31 março, 2006

cemitério de cruzes deitadas

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desenho surripiado do quarto da minha filha de sete anos, Março 2006


O CEMITÉRIO DAS CRUZES FERRUGENTAS,
de Tonino Guerra

Maioletto é uma aldeia desaparecida da face da terra uma
noite em que chovia a cântaros e a montanha se rachou ao
meio. Metade ainda está de pé, mas a outra, onde estavam as
casas, os homens e os animais, ficou toda encerrada dentro
das fendas.
Abaixo da grande fraga que restou, há um cemitério com
cruzes deitadas na erva ou encostadas aos muros que fazem
um quadrado.
Um rapaz e uma rapariga, que passeavam a ver as árvores
floridas, chegaram ao meio daquele silêncio para tentar ler o
que estava escrito nas grades. O tempo tinha devorado até as
datas. Só ficaram cruzes ferrugentas, abandonadas pelos ossos e
pelos nomes.
E eles escreveram qualquer coisa com um prego sobre aquela
ferrugem, como se tivessem morrido lá dentro.

30 março, 2006

às nuvens

mostremos nós os dentes,
se em dias menos felizes,
o nosso coração ameaçar ficar cinzento.

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© Porto, 2006

29 março, 2006

os tribalistas em minha casa

Tarde plácida de um abril passado . O dêvêdê dos tribalistas a
rodar. No sofá, a minha filha suspira:
- Ai quem me dera ir ao Brasil!
Segredo-lhe que ela é uma espécie de fruto brasileiro, que é
assim como que um pedacinho paulistana, e que um dia havere-
mos de lá ir.
- Eu gostava que a Marisa Monte fosse minha amiga, pra poder
brincar com ela...
- Ela talvez não gostasse das tuas barbies...
- Eu punha os óculos-de-sol dela e tu ficavas com o Ronaldo a ver
futebol.
- Não... eu ficava com o Arnaldo a ver o Ronaldo, esse é que joga
futebol. E o Carlinhos Brown ficava a fazer o quê?
- Ficava a ajudar a mãe a fazer o jantar.
- Que bom! Assim talvez acabássemos a comer vatapá!
- Que coisa estranha é essa, papá?

meu momento de fraqueza

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Inesperadamente, dei por mim ali metido, entre a senhora
Poesia e a menina Psicóloga, singularmente nuzinho...

Ali o reflexo de mim...no meio de tão consagradas personagens,
gente de tão alta erudição...Ali eu, algo acabrunhado com tão
ilustre referência...Assim surpreendido pelo aumento, um pouco
bombástico, do número dos meus visitantes...

E agora, que farei eu para desmerecer isto?

Resta-me aqui, deixar-lhe um beijo de agradecimento, Charlotte.

