'elle n'existe pas. (...)"


Um longo excerto de "King Kong théorie", o novo livro de
Virginie Despentes, acabado de sair em França, mais de dez
anos depois de "Baise-moi", novela mais tarde adaptada ao cine-
ma pela própria autora, e cuja assinatura se estendeu também à
realização, num filme que acabou por gerar, à epoca (corria o ano
dois mil, creio), um enorme escândalo e um intenso e polémico
debate a propósito da classificação etária a estabelecer para o seu
visionamento nas salas.
Este veio também para abanar as coisas...

10 outubro, 2006

assim os olhos se voltaram

Não sei falar sobre filmes. Não sei falar sobre os filmes de que
gosto, subjugado quase sempre pelas costumeiras banalidades;
a maior parte das vezes submerso em pensamentos eufóricos,
lágrimas ou sorrisos puros, o alfabeto fácil da minha comoção.
Há já muito tempo que um filme dele não me deixava assim,
completamente rendido. Volver é de facto um filme magistral.
Arte de um mestre do cinema. Porventura, um clássico.
Penélope Cruz, quase omnipresente, vivaz, voluptuosa - nunca
um decote foi assim tão obssessivamente filmado! -, é brilhante
na sua representação. Tocante, maravilhosa, irradiante, subtil e
inteligentíssima nos pormenores, espanhola pura, ibérica, latina,
mediterrânica, morena belíssima por excelência. Não foi por aca-
so que, expressamente, o realizador a quis inscrever na linhagem
de uma Anna Magnani.
Não sei se falar das mulheres dos filmes é dizer algo de válido
sobre eles, mas a verdade é que, desde tenra idade, o cinema foi
sempre para mim o lugar de revelação, de exaltação, de adoração
das mulheres. E este é um filme povoado de mulheres, sagaz e co-
lorido multi-retrato do universo feminino.
Não sei falar sobre filmes, sobretudo aqueles que mais me tocam
o coração, aqueles que mais avivam lembranças remotas da nossa
infância. Sei que fui o último a sair da sala, a gozar da beleza do
genérico final até à última palavra, enquanto rememorava a ge-
nial abertura do filme.
E sei, que dois ou três minutos depois, já na rua, nesse estado de
contentamento, os meus olhos voltaram-se para a beleza do céu
no crepúsculo, sobre o silente cemitério, sem vento do leste.
Assim o olhar o quis fixar.
Talvez esteja já a falar demasiado deste filme, mas quero ainda
registar que lamento não haver um Almodôvar português. Pena
que no nosso (tão semelhante!) país, não haja alguém que, como
ele, tocando e remexendo em assuntos tão graves, seja capaz de
fazer filme tão solar.


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© Porto, Setembro 2006

09 outubro, 2006

do mingus

a música de mingus nesse domingo.
um beijo a propósito de nada.
um beijo com receio preciso de tudo.
palavras como lágrimas precipitadas.
ela no sofá,
no torpor de uma secreta raiva.
numa galáxia distante.
ele na sede a soluçar.
um copo de gin,
minguante.


ela disse ruim.
ele o fim.
era domingo.
exarcebado domingo.

08 outubro, 2006

troubled sleep (my games with Bettina Rheims), #4

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© 2006 (brinquedos sobre photobook "More Trouble" de Bettina Rheims)

06 outubro, 2006

sinopse (do filme no post aqui por baixo)*

Desculpem, mas não resisti a este filme absolutamente fabulo-
so e espectacular. Seis jovens aguardam pacientemente na rua,
em frente a um edifício, à espera que os donos de um certo
apartamento vão passear o cão...
Mais não se pode dizer...
Curtam. Divirtam-se.

*(acabei por não conseguir eliminar o texto em espanhol...)

Music for one apartment and six drummers

Seis personas esperan pacientemente frente a un apartamento a que sus dueños saquen a pasear al perro...

os versos de um alquimista

"O trago açucarado de certas palavras e não o canto inútil das
musas. A forma como a pele é tocada na harpa do poema.
O verso nasce na fala dos outros ou da maneira como olhas o
infinito. Intervalo que refulge nas margens do ruído.
Lente de alquimista que ergue portos e cidades antes dos
marinheiros desembarcarem."

Alberto Serra, poema de "O Aparo do Demónio"

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© 2006

Um abraço, Alberto.
Este abraço cibernético, frenético, eléctrico, internauta, sei lá
mais o quê!
Um abraço, porém, com o sabor de cartas antigas, com o cheiro
azulado da tinta permanente. Inebriante.
Sim, nada apaga isso, essa memória. Essa íntima mão que é a
escrita, prolongada até à pele última dos dedos. A mão serena do
poeta como uma árvore sobre a alva superfície da página. Como
um barco deslizando sobre águas infinitas.
Afinal ofício de luz.

Parabéns. Que sejam muitos!
E que venha breve novo livro.
No aparo do demónio ou no amparo dos mais doces arcanjos,
sei que vais procurando trilhar novos caminhos, respirando
outras aragens, semeando terras bravias de raras metáforas;
sei que lutarás - árdua tarefa! - por uma boa safra.
Estaremos todos lá para beber das tuas palavras.
Mas brindo já pela tua saúde.

05 outubro, 2006

flores e uma canção para Elsinore

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© 2006


Parabéns, Carla, e que a vida não deixe nunca de te florir!

Não sei se a vida é um vento breve ou uma estrada longa,
mas não deixes de procurar vivê-la nos seus melhores sentidos,
não deixes de semear palavras e imagens que possamos colher
como os frutos mais belos e apetecidos, e não deixes nunca de ir
dançar para o pé do mar...





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© 2006

04 outubro, 2006

O Fim do Mundo, poema de João Cabral de Melo Neto

" No fim de um mundo melancólico
os homens lêem jornais.
Homens indiferentes a comer laranjas
que ardem como o sol.

Me deram uma maçã para lembrar
a morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo querosene. O véu que olhei voar
caiu no deserto.

O poema final ninguém escreverá
desse mundo particular de doze horas.
Em vez de juízo final a mim me preocupa
o sonho final. "

03 outubro, 2006

autopromoção

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e um obrigado à Silvia Sem Filtro por ter indicado o caminho.

como se os olhos calassem poemas imprudentes



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© Porto, Setembro, 2006

02 outubro, 2006

o tempo e a usura

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© Porto, Setembro, 2006

01 outubro, 2006

os deuses também têm seus dias menos felizes

cê sabe disso, não sabe seu caetano...

o povo entre os polvos e a lula




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© Urubus em Ubatuba, Brasil, 1998


Haverá no Brasil alguma cidadã, por exemplo, de nome
Vera Cruz Portuguesa da Silva?
Terá havido algum dia?
Porque será que nenhum português, entre os incontáveis milhões
que migraram para o Brasil ao longo de tantos séculos, se lem-
brou de eternizar assim o amor a duas pátrias no nome de um
filho?...