28 março, 2006

amorosa perseguição

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27 março, 2006

a propósito de colisão

Tenho já o bilhete nas mãos, dirijo-me para a entrada, hesito,
olho o visor do telemóvel, falta um minuto para a sessão
começar, recuo uns três passos e pergunto à funcionária que
me atendera, quantos minutos faltam na verdade para o início
do filme.
- Quanto tempo demora a publicidade?
- Oito minutos.
- Então, ainda deve dar tempo para tomar um café...
E saio apressado. Dirijo-me ao balcão da pequena cafetaria do
McDonalds, ali a uns pouco metros das salas de cinema.
Atende-me uma rapariga de olhos muito bonitos.
- Queria, por favor, um café. Cheio, está bem?
Repete o meu pedido, enquanto eu estou a pensar se ela não
poderá ser uma jovem estudante, trabalhando à noite para
ganhar um dinheirito extra.
O café sai da máquina muito lentamente. Aproveito e peço
também uma garrafa de água natural. É magra, de cabelos claros
e está muito bem aprumada. Começo a imaginar que já deve ter
sido, concerteza, eleita alguma vez a "empregada da semana",
parece-me despachada e eficiente.
Traz-me a água. Reparo nos olhos. São azuis, têm algo de oriental.
Desconfio que não deve ser portuguesa. Desço o olhar. Na placa
que tem sobre a camisa, o nome: Tatiana, mais o nome de família
que já não lembro, mas que a confirmava logo como alguém com
provável origem do Leste da Europa.
Traz-me a água. Tento ser simpático, enquanto lhe entrego o
dinheiro.
- É ucraniana ou russa?
Sorri, diz que é russa, afasta-se para ir buscar-me o café, a
chávena já cheia como pedira.
- Fala muito bem português. Há quanto tempo está em Portugal?
- Cinco anos.
- E gosta de viver aqui?
Faz uma careta. Diz que mais ou menos. Está agora a limpar o
balcão. Dá as boas-noites a dois casais que acabam de chegar.
Antes de sair, arrisco ainda a dizer:
- É porque a família está toda lá, não é?
Esboça um sorriso afirmativo. Digo boa-noite e desejo-lhe boa
sorte e saio a correr para o filme. Vou a pensar que o país só tem
a ganhar com estes imigrantes, com este sangue novo, estas
diferentes culturas.
Já na sala, o belíssímo genérico de Crash, o filme ganhador dos
óscares, pouco sei sobre ele, apenas que de alguma maneira
aborda as clivagens raciais que se respiram em Los Angeles, a
forma como as pessoas colidem umas com as outras e não se
vêem, não se encontram, não se tocam. Um filme destes anos
pós-11 de Setembro, destes tempos de desconfianças e medos
profundos.
Embrenhei-me nessas mil histórias cruzadas, vivi os dilemas
dos diversos protagonistas, vieram-me por vezes as lágrimas,
eu que sou um sentimentalão sem remédio.
Só no final, quando saía da sala, voltei a lembrar-me da Tatiana.
De como, nuns breves minutos tão banais, apressados, casuais,
eu tentara não fazer aquilo que nós fazemos a maior parte das
vezes, na agitada vida das nossas cidades, das grandes metró-
poles que nos tornam pequenos e agressivos, que é não enca-
rarmos, não olharmos, não conversarmos, não trocarmos pala-
vras ou gestos simpáticos, ínfimos que sejam, com as pessoas
com quem nos vamos cruzando por aí.
Colisão, um bom filme, uma bela lição.

26 março, 2006

Ne dis rien

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"Ne dis rien", canção de Serge Gainsbourg, num dueto maravilhoso
com a bela Anna Karina.
Filme difundido pela primeira vez em Abril do mítico ano de 68,
e realizado por Jacqueline Joubert.

Ça va pas, ça va pas, restez immobile
Seule façon ici de se mouvoir
Ou alors je me casse la gueule et je me tue
Non mais t'as vu ce que t'as fait de moi
T'as vu ce qu'il en reste, nothing, lord nothing
Mais qu'est-ce qu'elle fait bon Dieu, elle est là elle est pas là
C'est pas possible, pas possible, pas possible, et pourtant
Il me suffit de fermer les yeux et tu es là

Ne dis rien, surtout pas, ne dis rien suis-moi
Ne dis rien, n'ai pas peur, ne crains rien de moi
Suis moi jusqu'au bout de la nuit
Jusqu'au bout de ma folie
Laisse le temps, oublie demain
Oublie tout ne pense plus à rien
Ne dis rien, surtout pas, ne dis rien suis-moi
Ne dis rien, n'ai pas peur, ne crains rien de moi

Suis-moi jusqu'au bout de la nuit
Jusqu'au bout de ma folie
Laisse le temps, oublie demain
Oublie tout ne pense plus à rien

25 março, 2006

não dizer nada

sonhar com os olhos doces de Anna Karina.
dançar apenas no sonho do seu olhar.
a lenta canção de um amoroso sorriso.

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24 março, 2006

ler nas horas vagas

Será que trolhas e serventes, ali para Águas Férreas, andam a
ler Paul Lafargue na hora do almoço?
A quem servirá mensagem tão subversiva?
Grito tão efémero?

(É claro que, no dia da inauguração, o grafito não estará lá.)


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© Porto, 2006

"E, a propósito da duração do trabalho, Villermé observou que os
forçados das prisões trabalhavam apenas dez horas, os escravos
das Antilhas nove horas em média, enquanto existiam na França,
que fizera a Revolução de 89 e que proclamara os pomposos
Direitos do Homem, fábricas onde o horário de trabalho era de
desasseis horas por dia, hora e meia das quais era dada aos ope-
rários para refeições.
Ó miserável aborto dos princípios revolucionários da burguesia!
Ó lúgubre dádiva do seu deus Progresso! Os filantropos aclamam
como benfeitores da humanidade aqueles que, para enriquecerem
sem fazerem nada, dão trabalho aos pobres; mais valia semear a
peste e envenenar as nascentes do que construir uma fábrica
num aglomerado rural. Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus
alegria, saúde e liberdade; adeus tudo aquilo que torna a vida bela
e digna de ser vivida."

Paul Lafargue, "O Direito à Preguiça", 1883

23 março, 2006

se o futebol fosse cinema

Falemos de futebol: não gostei do filme de ontem.
Não aconteceu cinema, e podia ter acontecido.
Podíamos ter visto cinema do mais sublime.
Ricardo e Baía. Qual o herói e qual o vilão?
Ricardo foi de uma extrema coragem ao ter avançado para
a marca de grande penalidade. Era muita coisa que estava em
jogo. Provavelmente muito mais do que naquele célebre jogo
contra a Inglaterra que deu a passagem às meias-finais do
Euro 2004.
Em terreno hostil, crivado de insultos por todos os lados,
concerteza mordido de dúvidas, avançou destemido para tentar
bater o seu eterno arquinimigo entre postes.
Loucura? Inconsciência? Absoluta confiança em si próprio?
Não consigo imaginar o que lhe terá passado pela cabeça - e
pelo coração - nesses longos breves segundos.
Se falhasse o remate, enviando a bola para fora, toda a gente
diria que era um desastrado, um homem que não domina os
seus sentimentos, um menino emocionalmente instável.
Baía sairia da contenda como um homem mais frio, de nervos
de aço, de mais de quebrar do que torcer.
Ficaria assim vingado de todo este tempo de inexplicável
exclusão da selecção. Scolari dormiria com mais remorsos.
Ricardo, se calhar, nunca mais teria um sono descansado em
vésperas de jogos decisivos.
Se a bola esbarrasse nos postes ou na barra, era como se o
destino lhe enviasse um recado de sabor amargo, por se ter
aventurado em tal ousadia, por se ter proposto a tamanha
afronta.
Se Baía porventura defendesse o remate, seria ainda mais
humilhador, pois além do domínio psíquico da situação, mostra-
ria também quem era o melhor a defender penáltis, acabando
com um certo mito à volta de Ricardo.
Não aconteceu assim, é certo. Ricardo foi igual a si mesmo,
mostrou coração de leão, parecendo sempre superar-se em
momentos cruciais, mas sem conseguir, porém, impedir os
cinco pontapés vitoriosos dos portistas. Baía ficou com a glória
da noite, por ter conseguido defender um remate, terá-se
contentado, apenas, com essa raiva surda de ter ganho mais um
jogo importante, ele que é o recordista de títulos conquistados,
em todo o mundo do futebol.
Foi emocionante mas não foi sublime.
Podia ter acontecido mesmo cinema.
Baía devia ter avançado, também ele, logo que desfeiteado pelo
seu rival, contrariando o seu treinador e todos os seus colegas de
equipa, para bater o último penálti. Herói e vilão, vilão e herói,
frente a frente, como num duelo de western, a jogar ali, naquele
palco imenso, muito das suas vidas. Um drama a todos os níveis.
O sonho de qualquer realizador.
Digam lá se não era um filme melhor. Ainda por cima, nunca
saberemos como poderia ter acabado.

estado cívico: camaleão

mais camelo que leão.

22 março, 2006

não fechar os olhos (adenda)

sobretudo nunca fechar os olhos.
não fechar os olhos ao desleixo.
não fechar os olhos à decadência, à degradação que vem
tomando conta do Porto.
não fechar os olhos perante tantos riscos e sarrabiscos sem
sentido que pululam pelos muros e fachadas das nossas casas.
que barbaramente poluem a nobre pele da invicta.
não fechar os olhos aos grafitos, já nada libertários, que nos
desfeiam a cidade.
não encolher os ombros perante o puro vandalismo.
não fechar os olhos ao lixo.
que o lixo não seja nosso nome. que não nos atirem para um
canto como lixo.
não fechar os olhos à dor que sentimos, mas quase sempre
calamos.
abrir bem os olhos. andarmos atentos. saber reclamar atenção.
não fechar os olhos a todas as misérias que grassam por aqui.
não fechar os olhos ao abandono que tomou conta desta terra,
outrora vívida, pulsante, emergente, sã.
não ignorar os milhares de prédios desocupados, vazios,
arruinados, podres.
não esquecer a surda violência que todos os dias respiramos.
não ignorar uma população envelhecida, sem dinheiro para
subsistir na selva destes tempos modernos.
não fazer de conta que não existem, os incontáveis sem-abrigo,
os inumeráveis desempregados, os deserdados de toda a espécie.
que sobretudo não fechemos os olhos por indiferença.
sim, pode ser qualquer um de nós ali naquela esquina da vida.

muitos anos depois...

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© Porto, Março 2006

...está quase!

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© Porto, Março 2006

O Bairro da Bouça, cerca de trinta anos depois, vai finalmente
ter o rosto que merece!
O Bairro projectado pelo arquitecto Siza Vieira, há cerca de
trinta anos, iniciado na sequência do processo revolucionário
que se seguiu ao 25 de Abril, no âmbito do Serviço de Apoio
Ambulatório Local, o famoso SAAL, poderá ser, agora sim,
mais um dos ex-líbris do Porto.
Uma Obra, sem sombra de quaisquer dúvidas, que melhora
e honra a cidade.
Assim a sintam os antigos e os novos residentes.
Assim façam por cuidar dela.
Para bem da cidade e de todos nós.

21 março, 2006

não fechar os olhos

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© Porto, 2006

20 março, 2006

freiras fogosas

"¿Te atreves a entrar?

¿Borrachina?, ¿Marchosa? ¿Enamoradiza?
Bien. Tal vez seas la monja perfecta.

¿Te gustan los hombres, la disco y las pelas?
¿Te enamoras con facilidad?

¿Conoces bien el mundo y la vida?

Pues mejor podrás ayudar a los hombres y mujeres de este
mundo. Y no serás la primera: Santa María Magdalena, sin ir
más lejos, también fue una cachonda como tú."

É com estas palavras provocantes que uma congregação de
freiras de Barcelona, criada em França em 1696, ousou lançar-
-se na internet, procurando com humor e algum picante, aliciar
novas devotas.
Trata-se de uma campanha de marketing religioso das Irmãs
da Caridade Dominicana da Apresentação da Santíssima
Virgem, para tentar contrariar a queda significativa das voca-
ções. Estas perguntas pouco habituais numa página religiosa,
pretendem, segundo a autora do "site", a irmã Gemma Morató,
quebrar os "estereótipos que se fazem das freiras e das congre-
gações religiosas".
No "site", há links para um blog desta mesma freira, para a pá-
gina da congregação, endereços de correio electrónico e até publi-
cidade. Usam o correio e até o "messenger" para conversar regu-
larmente com quem contacta a congregação a pedir mais infor-
mação. "Não nos podemos queixar. Parece estar a resultar.
Recebemos 26 mil visitantes, dois mil correios electrónicos e
várias jovens querem conhecer-nos e uma já está a fazer uma
experiência", explica a autora das páginas. *

* a partir de uma notícia do "JN" desta Quinta-feira, 16 de Março

19 março, 2006

águas de março

a cidade amanhecida sob o choro abençoado do céu.
são as águas de março chamando a primavera.
a infância do nosso verão.

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© Porto, Março 2006

18 março, 2006

Opa! Que bela Opa! *

Que bela Opa, do Milénio ou da Sonai!
A ferver na bolsa do capital, ai!
Quem não diz: Força! Quem não diz: Eia!
Quem não sonha com tanto dinheirinho!
Quem não canta com a sereia?!
Quem não diz: Opa! Que bela Opa!
Opa das Opas, que bela Opa!
O-pa, O-pa, ó pá,
que Opa oca!

Que bela Opa! Quem não acha isso giro?
Quem não a papa! Quem não se lança!
Quem não queria ser o Ti Belmiro?!
Quem não queria ser o rei,
ó pá!, da alta finança?
Tanta massa que nem sei!
Quem não daria tudo só pa
ra petiscar desse caldinho?
Opa! Que bela moca!

* quem quiser cantarolar só tem que pedir emprestado
à Adriana Partimpim, não a mim...

o direito à preguiça

"(...) Se, arrancando do coração o vício que a domina e avilta
a sua natureza, a classe operária se levantasse com a sua força
terrível, não para reclamar os Direitos do Homem, que não
sendo senão os direitos da exploração capitalista, não para
reclamar o Direito do Trabalho, que não é senão o direito à
miséria, mas para forjar uma lei de bronze, que proíba que
qualquer homem trabalhe mais de três horas por dia, a Terra,
a velha Terra, fremente de alegria, sentiria nascer dentro de
si um novo universo... Mas como pedir a um proletariado cor-
rompido pela moral capitalista uma resolução viril?
Tal como Cristo, dolente personificação da escravatura antiga,
os homens e as mulheres do Proletariado sofrem penosamente,
desde há um século, o duro calvário da dor: desde há um sécu-
lo, o trabalho forçado parte-lhes os ossos, mortifica-lhes a
carne, arrasa-lhes os nervos; desde há um século, a fome con-
torce-lhes as entranhas e alucina-lhes a cabeça!... Ó Preguiça,
tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das artes
e das nobres virtudes, sê bálsamo para as angústias humanas!"

Não, estas palavras não têm paternidade recente, estas palavras
não foram escritas por estes dias, mas sim lavradas há mais de
120 anos!
Foram retiradas de "O Direito à Preguiça", um livro que li há já
alguns anos cujo autor é Paul Lafargue, um francês nascido em
Cuba em1842. Estudou depois em França, onde veio a aderir à
Internacional dos Trabalhadores.
Lembrei-me de voltar a pegar nele, por causa do meu post ante-
rior e também pela revolta dos estudantes universitários a
acontecer agora em Paris.
Apesar de tudo, apesar de todas as suas visões e perspectivas
algo maniqueístas, meio utópicas, é um livro de um sábio.
É um livro terrivelmente actual.
Tantas frases que poderia aqui citar!

17 março, 2006

ai às vezes viver como os gatos

um sol que ancorasse no meu corpo.
o justo e natural direito à preguiça.

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© Porto, Janeiro 2006

16 março, 2006

com pedrinhas de brilhante *

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© 2006 (*versos de uma canção de embalar tradicional)


Hoje, como nunca: 1+1=2.

15 março, 2006

lua cheia de mim

o sorriso alvo da lua
na doca negra do céu

o lívido sorriso da lua
na rota erma do meu

o riso maroto da lua
na porta certa do céu

o sorriso branco da lua
na boca obscura do eu

14 março, 2006

rés ao chão, no lume antigo do meu silêncio

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© Porto, 2005


"Mão de ferro finada
a bateres à porta
de quem vive embutido
nas traseiras"

poema de Luiza Neto Jorge

13 março, 2006

concomitâncias

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© 2006

12 março, 2006

a cor que é todo o amor

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© 2006

11 março, 2006

plus d'hiver

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© 2005

10 março, 2006

"Explicação Rigorosa" de Mário Henrique Leiria

"Esperar
o quê?
uma máquina
de transformar bananas
em governos?
uma porta
que só obedece ao sinal
do ombro respeitável?
o cão profissional
que morde à sexta-feira
a perna que contesta?
o dedo
de unha poluída
que aponta a única direcção?

esperar
o quê?
o riso explosivo
e quente
como um sexo de mulher
aberto em flor

a faca
a granada
o dia"

De mim um pouco farto, enfim, abandono-me a folhear os
"Novos Contos do Gin" do Mário Henrique Leiria.
Publicados nos inícios de 74, cá a lusa pátria sob a mão pesada
do fascismo, e o mundo ainda muito longe de poder sonhar com
uma rede comunicacional global ou sequer com essa coisa
fabulosamente democrática da blogosfera...
Os seus poemas ou pequenos contos, ditos pelo grande Mário
Viegas, que guardo em vinil ou em lembranças de espectáculos
presenciados no desaparecido TEP, ficaram inscritos de forma
perene no grato corpo da minha memória. Voltarei a eles decerto
mais vezes.
Provavelmente, se fosse vivo, o Mário Henrique Leiria talvez
não resistisse, também, à tentação de criar um blogue.
E faria escola, concerteza.
Até porque mesmo assim, creio, há hoje muitos por aí que foram
beber a essa fonte.
Que são devedores do seu estilo.
Que serão devedores da sua coragem.

coisas que ficam a doer fundo

via o blogue "A Baixa do Porto", deixo aqui transcrito um
texto publicado a 7/03/06 no diário "La Voz de Galicia",
inserido num conjunto de reportagens que esse jornal tem
vindo a fazer sobre a nossa pobre cidade.

" UN VECINO EN CRISIS
Una ciudad contra sí misma

Oporto encalla en la contradicción

La capital del norte luso lucha para modernizarse dentro
de una crisis que socava sus grandes proyectos y castiga
a su población con los peores salarios de todo el país

VIENTOS DE MODERNIDAD.

El metro, que ya mueve a 2,7 millones de clientes al mes,
se ha convertido en el símbolo de una ciudad que quiere
y no puede, frenada por unos desequilibrios sociales

LA POBREZA.

En la Baixa,las imágenes de miseria están a la vuelta de
la esquina: más del 20% de la población de la ciudad vive
en condiciones cercanas a la marginalidad justo en la
zona en la que se desarrolla una de las actividades más
lucrativas para la urbe, el turismo

Oporto es luz y sombra. Blanco y negro. Yin y yan.. Gordo
y Flaco... Díganlo como quieran. Escojan su tópico favo-
rito para describir la contradicción y habrán definido a
la Ciudad Invicta, la capital del norte de Portugal, la
segunda urbe más pujante, grande y poderosa de un país
que lleva un decenio buscándose a sí mismo.

Oporto es al mismo tiempo afirmación y negación de su
esencia. Un quiero y muy pocas veces puedo, en el se
puede ver el metro más moderno del sur de Europa cru-
zando un arrabal de desheredados. O encontrar a esos
mismos habitantes sin recursos subiendo una escalera de
mil peldaños junto al Duero, porque no les llega para
pagar los 1,35 euros que clavan por coger un moderno
teleférico sin clientes.

No es para menos: viven en casas de propiedad municipal
que se visten de ventanas rotas y fachadas leprosas, por
lo que su prioridad es comer hoy y guardar algo para
mañana, aunque sea a costa de mil peldaños de ascensión,
dolor de espalda y zapatos gastados.

Y no es que sean pocos los que así sobreviven. Lo de-
muestra el hecho de que en el teleférico hubiera ayer
cuatro empleados para atender a tres clientes (dos de
ellos periodistas). Y lo corroboraba el propio alcalde
de Oporto, Rui Río, que afirma que el 20% de la pobla-
ción de la ciudad reside en una de esas deterioradas
propiedades municipales, a las que nadie ha lavado la
cara desde mucho antes de que cayera la dictadura. Ya han
pasado treinta años, pero muchas de las desigualdades aún
persisten.

De ahí el contraste. Y el encanto, porque Oporto ha con-
vertido este choque contra sí mismo en un reclamo turís-
tico tan potente como indeseado. Sólo en la capital del
Duero puede uno bajarse de un metro que conecta a casi dos
millones de habitantes, para subirse a un autobús destar-
talado.

Y podrían ser meras percepciones de un cronista, sí, pero
lo peor es que tienen reflejo en demasiados estudios que
dejan a Oporto y a su región norte a la cola del país.
Así, la ciudad con el aeropuerto más moderno de la
Eurorregión, capaz de mover más pasajeros que las tres
terminales gallegas juntas, sale adelante con el salario
medio anual más bajo de Portugal: 7.002 euros, 1.400 me-
nos que la media nacional y 4.300 por debajo de Lisboa.

Malas cifras

En ese contexto, no extraña que las cifras de crecimiento
estén en los últimos años seis veces por debajo de la me-
dia nacional. O que los habitantes de Oporto sientan cada
vez más que alguien en Lisboa les toma el pelo y los
euros. «Aquí notamos entre la gente un sentimiento cre-
ciente de abandono frente al centralismo, que se palpa en
el tema del AVE a Vigo», explica el cónsul de España en
Oporto, José Antonio de Iturriaga.

Él es uno de los 2.500 españoles (casi todos gallegos)
que residen en Oporto. Buena parte de ellos son médicos
o enfermeros. El resto ejercen y cobran como profesionales
cualificados. Y, salvo excepciones, viven cómodos y bien
remunerados: «Cuesta adaptarse por cómo está todo, pero
los españoles en general estamos muy bien», confirma
Belén, una profesora madrileña que lleva un lustro dando
clase en Portugal.

Como ella, casi todos los gallegos viven al margen de las
penurias de una ciudad deprimida y vigorosa, pesimista
pero esperanzada, triste y vital, yin y yan, Gordo y
Flaco. Ya saben: como quieran, pero contradictoria."

09 março, 2006

Let It Benfica*

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© 2006

*este post é dedicado à Carla de Elsinore.
festejando a vitória iluminada, abri um porto generoso.
saboreei. vagarosamente bebi.
também em memória de seu avô.

08 março, 2006

Sintra numa rima pelintra

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© Sintra, Fevereiro 2006

- Paizinho, esta terra é no norte ou no sul?
- É no sul. Em tempos, foi terra de mouros.
- E ali naquele palácio havia princesas muito belas?
- Havia mouras encantadas...
- E o que aconteceu, não gostavam delas?
- Houve muitas batalhas, depois perderam a guerra.
- Mas essas pessoas fugiram ou ficaram por cá?
- Talvez tenham ficado os mais fracos. Ou os mais sábios.
- Mas morreu muita gente?
- Sim, mas desse tempo já pouca memória existe.
- Nem acredito que já houve tanta desgraça nesta linda serra!
- É verdade...E cheia de encantamentos e escondidos tesouros...
- E no palácio, quem ficou lá depois a morar?
- Um princípe meio adoentado mas muito belo.
- E o que há ali mais acima, um castelo?
- Sim, e escondeu-se por lá um rei bastante louco.
- Porquê? Tinha medo de governar?
- Não, mas para ele o país contava pouco.
- Porquê? Só pensava em festas e em dinheiro?
- Sim e gastou tudo a construir estes palácios faustosos.
- A rainha não o proibia?
- A rainha desaparecera sem deixar rasto, como por magia.
- Se calhar é por isso que ali há ainda tanto nevoeiro.
- Talvez seja por lá haver fantasmas...ou algum maldito segredo.
- Não é nada, pai! Para que me queres meter medo?
- Esses fantasmas são bonzinhos, a rainha é que era má.
- Isso já parece é a história da branca de neve!
- Eu acho que é muito mais triste.
- Então, o príncipe não casou com a princesa mais bela?
- Não, casou com uma feiosa que por aqui estava à janela.
- Naquele palacete azul?
- Sim, o das janelas partidas...
- E agora, será que é uma casa assombrada?
- Não, essa é a casa em frente.
- Não parece nada...
- Diz-se que existe lá um terrível mistério...
- Mas está tão bem pintada, o telhado tão bem arranjadinho!
- Ouvem-se sons estranhos, vindos de um poço muito profundo.
- Deve ser preciso ter coragem para lá viver...
- Viveu lá um vampiro que nunca arranjou namoradas...
- Nunca beijou ninguém nos lábios?
- Não, nunca saboreou tal favor.
- Boa, assim morreu sem morder qualquer pescocinho!
- Coitado...ficou só capa e ossos...
- Ainda bem que os maus acabam sempre a sofrer!
- Mas olha que ele finou-se a amaldiçoar todo o mundo...
- Começo a não acreditar nestas tuas histórias doidas varridas!
- Mas tu ajudas-me a inventá-las, meu amor!
- Começo a sentir que escrever histórias é uma mentira breve.
- Fico triste por dizeres isso. É que isso eu não sinto.
- Eu sintro. E não te minto.
- A sério?


07 março, 2006

água minha

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© 2006

"Canção", um poema de José Agostinho Baptista

Pedra a pedra edifiquei o desastre.
Todos os caminhos são o caminho de uma lágrima.
Deste musgo
faço a tua fria túnica rasgada e, se quiseres, é assim
o rosto da terra.

06 março, 2006

meus dias na bela província

"[...] as tardes na várzea de Colares, remando num velho bote, sobre a água escura da sombra dos freixos - e que risadas quando iam encalhar nas ervagens altas, e o chapéu de palha se prendia aos ramos baixos dos choupos!"

Eça de Queiroz, "O Primo Basílio", 1878

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entre cá e lá,
entre o meu norte e o sul alheio,
olhar, entreolhar,
vislumbrar, imaginar...
entre tão distantes séculos,
entre esse tão remoto século
e os alvores deste nosso e incerto XXI,
entre naturalismo e finados do romantismo,
entre realismos de todos os matizes,
entre os clássicos Eça e Júlio Diniz,
ou até mesmo as memórias da infância
do futuro clássico Lobo Antunes,
entre palavras e imagens
impressivamente convocadas,
nos solarengos e preguiçosos dias
ou nas húmidas e silenciosas noites,
a pé ou na alucinada bicicleta,
minhas deambulações de alumbramento
pela várzea de Colares...

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05 março, 2006

no fim do M

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ontem comovi-me a ouvir esta música. muito a sério.
(quem sabe, me perdi também, descobrindo meu fado?)
é um privilégio poder ver crescer uma canção, desde a sua raiz.
meus olhos ficaram bem perto das lágrimas.

Moloi é um ilustre desconhecido, eu sei, mas tenho prazer e até
um certo orgulho em trazê-lo tão bem acompanhado no meu ipod.
as suas composições não desmerecem tais parceiros.
pelo menos no osso, na pura essência da sua estrutura, sem a
sombra de qualquer sofisticado arranjo.
quem sabe, um dia, alguém não descobre as raizes mais fundas
das suas canções, e possa resgatá-las, iluminá-las assim para o
mundo.

não o digo apenas como amigo:
no seu melhor, ele faz música popular profunda.
ao mesmo tempo, sagrada e profana.
sem medo do humor, dos labirínticos medos do amor.
música simples, complexamente humana.
música muito simples.
como o devem estar a fazer muitos outros anónimos artistas,
por esse tão vasto mundo fora.

assim nasceram muitos sambas no morro,
nas favelas de muita vidas.
muitos fados de raiz.

04 março, 2006

Duras

duras
em mim há tanto tempo
tantas paixões
tantas mortes
sem o limite mesquinho dos caixões
duras
bem mais que os amores
duras
num beijo de séculos
nas palavras
nos rumores das palavras
duras
furas
os acasos dos silêncios
os dédalos rios
que vão perpetuar-se
vento ledo
no teu nome
tatuar-se
no teu corpo
sexo de tudo

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pormenor da capa de um disco de homenagem a
Marguerite Duras. uma das mais belas capas.
nunca teve edição em cd. há anos que a espero.
um dos meus preciosos tesouros.

e um poema meu antigo.
arrebatado e, talvez, sinto agora, algo envelhecido.

03 março, 2006

ainda no zero-a-zero

memórias de dias cheios.
de um entrudo em tudo bestial.

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© Fevereiro, 2006

02 março, 2006

poder sonhar por aí

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01 março, 2006

Onde

Onde os fantasmas caem da vertigem pálida
dos tectos

Onde a morte se insinua na imagem húmida
dos dedos

Onde chora a alma a seiva destemida
dos cactos

Onde deus é fantasma a alma nascida
dos medos